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EXCLUSIVO: o ministro Mauro Vieira fala sobre a relação com a China e o acordo Mercosul e União Europeia (Neofeed, 2/03/2023)
Em entrevista ao NeoFeed, o ministro das Relações Exteriores fala dos temas que Lula deve abordar em sua visita à China no fim de março e sobre a entrada do Brasil na OCDE
Monica Gugliano
Desde que assumiu o ministério das Relações Exteriores, Mauro Vieira tem tido uma agenda intensa de viagens. Em apenas dois meses no cargo, o novo chanceler já esteve ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em visitas oficiais para os países do Mercosul e aos Estados Unidos.
Nesta semana, Viera está em Nova Deli, na Índia, onde participa da reunião ministerial do G20. Lá, se encontrará, nesta quinta-feira, 2 de março, com o seu colega chinês Qin Gang para acertar a agenda de visita oficial do presidente Lula à China, o principal parceiro comercial brasileiro.
“A visita mandará um forte sinal político de retomada da parceria bilateral no nível mais alto, de onde nunca deveria ter saído”, diz Viera, ao NeoFeed. “Estamos reconstruindo pontes com o mundo. E a ponte com a China é muito importante.”
Embora não adiante a agenda, Vieira diz que Brasil e China tem interesses variados. Entre eles, o papel da China como investidor direto no País e, no plano diplomático, o diálogo sobre a questão da mudança climática e os desafios da guerra da Ucrânia.
Nesta entrevista exclusiva ao NeoFeed, o chanceler também aborda como o Brasil vai se posicionar entre EUA e China, que vivem, nos últimos anos, uma relação tumultuada e cheia de conflitos.
Vieira também fala sobre o acordo Mercosul e União Europeia, que não andou por questões relacionadas a agenda ambiental. De acordo com ele, o Brasil tem interesse em avançar nas negociações, mas avaliará quais serão as condições.
“Protecionismo disfarçado de preocupação ambiental não ajuda em nada e não será aceito. Este é um governo que tem claro compromisso com a questão ambiental”, afirma Vieira.
Sobre a entrada do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como o clube dos países ricos, Vieira dá uma resposta diplomática.
“Essa é uma negociação longa, que envolve mudanças legislativas e requer tempo”, afirma ele. E conclui: “Não é só o Brasil que tem a ganhar com o ingresso na OCDE, a organização também tem a ganhar com a participação brasileira como membro pleno.”
Confira os principais trechos da entrevista:
As relações entre Estados Unidos e China, os mais importantes parceiros do Brasil há bastante tempo, não passam por um bom momento. Como o Brasil vai transitar nesse cenário?
A resposta é simples: nossa bússola é o interesse nacional. A política externa brasileira tem uma tradição de qualidade e sempre soube transitar em meio a essas tensões. Para nós, não há nenhuma novidade. A política externa brasileira está voltando aos eixos, ao seu leito natural, de um ator relevante e equilibrado. Para isso, contamos com um forte apoio da diplomacia presidencial. Não haverá alinhamentos automáticos ou posições determinadas por simpatias ou antipatias ideológicas, que tanto prejuízo nos causaram em um passado recente, e que levaram a um nível de isolamento do Brasil que considero inédito. Essa triste página foi virada.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá à China em março?
Sim, o presidente visitará a China no final de março e vou tratar dos últimos detalhes dessa visita aqui em Nova Deli, em reunião bilateral com meu colega chinês, Qin Gang. Será nosso primeiro encontro, já que ambos assumimos os cargos recentemente. A exemplo do que aconteceu em Buenos Aires, Montevidéu e Washington, a visita mandará um forte sinal político, de retomada da parceria bilateral no nível mais alto, de onde nunca deveria ter saído. Como me encomendou o presidente Lula como primeira tarefa, no primeiro encontro que tivemos depois da minha nomeação para o cargo, em dezembro, estamos reconstruindo pontes com o mundo. E a ponte com a China é muito importante, em diferentes áreas.
“Estamos reconstruindo pontes com o mundo. E a ponte com a China é muito importante”
Quais temas serão tratados?
Vamos formatar a agenda aqui nesse encontro em Nova Deli, mas temos interesses variados, que vão além da condição da China como principal parceiro comercial do Brasil, já há uma década. O papel da China como investidor direto também vem crescendo em ritmo acelerado e, além disso, temos parcerias importantes em áreas que envolvem conhecimento e ciência e tecnologia. No plano diplomático, são dois países relevantes no mundo que voltam a dialogar de igual para igual sobre os grandes temas da agenda internacional. Entre eles, a questão da mudança climática, os desafios da guerra da Ucrânia e como superá-los para abrir um caminho de entendimento.
A União Europeia tem sido bastante dura quanto à necessidade de uma revisão do acordo comercial com o Mercosul que garanta compromissos mais rígidos com a proteção do meio ambiente. Os que já existem, estariam defasados. Como o senhor vê essa questão? Isso atrasaria muito o acordo?
Estamos aguardando uma posição oficial da União Europeia antes de levá-la para o debate no governo, para o setor privado e também para coordenar posições no Mercosul. O presidente Lula tem reafirmado seu interesse em avançar, mas isso vai depender também dessas posições da União Europeia. No que diz respeito ao Brasil, o que posso dizer é que é claro o compromisso brasileiro com as questões ambientais e com o combate à mudança climática. E não falo apenas de retórica, as ações do governo Lula na Amazônia, desde o primeiro dia da gestão, são concretas e já começaram a reverter a tragédia gerada pelo garimpo ilegal, por exemplo, cujos contornos tanto a opinião pública brasileira quanto a internacional conhecem hoje. É nosso compromisso público com a sociedade brasileira e com o mundo, o de combater a criminalidade ambiental e promover a sustentabilidade. E isso vem sendo feito.
