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Notícias
Entrevistadores: Beto Almeida, Carlos Setti, Mylton Severiano
O chanceler Celso Amorim recebeu Caros Amigos em seu gabinete, no primeiro andar do Palácio do Itamaraty. Há sete anos ele comanda a política exterior que pôs o Brasil em evidência no cenário mundial, mérito que ele diplomaticamente divide com "o aprofundamento da democracia, da estabilidade, do crescimento". De forma igualmente diplomática, renovou a condenação a Israel pela agressão a Gaza e defendeu a posição de Lula em sua "opção preferencial pelos pobres".
"Solidariedade é a melhor forma de defender o interesse nacional"
MYLTON SEVERIANO Ministro, as oposições carimbam o governo como continuação do que vinha, ou principalmente como a mesma coisa. Na sua área, qual a diferença entre o que vinha e o atual governo?
Bem, vamos começar pelos resultados. Basta olhar a presença que o Brasil tem hoje no mundo pra ver as diferenças. Claro que se deve a um aprofundamento da democracia, à estabilidade, ao crescimento, mas também à ação diplomática. E essa ação se caracterizou primeiro por não ficar sempre olhando num único eixo, Estados Unidos ou União Européia, que são importantes, continuamos a trabalhar - aliás, nesse governo é que se fez a parceria estratégica entre Brasil e União Européia. Mas passamos a ter visão mais ampla. A dar ênfase não apenas no discurso, mas nas ações, à América Latina. A reabrir diálogo com a África, os países árabes, alguns outros grandes em desenvolvimento, como Índia e China. E isso teve resultados. Cerca de 57% de nossas exportações vão para países em desenvolvimento, quando era quase o contrário. Até pior. E fizemos isso com comércio crescente. Então temos uma inserção internacional que até nos credencia mais no diálogo com os países também ricos. Até neste momento, em que o presidente Obama toma posse, e em que obviamente a relação com os Estados Unidos volta ao centro das discussões, vejo o interesse já demonstrado por várias declarações, sinais ao Brasil. E creio que isso tem muito a ver com nossa política independente, não-confrontacionista, ao mesmo tempo sem pedir licença para fazer as coisas.
Muitas coisas que o Brasil fez acabaram sendo seguidas. O presidente esteve na Síria e na Líbia. Foi criticado, sobretudo pela mídia brasileira. Aliás, unicamente pela mídia brasileira. Até como se fosse uma heresia por causa da Líbia - uns quatro meses depois foi o Aznar, depois foi o Tony Blair. A própria secretária de Estado americana nunca chegou a ir, mas me lembro de uma conversa que tive com ela. Nós estávamos na Granja do Torto. Falei: "Vou te contar uma história de um lugar onde você provavelmente não vai, a tenda do Khadafi." "Ah, posso ir lá antes do que você pensa." Na realidade não foi, mas isso mostra a distensão da relação entre eles. E a Síria, sempre achamos que, além do interesse do Brasil, há os laços humanos, sempre achamos que a Síria era um interlocutor importante no Oriente Médio.
MYLTON SEVERIANO Nunca tínhamos ido lá?
Creio que não, o presidente não. Mas digo, criticaram a Síria e a Líbia. E a Síria agora você vê: todos estão indo, porque sabem que não precisa concordar com o outro lado para ter um diálogo. Claro que a América do Sul sempre fez parte das nossas prioridades. A questão é da ênfase, da determinação. Então, o presidente Lula recebeu todos os presidentes da América do Sul no primeiro ano de mandato, e visitou todos os países, pelo menos uma vez e em alguns mais de uma vez, em dois anos de mandato. Além das iniciativas para reforçar o Mercosul, criar o Fundo de Compensação, para a iniciativa que resultou na Unasul. Isso é politicamente importante, reconhecido por todos, e também comercialmente, esses países compram do Brasil, e compram manufaturas, e tem muitos investimentos brasileiros lá. Então já estou apontando uma grande diferença, que muitas vezes não é apenas no discurso...
MYLTON SEVERIANO Na atitude.
Atitude. Tivemos excelente relação com os Estados Unidos, mas não deixamos de criticar, com veemência inclusive, a invasão do Iraque. Não ficamos pedindo licença também quando o presidente foi à Síria a primeira vez e depois eu fui. Pro Irã, nós não ficamos pedindo licença a ninguém pra fazer...
MYLTON SEVERIANO Mas existia antes uma espécie de pedido de licença?
Pedido, não: as pessoas procuram ler os sinais. Muitas vezes a autocensura é pior do que a censura.
