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Discurso do Ministro Mauro Vieira na III Cúpula do Sul do G-77 + China
Senhor Presidente, Ministro Abubaker Odongo, Ministro das Relações Exteriores de Uganda,
Senhores Chefes de Estado e de Governo e Ministros,
Tenho a honra de participar da Terceira Cúpula do Sul, celebrando o 60º aniversário da fundação do Grupo dos 77.
Como um dos fundadores do Grupo, o Brasil está convencido de que a realização desta cúpula oferece uma oportunidade para transmitir à comunidade internacional nosso compromisso claro e sólido com o multilateralismo, tão necessário nos dias atuais.
Agora que Cuba conclui sua bem-sucedida presidência do G77, o Brasil gostaria de elogiar sua liderança e o excelente trabalho realizado durante esse mandato. Estendemos calorosas boas-vindas a Uganda como a nova presidente do Grupo.
Senhor Presidente,
As atuais instituições multilaterais, em grande parte criadas há mais de 75 anos, refletem um sistema internacional e uma ordem mundial que não mais existem. Essas instituições não são mais capazes de lidar com os desafios multidimensionais que o mundo enfrenta atualmente. Precisamos de uma reforma urgente do sistema internacional para torná-las mais representativas, legítimas e eficazes.
A necessidade de reformar o Conselho de Segurança é mais urgente do que nunca. As crises mais frequentes, mais complexas e mais mortais que enfrentamos hoje são em parte consequência da mentalidade ainda predominante, ainda que obsoleta, de alguns poderes que insistem em dividir o mundo em zonas de influência e levam o Conselho de Segurança a um impasse. Portanto, o Brasil está firmemente comprometido com uma reforma abrangente, incluindo a expansão tanto dos membros permanentes quanto dos não permanentes. Precisamos encontrar maneiras de desbloquear a ação multilateral. É essencial que o G77 se una em busca de tal reforma.
Também reconhecemos a necessidade urgente de aumentar a participação dos países em desenvolvimento nas estruturas de tomada de decisão e governança das Instituições Financeiras Internacionais. É essencial reduzir a burocracia e as condicionalidades, aumentar o financiamento concessional, promover a verdadeira apropriação nacional e proporcionar espaço político para os países em desenvolvimento. No meio do caminho da Agenda 2030, é necessário garantir os meios adequados de implementação para nossos objetivos de desenvolvimento compartilhados, incluindo a plena concretização da Agenda de Ação de Adis Abeba.
É crucial que os países desenvolvidos cumpram seus compromissos de financiamento para o desenvolvimento, como alocar 0,7% de seus Produtos Internos Brutos para Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA) e atingir a meta inicial anual de US$ 100 bilhões em financiamento climático. Não posso enfatizar o suficiente que os países desenvolvidos têm a responsabilidade primária pelo financiamento para o desenvolvimento, inclusive por meio da cooperação internacional.
Devemos reafirmar a importância de todos os princípios da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, em particular o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Devemos também reiterar nosso compromisso com a plena implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, da Agenda de Ação de Adis Abeba, do Acordo de Paris adotado sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) e de todos os outros documentos pertinentes. Nesse contexto, permita-me assegurar que o Brasil está totalmente comprometido com o sucesso da COP 30 da UNFCCC, que será sediada em Belém do Pará, porta de entrada para a vasta Floresta Amazônica e símbolo de nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável.
O combate às mudanças climáticas é de extrema importância. Precisamos manter uma abordagem equilibrada no que tange ao desenvolvimento sustentável. A industrialização, a diversificação econômica e a produção de bens de maior valor agregado são cruciais para o desenvolvimento. Devemos continuar lutando por maior acesso aos mercados internacionais para nossos produtos e serviços e combater a atual onda de crescente protecionismo. Por fim, devemos encerrar medidas coercitivas unilaterais e sanções ilegais e injustas, que aprisionam e punem muitos países em desenvolvimento, impedindo-os de colher os benefícios do comércio internacional e dos investimentos.
