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Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, por ocasião da Cúpula Mundial sobre Segurança Alimentar – Roma, 16 de novembro de 2009
Bem... Lugo, tudo bem?
Cumprimentar a mesa coordenadora dos trabalhos,
Cumprimentar os chefes de Estado e de Governo,
Cumprimentar as senhoras e senhores chefes de delegação,
Cumprimentar os ministros,
Meus amigos e minhas amigas,
Minha presença aqui, em mais esta importante reunião da FAO, renova meu compromisso e o do meu governo com aquela que tem sido nossa primeira prioridade: a segurança alimentar e a erradicação da fome.
Faço parte daqueles milhões de brasileiros que deixaram sua região natal para escapar do flagelo da fome. Tenho da fome, da pobreza e da exclusão social uma experiência de vida, mais do que uma percepção intelectual.
Historicamente, milhões de homens e mulheres do meu país foram empurrados para fora da sociedade por um modelo de crescimento concentrador de renda, que reproduzia a desigualdade. A economia estava organizada para atender apenas 60% dos brasileiros, deixando os restantes entregues à própria sorte.
Milhões de seres humanos eram vistos como estorvo. Qualquer esforço para socorrê-los da pobreza, da exclusão e da desigualdade era visto - e ainda o é, por alguns - como "assistencialismo" ou "populismo". Havia que inverter essa lógica perversa.
Os milhões, que antes não encontravam lugar em nossa sociedade, passaram a ser, pouco a pouco, nosso maior ativo. Hoje eles formam parte da nova fronteira econômica, social e política que está moldando um outro Brasil: uma nação mais próspera, soberana e cada vez mais democrática.
Delegados e delegadas,
A experiência brasileira e de outros países mostra que o enfrentamento do problema da fome exige, antes de mais nada, vontade e determinação política.
Foram iniciativas políticas que permitiram ao Brasil retirar 20 milhões e 400 mil pessoas da pobreza e reduzir em 62% a desnutrição infantil, quebrando o ciclo perverso que perpetua a miséria e a desesperança. Alcançamos esses resultados criando uma forte rede de proteção social articulada com políticas de estímulo à agricultura familiar.
Programas como o Bolsa Família, principal instrumento do Fome Zero, que atendem mais de 50 milhões de brasileiros, garantem que os alimentos cheguem, efetivamente, à mesa dos que mais precisam. Além disso, estimulam a produção agrícola, promovem o desenvolvimento local e contribuem para criar um vasto mercado de consumo popular.
Nosso mercado interno teve papel decisivo para que o Brasil fosse um dos últimos países a entrar na recente crise internacional e um dos primeiros a sair dela. A agricultura familiar é componente essencial dessa estratégia, produzindo 70% dos alimentos consumidos no País e representando 10% do Produto Interno Bruto. São 4 milhões e 300 mil famílias gerando alimentos e biocombustíveis de forma plenamente compatível e sustentável.
Esses resultados não seriam possíveis sem um novo ímpeto à reforma agrária. De 2003 a 2009, assentamos o equivalente a 60% de todas as famílias até hoje beneficiadas pela reestruturação fundiária do País. Além do acesso à terra, expandimos em 500% o crédito à pequena agricultura, ampliamos a assistência técnica e desenvolvemos a infraestrutura de armazéns públicos. Mais de 1 milhão e 300 mil famílias são beneficiadas com o seguro agrícola.
O Programa de Aquisição de Alimentos destina produtos da agricultura familiar a todos os grupos ameaçados pela insegurança alimentar. Já o Programa Nacional de Alimentação Escolar, que serve diariamente 52 milhões de refeições gratuitas aos alunos do ensino público, agora é obrigado a comprar da agricultura familiar, no mínimo, 30% de tudo o que distribui.
Sem falar no programa Luz para Todos, que já levou energia elétrica, gratuitamente, para 2 milhões e 146 mil famílias - mais de 10 milhões de pessoas -, principalmente na zona rural, tornando cada vez mais próxima a universalização do acesso à energia em nosso país.
Tais avanços produtivos e sociais foram acompanhados de valiosas conquistas ambientais. Entre outras, a redução drástica do desmatamento, a ampliação das áreas florestais protegidas e o completo zoneamento agroecológico do País.
Mas o Estado brasileiro não está sozinho nesse esforço. Conta com o engajamento indispensável dos movimentos populares e de diversos setores da sociedade civil, por meio do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, diretamente vinculado à Presidência da República. Com isso, logramos alcançar o 1º Objetivo de Desenvolvimento do Milênio bem antes do prazo estabelecido. Agora trabalhamos para a total erradicação da fome no Brasil.