BETO ALMEIDA Um sinal é quando um chanceler tira o sapato ao entrar na alfândega americana.
Não vou comentar meu antecessor. Tenho intelectualmente respeito por ele, embora discordemos sobre muitas coisas.
CARLOS SETTI Essas mudanças apontadas são em função apenas de uma política de governo, ou porque o Brasil passou a ser um ator importante no cenário internacional?
As duas coisas. Consolidação da democracia, estabilidade, crescimento, programas sociais do presidente Lula, tudo isso nos valoriza.
CARLOS SETTI E são além-fronteiras.
Na Venezuela, na Bolívia, China têm interesse em colaborar. Mas diria que além dessa consolidação você tem que ter uma atitude mais desassombrada. Fui ministro antes, do governo Itamar, fizemos uma política externa correta. O comentário que se fazia (o governo Itamar durou dois anos e meio e só fiquei um ano e meio como ministro), não sobre aquele governo, mas em geral sobre o Brasil: que o Brasil não está jogando na liga dele, joga numa liga abaixo. Por quê? Porque tínhamos sido tímidos. Veja, agora mesmo fui ao Oriente Médio, e todos os ex-ministros se dedicaram a criticar como se estivesse indo além dos tamancos. Quando a maneira como o ministro das Relações Exteriores do Brasil foi recebido demonstra que, ao contrário, todos têm o maior interesse. Inclusive enquanto eu estava no Oriente Médio, ministros de outros países me ligaram, por interesse, entre outros o responsável pelas relações exteriores da Europa, Javier Solana. Estive em cinco países, todas as pessoas que eu quis ver eu vi, e algumas que eu não havia nem pedido, e não são pessoas fáceis, como o presidente Mubarak, do Egito. E todos eles dão enorme valor a isso. Isso mostra uma visão acanhada do Brasil nas críticas.
MYLTON SEVERIANO As críticas em si?
As críticas. Uma visão de quem não acredita na nossa capacidade. No fundo, não quero falar especificamente dos ministros, respeito que estejam fazendo isso com independência de pensamento, mas essa visão, mesmo inconscientemente, acaba servindo aos interesses da dependência.
CARLOS SETTI A manutenção da dependência.
Muitas vezes me perguntei: vou voltar ao Oriente Médio, gente, todo o mundo está ganhando, estamos aumentando o comércio com a África, América Latina, com os árabes e a Ásia. Também estamos aumentando com os Estados Unidos e a Europa. Está todo o mundo ganhando. Por que criticam? É porque há interesses investidos na dependência do Brasil. Não querem a diversificação, preferem a dependência, porque ganham com essa dependência. Não é o exportador desse ou daquele produto que ganha com a dependência, mas há um grupo de intermediários (isso é uma coisa sociologicamente importante) que ganha com a dependência.
CARLOS SETTI E a crise no Oriente Médio?
Eu diria o seguinte. Todas as pessoas com quem falei, não houve uma que não me ligasse de volta. Acabei de receber o telefonema do ministro britânico, David Milliband. Teve papel importante na aprovação do cessar-fogo, "olha, foi muito importante você ter ido". O Brasil tem possibilidades de falar com vários atores, de maneira que outros não têm. Falei da Síria, porque acho um exemplo importante no contexto do Oriente Médio. Acho, sinceramente, que o presidente da Síria pode falar alguma coisa ao Brasil porque tem confiança, talvez não falaria para um ministro ocidental. Por quê? Porque o Brasil não tem um passado colonial. O Brasil é exemplo de convívio interno entre judeus e árabes. Temos boas relações com Israel também. Não ficamos marcados pelos conflitos da Guerra Fria. Então há uma disposição. E eu senti isso, tanto nos países árabes quanto em Israel. Quando o Brasil fez aqui aquela cúpula, dois ou três meses depois fui recebido em Israel pelo ministro Sharon. Terminamos a entrevista, ficamos mostrando fotografias de netos e coisas do género. Então, não vejo dificuldade, e o Brasil se credencia como interlocutor. Claro que não é o Brasil sozinho que vai dar uma solução, mas o somatório tem importância. Tive a chance de dizer coisas à chanceler de Israel que acho que se somam a outras, e dizer num espírito de amizade.
CARLOS SETTI O quê?
