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A crise vista do Sul (Le Monde, 30/3/2009)
Diferentemente das crises dos últimos 15 anos - a asiática, a mexicana ou a russa - a atual tempestade que se abateu sobre o planeta teve sua origem no centro da economia mundial, nos Estados Unidos.
Depois de contagiar a Europa e o Japão, a crise se espalhou, ameaçando os países "emergentes", que vinham experimentando extraordinário crescimento e saudável equilíbrio macro-econômico.
Na América do Sul, os últimos dez anos foram marcados por forte processo de crescimento, com sensível melhoria social, sustentabilidade macro-econômica e redução da vulnerabilidade externa. Esse processo deu-se em um quadro de expansão e aprofundamento da democracia.
As aventuras de um capital financeiro descolado da produção, somadas à irresponsável desregulamentação dos mercados, conduziu o mundo a um impasse que nem mesmo seus causadores são hoje capazes de avaliar a profundidade.
A crise expôs os profundos equívocos de políticas econômicas apresentadas como infalíveis e a fragilidade dos organismos multilaterais de Bretton Woods. Mostrou a obsolescência dos instrumentos de governança global.
A elevação do G20 financeiro, antes um organismo técnico, à condição de instância de chefes de governo das principais economias do mundo, é positiva. É importante, no entanto, que ele possa produzir soluções capazes de reverter os efeitos devastadores da crise e apontar no médio e longo prazos para uma profunda reformulação da economia internacional.
As expectativas em relação à reunião do G20 em Londres não podem ser frustradas. São necessárias respostas que criem condições para o relançamento da economia.
No rol das problemas emergenciais vejo o restabelecimento do crédito e o combate ao protecionismo como temas centrais. A queda do comércio mundial e dos investimentos está ligada à escassez de liquidez no mundo. Ela penaliza os países emergentes. Cabe, assim, ao FMI irrigar a economia internacional, sobretudo os emergentes, para reverter, antes que seja tarde, a atual tendência recessiva.
Sei que não será fácil concluir a Rodada de Doha, que esteve prestes a ser concluída no ano passado. Em momentos de crise cresce o protecionismo, que eu tenho comparado a uma droga. Propicia euforia provisória mas, nos médio e longo prazos, acaba por produzir profunda depressão, com sinistras conseqüências sociais e políticas, como nos mostra a história do século XX.
Precisamos democratizar o FMI e o Banco Mundial Essas instituições, no passado pródigas em dar lições aos países pobres e em desenvolvimento, foram incapazes de prever e controlar a desordem financeira que se anunciava.
Outro tema central é o fim dos paraísos fiscais, essa eficiente retaguarda do narcotráfico, da corrupção, do crime organizado ou do terrorismo.
Desde quando os efeitos da crise se intensificaram, tenho mantido contatos com governantes de todo o mundo na busca de alternativas. Dessas conversas espero que sairá um conjunto de propostas capazes de dar uma resposta consistente à crise no G20 em Londres.
O Brasil fez nos últimos anos um enorme esforço de reconstrução econômica. Adotamos políticas contra-cíclicas que nos tornaram menos vulneráveis à crise. Nossos programas de transferência de renda, que beneficiam mais de 40 milhões de pessoas, se articulam com uma política de reforma agrária, salarial e de crédito que favorece os mais pobres e produziu uma considerável expansão do mercado interno.
O Plano de Aceleração do Crescimento investirá, até 2010, 270 bilhões de dólares na economia, revolucionando a infra-estrutura física, energética, e social do país.
Também contribuíram para o bom estado da economia brasileira nossas reservas cambiais, superiores a 200 bilhões de dólares. Somos internacionalmente credores líquidos. Nossa dívida pública representa 36% do PIB.
Nossos sistema bancário é sólido. Os bancos estatais, responsáveis por mais de 40% do crédito, asseguram ao Estado condições de regulação da economia e de indução do desenvolvimento.
Não me canso de repetir que é chegada a hora da política e de restabelecer o papel do Estado. Os governantes têm de assumir as responsabilidades que lhes conferiu a sociedade. É importante salvar bancos ou seguradoras, para proteger depósitos e a previdências social. Mas é mais importante proteger empregos e estimular a produção.
Mais do que uma grave crise econômica, estamos diante de um crise de civilização. Ela exigirá novos paradigmas, novos padrões de consumo e novas formas de organização da produção. Precisamos de uma sociedade onde homens e mulheres sejam sujeitos de sua história e não vítimas da irracionalidade que imperou nos últimos anos.