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Mercosul: caminhos para o futuro (Valor Econômico, 21/7/2017)
Estarei, neste dia 21, em Mendoza, na Argentina, para a Cúpula do Mercosul, que não se realiza desde 2015. O Brasil receberá dos anfitriões argentinos a presidência de turno do bloco. Poucos encontros internacionais são tão importantes para nós. Afinal, é a reunião de mais alto nível da principal iniciativa de integração de que participamos. Além disso, será a 50ª edição da Cúpula - o que permite, com o benefício do tempo, olhar para trás e tirar lições para o futuro sobre nossa inserção na vizinhança e no mundo.
O Mercosul foi constituído em 1991 sobre os pilares do livre mercado, da democracia e dos direitos humanos. Foi o ponto culminante de um processo histórico. Com ele superamos definitivamente antigas rivalidades entre o Brasil e a Argentina - rivalidades que se estendiam desde o século XIX e que já não tinham lugar no ambiente de redemocratização que vivíamos em nossa região. Com ele renovamos as bases de nossas antigas relações com o Paraguai e com o Uruguai. O Mercosul promoveu a confluência de visões e de propósitos entre quatro países irmãos, unidos pela geografia.
Graças ao bloco, o comércio entre esses quatro países multiplicou-se por doze em pouco mais de duas décadas - e um comércio de qualidade, de valor agregado, importante para nossas indústrias. No caso do Brasil, nada menos do que 84% das exportações para os sócios do Mercosul correspondem a produtos manufaturados.
Nos seus primeiros anos, o Mercosul foi, ainda, peça-chave na manutenção da democracia na região - democracia que havia sido tão difícil reconquistar. Nessa perspectiva, marco importante foi a adoção, em 1998, do Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático, a chamada "cláusula democrática".
Por muito tempo, o Mercosul cumpriu a contento sua vocação original. Gerou intercâmbio, prosperidade, desenvolvimento. Contribuiu para as liberdades democráticas.
Mais recentemente, porém, enfrentou reveses significativos. Apenas para dar exemplo na seara econômica, nos últimos quatro anos as trocas despencaram de US$ 57,5 bilhões, em 2013, para US$ 37,9 bilhões, em 2016. Chegou-se a operar verdadeira inversão de paradigmas: em lugar de prestigiar o livre mercado, criavam-se novos obstáculos, novas barreiras comerciais.
Pois, agora, estamos devolvendo o bloco ao caminho de que nunca deveria ter saído. Uma convergência pragmática entre os países fundadores tem-nos permitido revitalizar o Mercosul. A vontade de mudar para melhor que verificamos em cada uma de nossas sociedades traduz-se em uma agenda virtuosa para nossa integração. E o Brasil mais moderno que estamos construindo - um Brasil que volta a crescer e a gerar empregos - traz contribuição importante para um bloco mais forte e mais dinâmico. O Mercosul é o que os membros decidimos fazer dele.
Sob a presidência argentina, que se encerra em Mendoza, avançamos muito. Concluímos o acordo de investimentos do Mercosul, o que significará mais segurança para investidores, mais riqueza, mais empregos. Progredimos na eliminação de barreiras ao comércio: de um total de quase 80 barreiras identificadas, dezenas já foram abolidas. Aproximamo-nos dos países da Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, México e Peru). Reconhecemos a ruptura da ordem democrática na Venezuela - recorremos à cláusula democrática. A realidade é que se fez mais nos últimos meses do que em muitos anos anteriores.
Depois da Cúpula de Mendoza, caberá à Presidência brasileira do Mercosul continuar e aprofundar esse trabalho. Entre nossas prioridades está a conclusão de acordo sobre compras governamentais, que aprimorará as condições de participação das empresas de um país em licitações em outro membro do bloco. O acordo ampliará a concorrência e as oportunidades de negócios. Prosseguiremos na tarefa de eliminar barreiras comerciais e buscaremos facilitar a harmonização de regulamentos técnicos, sempre em favor de mais comércio, em favor de nossos produtores e consumidores.
Esses são passos fundamentais para uma integração mais efetiva - e, também, para uma projeção mais competitiva do Mercosul na economia global. Diante das pressões protecionistas que perduram em diferentes quadrantes, a razão recomenda resistirmos ao isolamento, recomenda insistirmos nos processos de integração.
Com maior coesão, estamos mais bem posicionados para levar adiante nossas negociações com a União Europeia. Depois de muitos anos, temos, hoje, a perspectiva concreta de chegar a um entendimento com o lado europeu, um entendimento que seja equilibrado e mutuamente benéfico.
Com maior coesão, estamos também mais bem posicionados para novas rodadas negociadoras com a Associação Europeia de Livre Comércio (a EFTA, composta por Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein) e com a Índia. Mais bem posicionados para implementar nossas iniciativas com os países da Aliança do Pacífico, iniciativas que incluem a cooperação aduaneira e a aproximação entre nossas pequenas e médias empresas. Mais bem posicionados, enfim, para abrir ainda novas frentes de negociação para o Mercosul no mundo. Pretendemos aprofundar o diálogo com parceiros como o Canadá, o Japão, a Coreia do Sul, a Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).
A presidência brasileira estará especialmente atenta, ainda, para a situação na Venezuela. Coexistem hoje em nossa região governos de diferentes inclinações políticas. É natural e saudável que assim seja. O fundamental é que haja respeito mútuo, que sejamos capazes de nos mobilizar em função de objetivos básicos e, é claro, que se observe o primado do Estado democrático de Direito.
O Mercosul foi construído sobre o terreno fértil da integração econômica, sobre a rocha firme do apego às liberdades individuais. É sobre essas bases que já voltamos a trabalhar. E é sobre essas bases que atuará a presidência brasileira do bloco, em nome do projeto comum de desenvolvimento e democracia que é o Mercosul.
Michel Temer é presidente do Brasil