Disse várias coisas. Israel pode achar que está destruindo o Hamas, mas na realidade está minando a própria credibilidade da Autoridade Palestina. Está tornando mais difícil a vida dos líderes considerados moderados. E transmiti também a ela a dificuldade, mesmo para países que têm boa relação com Israel, de defender. A gente defende Israel, mas chega um ponto... Defendemos dois Estados, vivendo lado a lado em segurança, mas Israel tem que nos ajudar pra que as posições radicais não prevaleçam. E ela própria disse uma coisa interessante: "Eu sei que nós temos que ajudar os nossos amigos a nos ajudar." Mas o Brasil se tornou um ponto de confluência diplomático. As pessoas vêm ao Brasil, procuram o Brasil.
CARLOS SETTI O senhor esteve no Irã, essas relações, sobretudo na questão nuclear, é possível ver pela imprensa posições dos organismos internacionais levantando algum tipo de intenção de tutela sobre o programa nuclear brasileiro.
Vamos distinguir. Sobre o programa nuclear brasileiro não pode pairar nenhuma dúvida. O próprio porta-voz da Casa Branca disse há uns dois anos, quando alguém fez essa comparação: "A diferença é a confiança." Então no caso do Brasil não pode haver nenhuma dúvida. Vez por outra sempre surge alguém precisando de uma causa pra defender, como quando falam que precisa internacionalizar a Amazônia.
CARLOS SETTI E a Defesa lançou uma nota recentemente, comentando...
Mas não creio que haja um movimento internacional que nos ameace, é claríssimo que nosso programa nuclear é de finalidade pacífica. Agora, o Irã. É um país sobre o qual o Brasil não pode ficar indiferente. Primeiro porque é um grande mercado. Esse ano caiu um pouco. No ano passado comprou quase dois bilhões de dólares do Brasil e não vendeu, praticamente nada, o petróleo que produzem não é exatamente o que a gente compra.
MYLTON SEVERIANO O quê eles compram?
Tudo. Dois bilhões de dólares é muita coisa. Mas frangos, carnes, é um item forte. Temos que manter relações. Concorda-mos com tudo que os líderes iranianos dizem ou fazem? Não. É um país importante, setenta milhões de habitantes, uma cultura milenar. Eu fui lá. Muitos Estados que gozam das bênçãos das grandes potências não têm o dinamismo interno do Irá. Eu vi a irritação quando o segurança queria tirar o cidadão do lugar pra fazer passar um ministro estrangeiro. Eu vi muitas mulheres, ao contrário de outros países, dirigindo automóveis. Não vou dizer que lá é perfeito. Liberdade religiosa, temos feito algumas críticas. Agora, não chegamos ao ponto de condenar o Irã. Tem que ter o diálogo. Voltando à questão da não-proliferacão. O Brasil é contra a proliferação. Agora, é preciso distinguir a questão da não-proliferação nuclear da questão do direito ao desenvolvimento da tecnologia nuclear para fins pacíficos. Como se chega a uma normalização? Por exemplo: o Conselho de Segurança adotou sanções contra o Irã, e nós não somos favoráveis, mas uma vez que o Conselho de Segurança adotou, nós seguimos. Agora, nós não seguimos sanções unilaterais.
CARLOS SETTI É inevitável falar de Barack Obama, representa uma mudança. O que o senhor acha que isso representa para o Brasil e para o mundo?
É um grande sinal de mudança, de que os Estados Unidos são um país aberto à mudança, aliás é uma semelhança com o Brasil. Pra minha geração, que já era adulta quando da morte do Martin Luther King, é até espetacular. Acaba se refletindo nas relações com o Brasil, eu vejo no Obama, até no discurso, eu salientaria dois aspectos positivos. Primeiro, a ênfase no multilateralismo. Ele disse que os estados Unidos têm muito poder, mas isso não quer dizer que estejam no direito de fazer o que querem. Muito interessante essa compreensão.
MYLTON SEVERIANO Dizendo explicitamente.
No discurso de posse, importante. Segundo, acho interessante e tem uma afinidade com o pensamento do presidente Lula, ele diz que nós, que temos prosperidade (ainda que outros tenham prosperidade relativa), não podemos nos fechar aos mais pobres. Esse pensamento é o que o presidente Lula exprime, exprimiu em relação à América do Sul, quando esteve na Bolívia, e tem expressado também em relação à África.
MYLTON SEVERIANO O ponto de convergência também quando ele diz que a esperança venceu o medo.
Pois é, a mesma frase.
MYLTON SEVERIANO Li o artigo de um brasileiro, fazendo uma crítica pela esquerda, de que o Brasil está assumindo um papel subimperialista na América do Sul, citando casos como da Bolívia, da Odebrecht no Equador, do Paraguai.
