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Discurso do Ministro Mauro Vieira no Conselho de Segurança da ONU acerca da situação na Palestina — Nova York, 18 de abril de 2024
Senhor Presidente,
Prezados colegas,
Agradeço ao Secretário-Geral por seu detalhado briefing sobre a situação em Gaza, que continua profundamente inquietante.
No instante em que nos reunimos novamente para abordar o prolongado conflito israelo-palestino, devemos confrontar a escalada da violência em Gaza e além, bem como a catástrofe humanitária que continua a se desdobrar sem interrupção na Faixa de Gaza.
Devemos atender ao apelo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e recusar-nos a permanecer indiferentes diante da tragédia humana. Tal sofrimento nunca pode ser aceito como normal.
Senhor Presidente,
Uma guerra regional generalizada e catastrófica no Oriente Médio não é do interesse de ninguém.
Durante o fim de semana, enquanto o mundo testemunhava com inquietação a possibilidade concreta do alastramento do conflito no Oriente Médio, muitos pensamentos terríveis passaram por nossas mentes: a destruição potencial de vários países da região, as mortes de milhares de pessoas inocentes, e as consequências sociais e econômicas da intensificação das hostilidades para o mundo inteiro.
Nos últimos seis meses, essa agonia tem se repetido.
Assistimos com incredulidade ao ataque de 7 de outubro, que ceifou a vida de muitas pessoas inocentes em Israel. Ainda lamentamos a perda de cidadãos israelo-brasileiros, vítimas dos ataques terroristas. E ainda nos preocupamos com aqueles, incluindo um nacional brasileiro, mantidos como reféns pelo Hamas.
Desde então, também temos assistido com grande angústia à destruição sem precedentes de quase toda a região de Gaza em um período muito curto de tempo – de escolas a hospitais, de mesquitas e igrejas a cemitérios, de abrigos a comboios de ajuda.
Ficamos consternados com a avaliação da Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) de que o nível de insegurança alimentar ao qual a população em Gaza está sujeita é o mais alto que a entidade registrou para qualquer área ou país do mundo.
Temos observado um número chocante e desproporcional de vítimas civis em Gaza, que hoje totaliza mais de 33.000 pessoas, incluindo 14.500 crianças.
Temos observado com desânimo o destino de 2,2 milhões de pessoas deslocadas, em meio ao colapso dos serviços essenciais, incluindo os serviços de saúde, e a destruição completa de infraestrutura fundamental.
Testemunhamos o assassinato injustificável de funcionários da ONU, profissionais da mídia e trabalhadores humanitários.
Em suma, assistimos com indignação ao frequente ataque aos princípios básicos do direito internacional em vários países da região.
Senhor Presidente,
Este Conselho de Segurança tem a obrigação moral e legal de deter este derramamento de sangue e impedir que o Oriente Médio mergulhe em uma agitação social generalizada, instabilidade política e uma guerra com consequências imprevisíveis para o mundo.
A palavra-chave aqui é: desescalada.
Senhor Presidente,
Um compromisso credível com a desescalada exige o fim imediato das hostilidades em Gaza, a libertação incondicional de reféns, ajuda humanitária sustentável aos habitantes de Gaza e ações que promovam o diálogo - e não mais confronto.
O estabelecimento imediato de um cessar-fogo permanente para estabilizar a situação em Gaza e na região, bem como para evitar a perda de vidas civis inocentes, não pode mais ser adiado devido a uma lógica de guerra.
A lógica da guerra nos levou à beira da escalada regional e da guerra generalizada.
Senhor Presidente,
A escalada dos eventos nas últimas semanas enviou a todos nós um lembrete importante: um mundo sem regras ou com regras que escolhemos a nosso bel-prazer é um mundo muito mais perigoso.
O que é do interesse de todos é que todos os Estados adiram plenamente aos princípios do Direito Internacional, incluindo o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Portanto, apelamos a todas as partes e atores relevantes do Oriente Médio para cumprirem plenamente suas obrigações internacionais, incluindo o respeito à soberania, à integridade territorial e à independência política de cada Estado na área.
O Brasil também apela a todas as partes para que se abstenham de qualquer ação que não esteja em conformidade com as obrigações internacionais ou que possa levar a uma escalada adicional.
Por último, mas não menos importante, o Brasil também lembra as obrigações dos Estados Membros de cumprir as decisões da Corte Internacional de Justiça.
Ao aceitar o pedido e reconhecer a plausibilidade do caso apresentado perante ela, a Corte emitiu medidas provisórias exigindo que Israel, para evitar danos irreparáveis, tome todas as medidas ao seu alcance buscando evitar todos os atos considerados genocídio nos termos da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio. A decisão da Corte é de implementação imediata e obrigatória.
Apelamos ao Conselho de Segurança para que tome medidas para garantir o respeito às normas erga omnes, incluindo a votação a favor - e não contra - a prevenção de graves violações da Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio.