Qual a estimativa de prejuízo às nossas exportações que pode estar sendo causado, por exemplo, pelo novo regulamento europeu que proíbe a entrada de commodities ligadas ao desmatamento, após 31 de dezembro de 2020?
Isso avaliaremos a partir das propostas concretas em debate e do nosso diálogo com o setor privado. É difícil fazer uma projeção a esta altura. Mas o que posso dizer agora é que esperamos da comunidade internacional engajamento na questão da Amazônia. E estamos abertos a isso, como mostram as conversas em torno da participação de novos países no Fundo Amazônia. Mas protecionismo disfarçado de preocupação ambiental não ajuda em nada e não será aceito. Este é um governo que tem claro compromisso com a questão ambiental, e as instituições democráticas brasileiras também têm esse compromisso, como demonstram decisões dos últimos anos tomadas pelo Poder Judiciário, em especial pelo STF.
O secretário John Kerry esteve no Brasil e tratou das “oportunidades para o Brasil e os EUA colaborarem no combate à crise climática, coibindo e revertendo o desmatamento, avançando na transição para a energia limpa e construindo uma bioeconomia forte”. Qual colaboração pode resultar dessa visita?
Não pude acompanhar a visita, porque estava em deslocamento para a Índia, onde estou participando da reunião ministerial do G20 e de uma série de encontros bilaterais. Sei que houve a continuidade, no nível técnico, das discussões iniciadas em Washington, no mês passado, pelos presidentes Lula e Biden. E esse é o caminho para avançarmos, em diversas áreas. O Brasil tem muitas boas práticas a compartilhar, e acolheu com interesse a manifestação do governo norte-americano de contribuir para o Fundo Amazônia. Nos próximos meses, vamos avançar nessas conversas, não somente com os Estados Unidos, mas também com outros países interessados. Com a Índia, temos uma recente, mas muito produtiva cooperação na área de biocombustíveis, por exemplo. E a Índia já incorporou a ideia de misturar etanol à gasolina, como fazemos há décadas no Brasil. É uma resposta eficaz e viável em matéria de emissões e de combate à poluição, que une agora nossos países.
O senhor acredita que é possível retomar o protagonismo do Mercosul, considerando movimentos como o do Uruguai, que está tentando fechar um acordo direto com a China?
É importante que o Mercosul continue a negociar como bloco. Esse é um dos pilares do Tratado de Assunção, como ficou claro na visita do presidente Lula a Montevidéu e nas conversas com o presidente Lacalle Pou. E também ficou claro que o passo prioritário no momento é o de concluir a negociação com a União Europeia, antes de que possamos dar início a uma negociação, como bloco, com a China e com outros parceiros relevantes que têm interesse em acordos com o Mercosul.
O governo anterior dedicou muito empenho à entrada do Brasil na OCDE. Como estamos agora?
O processo negociador de acessão, aberto no ano passado, é a novidade e terá continuidade, mas essa é uma negociação longa, que envolve mudanças legislativas e requer tempo de negociação. Costa Rica e Colômbia, países da região que ingressaram recentemente na organização, demoraram cerca de sete anos nesse processo negociador. Estamos avaliando os passos a seguir, mas é importante dizer também que a colaboração entre o Brasil e a OCDE é histórica, e vem se estreitando nos últimos anos, como um processo natural, dada a relevância do País no mundo. Não é só o Brasil que tem a ganhar com o ingresso na OCDE, a organização também tem a ganhar com a participação brasileira como membro pleno.
O governo brasileiro pretende retomar alguns temas dos mandatos anteriores do presidente, como o empenho por um assento no Conselho de Segurança da ONU?
Essa posição já foi reiterada por nós e pelo presidente Lula desde a posse: a ordem internacional de 1945 precisa ser reformada, sem mais demora. E não se trata apenas da ONU e do Conselho de Segurança. Inclusive esforços multilaterais mais recentes na história, como os que levaram à criação da Organização Mundial de Comércio, enfrentam grandes dificuldades. A OMC está virtualmente paralisada, e é urgente revitalizá-la.
Quais as chances que existem de o Brasil conseguir reunir apoio para a proposta de negociar um acordo de paz, com um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia. Outros interlocutores, como a China, que manifestaram interesse nesse papel não despertaram muito entusiasmo.
Nossa atitude, como um governo que acaba de tomar posse, e diante de um conflito dessa dimensão, que acaba de completar um ano, é a de buscar o diálogo entre países que desejem explorar novos caminhos para a paz. Não ignoramos que outros caminhos foram tentados. E, por isso, estou tratando de ouvir muito, e de entender as posições das partes em conflito. A condenação à invasão, pelo Brasil, é clara, mas é preciso falar de paz, como tem dito o presidente Lula. E o que tenho sentido, nos meus contatos com chanceleres e com chefes de Estado e de Governo, é que há respeito e interesse pela participação brasileira nesse processo.
Esse é um trabalho para vários países, e vamos buscar aproximar posições para que um grupo de países possa falar em paz a partir de propostas concretas. Não cabia a um governo novo, como o nosso, chegar para os demais com uma proposta pronta e acabada. Essa atitude de abrir diálogo foi a mais indicada, e vamos concluir essa primeira rodada de contatos no nível ministerial aqui em Nova Deli, na reunião do G20, e também na visita presidencial à China.
O presidente Lula tem dito a frase “o Brasil voltou”. Dois meses depois de assumir o cargo, como avalia o trabalho de refazer pontes?
Refazer pontes dá muito trabalho, e não é um fim em si mesmo, tem um propósito: o de criar condições para que a política externa volte a contribuir para a projeção internacional e para o desenvolvimento do Brasil, com a atração de parcerias, de novos projetos e de investimentos.