Mas subimperialista por quê? Até se fosse imperialista eu não concordaria, dava para entender, mas nós estamos defendendo interesses brasileiros. Nossa atitude é aberta. E veja, os próprios bolivianos disseram que nunca tiveram relação tão boa com o Brasil. Agora, não quer dizer que você vá fazer tudo que eles querem. Nem tudo que o Paraguai quer. Nem pode permitir, como no caso do Equador, que uma decisão tão delicada - não vou nem questionar o mérito último, mas questiono tenha sido tomada de maneira tão abrupta. E sem nunca ter havido uma conversa, anuncia como vitória que vai levar para a corte, cessar os pagamentos. O Equador, a posição básica não mudou, continua na corte, mas os pagamentos continuam sendo feitos. Então, vamos levando, são águas passadas.
BETO ALMEIDA Como vai ficar a questão de Itaipu?
Temos que discutir, entender que esses países têm reivindicações que muitas vezes se dirigem contra as elites econômicas desses países e isso acaba se refletindo no Brasil, com tratados assinados em outras épocas. Temos que levar isso em conta, preservan-do o interesse fundamental do Brasil. Agora, tendo um pouco de compreensão. Porque aí sim, nós adotaríamos uma posição imperialista. Seria um tiro no pé. Com relação à posição do Brasil no mundo, essas pessoas todas que são críticas olham muito pelo lado comercial. Tudo bem, acho importante. Mas acho que há vida além do comércio.
BETO ALMEIDA Foi necessário um presidente que não lê espanhol para que o Brasil tornasse obrigatório o ensino do idioma, como é que isso se inscreve à margem da discussão comercial?
O Lula é um homem muito inteligente. Tem uma enorme percepção para a importância dos valores culturais. Valoriza a parte intelectual dos intercâmbios culturais, científicos. O número de universidades que ele tem patrocinado, a criação de escolas. Sempre, até durante a campanha, vai aos intelectuais.
CARLOS SETTI A crítica à esquerda preocupa?
Não. Ela apenas ilustra que nossa política é baseada no interesse brasileiro, certa vi-são também de princípios como solidariedade, mas não pautada por visões ideológicas rígidas. O próprio presidente é um homem que tem o coração aberto para o povo, para os pobres. O Obama, por uma vivência mais próxima da pobreza mesmo. Interessante, ele não só é um negro, como passou parte da infância num país em desenvolvimento, a Indonésia, que também dará a ele uma percepção importante das relações internacionais. O presidente Lula é aberto para isso, como a Igreja dizia, opção preferencial pelos pobres, mas ao mesmo tempo é pragmático. Uma vez perguntaram a ele se era marxista-leninista, ele disse "eu sou torneiro mecânico". A historinha faz muito sucesso entre meus inter-locutores internacionais.
MYLTON SEVERIANO No caso da agressão de Israel a Gaza, claro que não íamos fazer como Chávez e o Evo, que expulsaram os embaixadores israelenses, mas nossa posição não poderia ter sido um pouco mais firme na condenação?
Nossas notas são muito claras, inclusive seguem uma evolução. Na primeira, come-çaram os ataques, nós criticamos. Também havíamos criticado os ataques do Hamas, mas a partir do segundo episódio, quando começaram aquelas mortes mais evidentes, notas muito claras. Inclusive quando houve o bombardeio que atingiu um prédio da ONU nós convocamos o embaixador aqui para dizer que era inaceitável. Mas o Brasil não quer perder a interlocução. Se você der vazão a todas as emoções, você se incapacita para o exercício da diplomacia.
BETO ALMEIDA E a questão do etanol, agora, com o Obama?
No próprio telefonema com o presidente Lula ele disse que o Brasil era um modelo de campo energético limpo. Ê uma área em que temos que fazer muitos acordos.
MYLTON SEVERIANO E Cuba diante do novo presidente americano?
É a oportunidade para os EUA mostrar que têm uma política nova. Ouvimos o Raul Castro dizer, aqui no Brasil, que estaria disposto a conversar com o presidente Obama, onde quer que seja. Até comentei "acho que o Brasil seria um bom lugar". Logicamente que não acontece da noite para o dia, e às vezes é até bom.
MYLTON SEVERIANO Ministro, qual foi seu momento mais difícil e qual o de maior gratificação de sete anos para cá?
Olha, é difícil escolher um só. Por exemplo, quando assinamos aqui o tratado da Unasul, tínhamos a consciência que estávamos fazendo uma coisa histórica. Aquilo dependeu de passos anteriores, acordo de livre comércio entre a comunidade andina, Mercosul, muitas coisas. Foi uma coisa muito importante. Agora, houve outros momentos. A cúpula de Sauípe no final do ano [2008], reunindo pela primeira vez em 200 anos de vida independente todos os países da América Latina e do Caribe. Uma coisa extraordinária!
