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Discurso do Ministro Celso Amorim por ocasião da III Reunião de Chanceleres da Comunidade Sul-Americana de Nações - CASA – Santiago, 24 de novembro de 2006
Querido Ministro e amigo Alejandro Foxley,
Colegas e amigos,
Ministras e Ministros,
Senhoras e Senhores,
Primeiramente gostaria de dizer que é uma grande alegria para mim estar em Santiago, estar no Chile, em uma reunião da Comunidade Sul-americana de Nações.
O fato mesmo de já estarmos na terceira reunião de Chanceleres da Comunidade é a melhor demonstração de quanto avançamos desde que fizemos as preparações para Cusco e a grande fundação da Comunidade em Cusco. Creio que isso é muito positivo.
Tinha um texto aqui, que ademais de ser em português, pode ser que alguns não compreendam, mas faz parte do trabalho da Comunidade desenvolver um idioma comum, que se aproxime um pouco do "portunhol". Então vou falar em meu "portunhol", sem a pretensão de tentar abordar todos os temas, creio que muito dos temas foram já mencionados de maneira muito precisa por Alejandro.
Quero saudar também os representantes de organizações internacionais sul-americanas, latino-americanas, que estão aqui.
Vou limitar-me a algumas poucas reflexões sobre o sentido de nosso trabalho e talvez sobre alguns rumos a seguir. A Comunidade Sul-americana é uma dessas realidades cujo momento chegou, e cujo momento foi perseguido por nossos Chefes de Estado e culminou com a reunião de Cusco.
Não é necessário ter uma atitude apologética em relação à Comunidade Sul-americana de Nações. Essa é a primeira coisa que quero dizer, pois a cada vez que falamos da Comunidade Sul-americana nossos amigos cubanos, mexicanos e alguns outros do Caribe perguntam se estão sendo excluídos. É óbvio que não, porém também é óbvio que têm sua Comunidade Centro-americana, têm sua comunidade do CARICOM e hoje o México fala em mesoamérica. E todos estamos bem, não se trata de sermos excludentes. Não há, assim, nenhuma razão para termos uma visão apologética em relação ao fato de que uma região do mundo, na realidade um continente, tenha sua própria Comunidade.
Na realidade creio que sim, temos de ser apologéticos perante nossa opinião pública por não havermos avançado suficientemente até hoje. Temos de fazer mais.
Dizem que na política deve-se sempre combinar a audácia e a prudência. Não são duas coisas que têm de caminhar juntas. Se há excesso de audácia talvez se perde o sentido da realidade, ou se criam conflitos. Mas também o excesso de prudência nos causa problemas. Creio que este é o balanço que temos de fazer. Isso não é contra ninguém, é a nosso favor. Pelo contrário, uma Comunidade Sul-americana forte vai ajudar na criação de uma Comunidade Latino-americana porque o Grupo do Rio, que tem o seu valor, nunca logrou firmar-se como uma organização latino-americana e caribenha porque não tem robustez suficiente. E creio que se temos uma Comunidade Sul-americana forte, se algum dia chegamos a uma União Sul-americana, que devemos definir como será, criaremos vigor. É isso que queremos com a Comunidade Sul-americana, com a união dos povos sul-americanos.
Assim não há que se perguntar por que estamos avançando, qual é o objetivo. Há que se perguntar por que não o fizemos antes, e por que não fazemos mais, sem temores. E este, creio, é um desafio.
Outro grande desafio, também mencionado pelo Alejandro de maneira muito apropriada, é a questão da pluralidade. Todos nós defendemos a democracia, está mencionada aqui no documento várias vezes, e a democracia no plano internacional significa respeitar as opções de cada um, e assim deve ser. É parte da riqueza de nosso continente. Não gostaria de viver em um mundo com homogeneidade absoluta, nem neo-liberal nem de outro tipo que se queira fazer. Eu gosto de viver em um mundo de pluralidade, onde estamos sempre aprendendo, onde estamos buscando intercambiar experiências. O Chile pode ser um modelo para muitas coisas, mas também o Brasil, o Peru, a Argentina. E essa pluralidade da qual falava é muito importante, mas ela não deve ser, de maneira alguma, um obstáculo para nos acercarmos mais, que tenhamos mais institucionalidade, que tenhamos mais mecanismos de aproximação. Não sei se a palavra convergência cria problema para um ou outro, para mim não cria nenhum, pelo contrário, convergência não significa homogeneidade.
No documento há algo interessante, eu li rapidamente, que a aproximação deve criar algo mais que a soma dos processos de integração existentes. A Comunidade Sul-americana não é somente uma soma, uma adição, é mais que isso. Temos de dar uma personalidade política a nosso continente, que é um continente enorme, fantástico. Eu dizia isso também pensando na integração Brasil-Argentina há vinte, trinta anos. E com a América do Sul em seu conjunto isso é ainda mais verdade. Temos uma posição privilegiada, uma extensão geográfica com uma variedade muito rara no mundo. Vamos das águas quentes do Mar do Caribe às águas geladas da Antártida. Temos uma riqueza em água, em diversidade biológica, em energia, como não há em nenhum outro continente do mundo na mesma proporção que temos. Mesmo a antiga União Soviética, que era muito extensa em longitude, mas não em latitude, não tinha a diversidade climática e biológica que temos.