Senhor Presidente,
O que é do interesse de todos é que o sistema de governança internacional, incluindo as Nações Unidas e seu Conselho de Segurança, cumpra devida e efetivamente suas responsabilidades.
É por isso que o Brasil insta o Conselho de Segurança a não se esquivar de sua principal responsabilidade de responder as ameaças à paz e à segurança internacionais.
Um compromisso crível com a paz e segurança no Oriente Médio requer que a comunidade internacional tome todas as medidas necessárias para o cumprimento do direito à autodeterminação do povo palestino e à implementação da solução de dois Estados, conforme a Resolução 181 (II) da Assembleia Geral de 1947.
A comunidade internacional deve incorporar ações que priorizem o diálogo e a diplomacia, ao considerar as formas de facilitar uma resolução justa e duradoura do conflito prolongado entre Israel e Palestina.
Ao elogiar os esforços da Argélia em nome do Grupo Árabe para avançar com o pedido do Estado da Palestina de se juntar às Nações Unidas como membro pleno, o Brasil encoraja o Conselho de Segurança a avaliar tal pedido por seu mérito principal - reparar por meios pacíficos uma injustiça histórica à aspiração legítima da Palestina por um estado.
Como afirmou o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante a Liga dos Estados Árabes, no Cairo, em fevereiro de 2024, "a decisão sobre a existência de um Estado palestino independente foi tomada há 75 anos pelas próprias Nações Unidas". Portanto, "não há mais desculpas para impedir o Estado da Palestina de se juntar à ONU como membro pleno".
Além disso, 139 dos membros das Nações Unidas já reconheceram a soberania do Estado da Palestina. O Brasil fez isso em 2010, reconhecendo sua soberania territorial ao longo das fronteiras de 1967.
Finalmente, o Estado da Palestina já é membro pleno de várias organizações regionais e internacionais, bem como de agências relevantes da ONU. Como exemplo, cito a UNESCO, UNIDO, UNCTAD, UNFCCC, OPCW, NAM, a Liga dos Estados Árabes, a Organização para a Cooperação Islâmica, G77+China, entre outros. Dentro dessas entidades, o Estado da Palestina tem atuado de forma responsável e em conformidade com os principais princípios do direito internacional e da prática diplomática. Em 2019, o país assumiu o desafio de presidir o G77 - a maior coalizão de países em desenvolvimento nas Nações Unidas.
Reiteramos, portanto, nosso apoio inabalável à Palestina em sua busca por mais reconhecimento internacional por meio de canais diplomáticos. Ao incentivar os 54 países restantes que ainda não reconheceram a Palestina como um Estado soberano, também recebemos com satisfação os anúncios recentes de países que expressaram vontade de fazê-lo no futuro próximo.
Senhor Presidente,
Chegou a hora de a comunidade internacional finalmente receber o Estado da Palestina plenamente soberano e independente como um novo membro das Nações Unidas.
Quanto às hostilidades em curso em Gaza, já passou da hora de a comunidade internacional interromper mais sofrimento de civis. Uma vez que seremos responsabilizados pelas novas gerações jovens pelo cumprimento da promessa principal consagrada na Carta da ONU de poupar mais vidas inocentes do flagelo da guerra, nosso foco deve se mover em direção à cura das feridas e à reconstrução do futuro.
Estabelecemos a base normativa para a consolidação da soberania territorial do Estado da Palestina por meio de várias decisões das Nações Unidas que proíbem a ocupação e anexação. Agora devemos discutir maneiras de garantir a implementação de tais normas por meio do envolvimento das Nações Unidas.
Investimentos em larga escala no desenvolvimento econômico e infraestrutura serão essenciais para garantir que a Palestina alcance a prosperidade e estabilidade de longo prazo que seu povo resiliente merece. O desenvolvimento sustentável e o empoderamento econômico são pilares de qualquer acordo de paz duradouro.
Os últimos eventos no Oriente Médio são mais um testemunho do fato de que uma solução duradoura e sustentável para a Questão Palestina não é apenas um imperativo moral. Trata-se de pré-requisito estratégico para a estabilidade regional e global. A paz e a estabilidade no Oriente Médio só podem ser alcançadas quando as aspirações legítimas do povo palestino pela autodeterminação e soberania forem atendidas.
Vamos reunir a coragem e a determinação para abrir um caminho rumo a uma solução justa e duradoura para este conflito de décadas. Somente por meio do diálogo, respeito mútuo e compromisso com a prosperidade compartilhada podemos esperar alcançar a visão de um futuro onde israelenses e palestinos possam coexistir em paz e segurança.
Não devemos e não precisamos depender dos caprichos dos chamados atores racionais que calculam - e muitas vezes, calculam mal - nosso futuro. Tudo o que precisamos é obedecer à lei.
Obrigado.