CARLOS SETTI Convocação brasileira.
Convite brasileiro. Acho excelente a par-ticipação de Cuba, ajudou na confecção de documentos, uma voz moderada em alguns momentos. O México teve participação muito positiva, está começando também a perceber que, claro, ter boas relações com os EUA é ótimo. Mas tem que ter um equilíbrio. Não só político, mas também econômico. Então acho que estamos em bom caminho. Agora, sem um Mercosul consolidado e sem uma Unasul, você não teria tudo isso.
O momento mais difícil foi em julho, nas negociações da OMC, não foram adiante. Deixamos de concluir uma rodada por coi-sas muito pequenas. Faltou ousadia.
MYLTON SEVERIANO De quem?
Ah, de vários, mas a maior potência do mundo deveria dar o exemplo. Mas tive outros momentos que, já que vocês são da mídia, me incomodaram pessoalmente. Um deles foi quando teve aquele brasileiro no Iraque que, infelizmente, estava morto, recuperamos o corpo [havia sido sequestrado]. Vim para cá para tratar, sábado e domingo, e eu vi a mídia querendo aproveitar um episódio de profunda dor humana para querer criticar a política externa, o governo, eu falei "puxa vida, isso não é legal".
MYLTON SEVERIANO Mas qual o viés?
Era para criticar, "não estão dando proteção", ou "está protegendo a empresa". Senti quase que, digamos, o urubu procurando carniça. Aquilo realmente me incomodou. Deveríamos estar todos juntos para resolver. Nós fizemos tudo que era possível, a família reconheceu, sobretudo o pai. Eu menciono como um momento que não era político, e você fica meio constrangido com a alma humana.
CARLOS SETTI O senhor é um dos poucos ministros que estão desde o primeiro dia. Não é uma gratificação?
Eu fico muito feliz. É uma grande honra. Quando o presidente Lula me convidou, do ponto de vista emocional, é o momento mais importante da minha vida.
CARLOS SETTI Quando o senhor diz que prefere ser atacado pela direita, está dizendo que não há uma afinidade ideológica...
Eu nunca fui membro do PT, mas as lutas do PT, por um Brasil mais democrático, no aprofundamento da reforma social, a possibilidade de uma política externa altiva e ativa, é algo ex-tremamente importante. E o convívio com o presidente Lula é enriquecedor, gratificante, um ho-mem que além de tudo tem uma grande com-preensão humana.
CARLOS SETTI Se os outros crescerem, nós...
Não é que vi crescer, a gente vai vender, mas se amanhã você tiver que abrir mão de uma coisinha, para poder permitir que um país vizinho, irmão, olhe o Brasil como irmão, muitas coisas são responsáveis pelo novo papel do Brasil no exterior. No mundo, vamos dizer. Para o crescimento, aprofundamento da democracia, o governo Lula, o social, o combate à fome e etc. Tudo isso é admirado no mun-do inteiro. Mas você ter uma região pacifica e contribuir para que ela continue pacifica, isso também nos ajudou muito.
CARLOS SETTI A pretensão do Brasil de fazer parte permanente do conselho de segurança da ONU continua sendo uma prioridade?
Diria que não é um objetivo exclusivo, ou que deva se sobrepor a outros. Mas acho que a reforma no conselho de segurança, honestamente, é uma necessidade do próprio sistema internacional. Cadê a credibilidade desse conselho? Tem que ter legitimidade internacional. A presença de um país como o Brasil, como a Índia, países africa-nos, ajuda essa legitimidade.
MYLTON SEVERIANO Nós não falamos do Chávez. Parece que o Lula tinha uma grande aproximação com ele...
Mas continua tendo, encontra a cada três meses, oficialmente. O comércio com a Venezuela flui de forma espetacular, ao mesmo tempo o Brasil ajuda no desenvolvimento da Venezuela com a instalação da Embrapa, com o escritório da ABDI (agência de desen-volvimento industrial). Nunca ninguém pensou em ajudar a Venezuela. Era um país que ganhava o dinheiro do petróleo, ficava com uma elite e o povo passando fome, nunca criava um desenvolvimento autónomo. A Venezuela tem que ter seu próprio desenvolvimento, não pode depender só do petróleo.
As pessoas acham erradamente que solidariedade e defesa do interesse nacional são contraditórios. Não são. A solidariedade é a melhor forma de você defender o interesse nacional no longo prazo. De maneira saudável. É isso que tem regido a política externa brasileira.