Senhoras e senhores,
Frente à ameaça de um colapso financeiro internacional, causado pela especulação irresponsável e pela omissão dos Estados na regulação e na fiscalização do sistema, os líderes mundiais não hesitaram em gastar centenas e centenas de bilhões de dólares para salvar os bancos falidos. Com menos da metade desses recursos, seria possível erradicar a fome em todo o mundo.
O combate à fome, contudo, continua praticamente à margem da ação coletiva dos governos. É como se a fome fosse invisível. Muitos parecem ter perdido a capacidade de se indignar com um sofrimento tão longe de sua realidade e experiência de vida. Mas os que ignoram ou negam esse direito acabam por perder sua própria humanidade.
Quando lançamos o Fórum Mundial de Combate à Pobreza, em Genebra, em 2004, propugnamos uma verdadeira parceria global para mobilizar vontade política e apoio financeiro.
Na última reunião do G-8 mais o G-5, em L'Áquila, demos um passo importante. Na Declaração sobre Segurança Alimentar, nos comprometemos a destinar US$ 20 bilhões a essa causa. Mas ainda é insuficiente para enfrentar a tragédia cotidiana da fome no Planeta.
Necessitamos, sim, de medidas que funcionem em situações emergenciais. O mais importante, no entanto, são as soluções de longo prazo, capazes de prevenir as calamidades.
É fundamental que os países desenvolvidos cumpram os compromissos assumidos e aumentem os níveis da Assistência ao Desenvolvimento. O sistema multilateral de comércio precisa livrar-se dos vergonhosos subsídios agrícolas dos países ricos. Eles sabotam a incipiente agricultura dos países mais pobres, cancelam suas esperanças de fazer dela uma ponte para o desenvolvimento.
Não teremos êxito no combate à fome se não mudarmos radicalmente os padrões de cooperação internacional. É preciso virar a página dos modelos impostos de fora. Não faz sentido que o FMI e o Banco Mundial imponham ajustes estruturais que inviabilizem as políticas públicas de estímulo à agricultura dos países mais pobres. Não podemos desperdiçar as experiências acumuladas nos próprios países beneficiários.
Esse é o caminho trilhado pelo Brasil para cooperar com as nações mais pobres na luta contra a insegurança alimentar. Transferimos, sem condicionalidades, a tecnologia de ponta que revolucionou nossa agricultura e compartilhamos nossas exitosas políticas públicas de inclusão social.
Tenho, nesse sentido, recebido dezenas de líderes africanos no Brasil, e visitei 21 países na África, alguns deles mais de uma vez. Ontem, realizamos um encontro África-Brasil para discutir a participação da Embrapa no desenvolvimento da agricultura na savana africana.
O papel das Nações Unidas e, particularmente, da FAO é decisivo para construir um mundo sem fome. A FAO tem legitimidade para conduzir esse debate, garantindo a participação ampla de governos e da sociedade civil.
Por esse motivo, o Brasil tem devotado o melhor de seus esforços para a reforma do Comitê de Segurança Alimentar. Ele deve tornar-se um foro representativo de todos os atores relevantes na construção de uma parceria global para a agricultura e a segurança alimentar.
Atitudes isoladas e voluntaristas serão sempre paliativas. Na falta de ação coletiva e coordenada, a pobreza extrema e a exclusão social continuarão a gerar focos de instabilidade e conflito. Um mundo de desempregados, miseráveis e famintos jamais terá paz e segurança duradouras. Sem horizontes, sem esperanças, sem futuro para mais de 1 bilhão de seres humanos, como esperar um convívio harmonioso e cooperativo entre os povos? Sobretudo porque não há carência de alimentos. Ninguém ignora que já produzimos o suficiente para alimentar, com sobras, toda a Humanidade.
Mais que um lamento, esta é uma convocação. Já afirmei, e faço questão de reiterar, que a fome é a mais terrível arma de destruição em massa existente no nosso Planeta. Na verdade, ela não mata soldados, ela não mata exércitos. Ela mata, sobretudo, crianças inocentes que morrem antes de completar um ano de idade. Vencê-la está, realisticamente, ao alcance de nossas mãos. Só assim abriremos caminho para um mundo justo, livre e democrático com que todos nós sonhamos.
Muito obrigado.