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Heródoto: Nosso convidado hoje é o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que está aqui conosco. Bom dia, Ministro.
Ministro Celso Amorim: Bom dia.
Heródoto: Ministro, qual é a contribuição que o Brasil está dando para que a Bolívia possa solucionar essa crise interna e essa ameaça de separação da região de Santa Cruz?
Amorim: A contribuição maior que podemos dar éprocurar restabelecer o diálogo. Criar um clima de confiança para que haja diálogo entre o governo e a oposição. Nesse momento mesmo em que estamos falando, nosso Embaixador está reunido com alguns "prefectos", que são governadores departamentais, de algumas dessas
províncias que, justamente, estão planejando referendos.
Passei o fim de semana em La Paz e em Santa Cruz também com este objetivo. Isso no contexto de um grupo de países amigos, que foi inicialmente selecionado pelo próprio governo - mas também aceito pela oposição - que inclui Brasil, Argentina e Colômbia.
Heródoto: Ministro Celso Amorim, como conciliar, haja vista que também no dia 4 de maio vai haver o referendo sobre a nova Constituição da Bolívia, que não é aceita por esses departamentos?
Amorim: Acho que aí há um pequeno equívoco. Não está programado um referendo sobre a nova Constituição da Bolívia. O projeto aprovado na Assembléia Constituinte - sobre o qual também existem discussões, de qualquer maneira - tem que ir a referendo. Mas não há referendo marcado. O único referendo marcado, em 4 de maio, creio, é o de Santa Cruz. Algumas províncias estão marcando para junho. Há uma variação de datas, mas o primeiro é o de Santa Cruz. Provavelmente, como seria o primeiro, em uma província muito importante, teria influência.
Mas a busca dessa conciliação de que você está falando é justamente o grande desafio. Por isso é que temos procurado conversar com as duas partes, para que haja um diálogo sem condições, em que todos os aspectos, inclusive os mais difíceis, estejam sobre a mesa. E que seja um diálogo em que haja presença desses países amigos, e da Igreja, para dar, digamos assim, confiabilidade maior e tranqüilizar as partes, no sentido de que aquilo que for ofertado será cumprido.
Heródoto: Ministro Celso Amorim, há alguma preocupação especial do Brasil, aliás recentemente o próprio Presidente Evo Morales disse aqui na CBN, a respeito da presença de brasileiros naquela faixa de fronteira de 50 quilômetros com a Bolívia, estão lá estabelecidos e muitos deles são plantadores de soja. Há uma preocupação especial em relação a esses produtores estabelecidos?
Amorim: Claro que sempre há. Seguimos com preocupação. Diria que a maior parte dos plantadores de soja não está propriamente na faixa de fronteira, os maiores produtores. Os que estão na faixa de fronteira são, em geral, não necessariamente todos, mas em geral, pequenos lavradores que acabaram entrando pela questão de coleta de produtos florestais e acabaram se estabelecendo. A Bolívia tem leis, como outros países, que não permitem que estrangeiros tenham terras nas áreas de fronteira. Mas, obviamente, queremos que isso seja resolvido de maneira pacífica, humanitária, que atenda aos interesses também dos nossos agricultores.
Isso tem que se resolver pelo diálogo. É o que temos mantido. E o que temos sentido do governo boliviano é o desejo de cooperar. Estamos trabalhando para encontrar a solução para estas questões. Também temos que nos basear naquilo que o governo e que o próprio Presidente Evo Morales disse ao Presidente Lula, e disse a mim também, em várias ocasiões: os proprietários produtivos não têm com o que se preocupar.
Heródoto: Ministro Celso Amorim, nessa reportagem com o Presidente Evo Morales nós ouvimos também o ex-Presidente Carlos Mesa, que foi presidente de 2002 até 2005 na Bolívia.
Amorim: Até 2004 mais ou menos.
Heródoto: O ex-presidente Mesa disse o seguinte: que em nenhum momento ocorreu um processo de nacionalização do petróleo, haja vista que as concessões que foram outorgadas a empresas estrangeiras, entre elas a Petrobras, não foram nem nacionalizadas, nem mexidas pelo governo. Isto é fato?
Amorim: Olha, na realidade houve um plebiscito sobre a nacionalização. As jazidas sempre foram propriedade do governo boliviano, o que é obvio. O que está no subsolo, como qualquer constituição e a nossa. A questão era, digamos, uma vez extraído o petróleo, a quem ele pertencia. O referendo sobre a nacionalização se realizou ainda sob o governo do presidente Mesa e isso levou a uma revisão dos contratos. Foi isso que foi discutido ao longo de 2006. Chegou-se a uma solução adequada, que permite a rentabilidade mínima, a viabilidade econômica do projeto, e depois houve também um processo de nacionalização das refinarias, que foi a última coisa discutida.
O que acho é que, de modo geral, as soluções têm sido satisfatórias. A Bolívia precisa do Brasil como mercado. O Brasil precisa, talvez numa proporção menor, mas também precisa da Bolívia. E temos procurado resolver as coisas amistosamente. Deixando de lado certos exageros que, muitas vezes, têm objetivos retóricos de política interna, vamos olhar a situação como ela está. Quer dizer, se olharmos esses exageros, eles foram muito maiores há dois anos atrás do que agora. As conversas continuam de maneira muito mais profissional e direta, graças, também, a uma atitude nossa de não deixar que isso se exacerbasse.
Heródoto: Ministro Celso Amorim: setores da oposição boliviana não receberam bem a presença do Brasil dizendo que o Brasil opta por Evo Morales. Isso procede?
Amorim: Olha, primeiro o Brasil tem uma política de estado. O Brasil teve boas relações com o governo do Sanchez - independentemente de afinidades - tivemos uma boa relação com o governo do Sanchez Lozada, que foi o primeiro que nós encontramos; tivemos com Mesa; depois com o presidente interino que durou pouco; e temos com o Presidente Evo Morales. Acho que essas manifestações podem ter partido de algum outro grupo. Veja bem, fui agora recebido pelo governo, tive encontros com todos os líderes da oposição que estão em La Paz e quando fui a Santa Cruz, tanto o governador " o "prefeito" como eles chamam " quanto o líder desses movimentos foram ao aeroporto para me ver, por duas horas. Quer dizer, se eles não achassem que o Brasil é um país que tem confiabilidade, para que esse esforço?
Não, não creio. Acho que essas coisas aparecem. Não podemos nos guiar demais pelas coisas que as pessoas às vezes falam para a mídia, por outros objetivos, para consolidar suas próprias lideranças. Acho que o Brasil, como, aliás, a Argentina e a Colômbia, são países que têm políticas e interesses permanentes na estabilidade da Bolívia e todos compreendem isso.
Heródoto: Ministro, muito obrigado aqui pela entrevista.
Amorim: Obrigado, Heródoto.
Heródoto: Obrigado. Ministro Celso Amorim, Ministro das Relações Exteriores do Brasil, conversando um pouco conosco a respeito do relacionamento do Brasil com a Bolívia e da estabilidade política do país vizinho.