Cuba tem sido vítima de um embargo comercial e financeiro ilegal por mais de 60 anos. O embargo deve ser encerrado, e Cuba deve ser retirada da lista de patrocinadores estatais do terrorismo. É sabido que Cuba fez contribuições significativas para a paz, o diálogo e a estabilidade em nossa região e além. Portanto, é inaceitável que o povo cubano continue sofrendo os efeitos de sanções unilaterais.
Durante a presidência do Brasil no G20, colocaremos as preocupações, interesses e necessidades dos países em desenvolvimento no centro de nossa agenda. Conforme definido pelo Presidente Lula, a presidência brasileira do G20 estabeleceu três prioridades que sintetizam nossa ambição de "construir um mundo justo e um planeta sustentável", a saber:
1. promover a inclusão social e combater a pobreza e a fome;
2. promover a transição energética e o desenvolvimento sustentável em seus três pilares - econômico, social e ambiental; e
3. avançar na reforma das instituições de governança global.
Vamos redobrar nossos esforços na luta contra a fome. Para isso, o Presidente Lula propôs a criação de uma Força-Tarefa para o estabelecimento de uma Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. Segundo o Presidente, acabar com a fome é um "desafio civilizacional para o planeta inteiro", um desafio que podemos superar, mas apenas com vontade política e o reforço do multilateralismo.
O G20 reúne uma parcela substancial do PIB e da população mundial. A inclusão da União Africana, nesse sentido, contribui significativamente para o bloco.
Por fim, o Brasil deseja uma OMC fortalecida e modernizada, que incorpore totalmente o desenvolvimento e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em sua agenda. Uma OMC reformada não deve negligenciar promessas nunca cumpridas, como a reforma agrícola, essencial para a segurança alimentar. Também é de extrema importância alcançar um acordo que permita o funcionamento adequado do sistema de solução de controvérsias da Organização. Sem esse ramo crucial, a OMC não pode gerar os resultados que todos esperamos.
Senhor Presidente,
O Brasil lamenta profundamente a continuação da guerra em Gaza e a piora sistemática da situação no Oriente Médio. O aumento do número de vítimas civis é especialmente preocupante e em desacordo com qualquer noção de proporcionalidade.
Ao reafirmarmos nossa rejeição e condenação inequívocas dos ataques terroristas perpetrados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, fazemos um apelo a Israel para que adira incondicionalmente ao Direito Internacional e ao Direito Internacional Humanitário em suas ações militares, especialmente no que tange à proteção de civis. É urgente alcançar um cessar-fogo duradouro e garantir o fornecimento contínuo de ajuda humanitária essencial a Gaza por meio de todos os canais viáveis.
Continuamos a reafirmar nosso compromisso resoluto com uma solução de dois estados, com um Estado da Palestina viável convivendo lado a lado com Israel, em paz e segurança, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas.
Instamos também todas as partes envolvidas a evitar o transbordamento do conflito para outros países da região, o que teria consequências imprevisíveis tanto em nível regional quanto global.
Senhor Presidente,
Ao concluir meu discurso, permita-me reiterar que a cooperação Sul-Sul não é um substituto, mas um complemento à cooperação Norte-Sul.
A agenda da cooperação Sul-Sul deve ser determinada pelos países do Sul, orientada por princípios como respeito à soberania nacional, apropriação nacional, independência, igualdade, não condicionalidade, não interferência em assuntos internos e benefício mútuo.
Nesse sentido, o Brasil renova seu compromisso com os princípios delineados na Carta de Argel de 1964, especialmente os de unidade, complementaridade, cooperação e solidariedade entre os países em desenvolvimento.
Fique certo de que o Brasil permanecerá comprometido em intensificar nossos esforços pelo bem-estar e prosperidade dos países e povos do Sul.
Obrigado.