Em nossa região alguns têm fronteiras com muitos, outros com poucos, mas todos de alguma maneira estamos ligados aqui. O Brasil somente não tem fronteira com dois países: Chile e Equador. Há uma ligação natural da geografia, das afinidades culturais, de atitudes internacionais. Posso mencionar o G-20 por exemplo. E eu me pergunto por que tanta inibição, por que tanta necessidade de dar explicações. Se podemos ter uma Secretaria ibero-americana, por que não podemos ter uma Secretaria sul-americana? Eu me sinto muito ibero-americano, com uma avó espanhola e um avô português, mas sou também muito sul-americano e não tenho nenhuma dificuldade em dizer ao mundo que a América do Sul tem a sua personalidade. Por isso quando surgiu a idéia, entre outras, de se realizar uma reunião com os países árabes, que teve um grande êxito, decidimos fazer com a América do Sul, pois vimos a necessidade de desenvolver a consciência da América do Sul. E isso não nos faz menos latino-americanos, menos ibero-americanos, ou no caso do Brasil, menos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, não nos faz menos cidadãos do mundo.
Mas temos de aproveitar essa riqueza. Temos de fazer na América do Sul no século XXI o que a América do Norte fez no século XIX, pela integração física de nossa região, de nosso continente. Como os Estados Unidos na América do Norte, a América do Sul tem de ter capacidade de negociar no mundo. Alejandro mencionou isso, o Presidente Lula tem mencionado isso sempre - e eu modestamente repito o que o Presidente Lula diz - que no mundo de hoje, no mundo de amanhã, e não no mundo de depois de amanhã, teremos um mundo de grandes blocos. E digo com toda sinceridade, mesmo um país como o Brasil que é grande, mas em um mundo como esse o Brasil é um país pequeno. E nós sabemos disso.
Por isso temos trabalhado juntos no Mercosul, por isso temos impulsionado também a Comunidade Sul-americana, porque ajudamos a criar com outras áreas que estão aqui, porque não temos capacidade de falar só. Porque não é que não se queira uma negociação com os Estados Unidos, com o Japão, com a União Européia, também temos a nossa. Mas teremos muito mais forças se estivermos unidos. E se não pudermos estar unidos de maneira absoluta, porque não temos, por exemplo, uma tarifa externa comum - e o Presidente Lagos costumava disser que integração não pode ser uma questão de tarifa - se não podemos estar totalmente unidos podemos estar coordenados, isso ajudaria, nos fortaleceria a todos.
Tudo isso para dizer que temos que estar unidos. Do mar do Caribe até a Antártica. Do Atlântico ao Pacífico. É um continente que tem a possibilidade de uma enorme projeção no cenário internacional. Quanto mais unidos estejamos maior será essa projeção. Isso não é excludente, se vamos bem, América Central, México, Cuba, Caribe vão estar mais conosco, sem exclusão de outras relações.
Como conciliamos isso? Não podemos pensar em um arco do Pacífico que vá para um lado e um arco do Atlântico que vá para outro. Isso só nos debilita. Devemos ter um grande círculo sul-americano que nos dará forças nas negociações para o Pacífico e nas negociações para o Atlântico. E alguns de vocês, Chile, Peru, Equador, e outros, terão muito mais força em ajudar-nos no Pacífico, da mesma maneira que Brasil, Argentina poderão ajudar vocês no arco do Atlântico, mas todos em uma única região. Essa deve ser nossa concepção.
Não vou falar do social pois você falou muito bem, e estou plenamente de acordo de que não faz nenhum sentido trabalhar pela integração sul-americana se disso não resulta uma melhora efetiva da vida do povo. Por isso também, me perdoem eu sou muito franco, me causa uma espécie de surpresa esse debate se falamos ou não de área de livre comércio. Não creio que falar de área de livre comércio seja uma submissão ao ideal neo-liberal. Primeiro porque há muitos tipos de áreas de livre comércio, e existem acordos desse tipo entre nós, como os acordos entre a Comunidade Andina e o Mercosul. A Guiana e o Suriname têm naturalmente um status especial por sua relação com o CARICOM. Claro que não queremos uma área de livre comércio que signifique uma liberalização que cause problemas sociais, exclusão social, que promova a desigualdade. Mas entre nossos países queremos que o comércio seja o mais livre possível, respeitadas as questões sociais. Nas negociações entre Mercosul e Peru, inicialmente, e depois entre Mercosul e Comunidade Andina, todas as assimetrias e sensibilidades foram levadas em conta. Tivemos algumas dificuldades em nossos países internamente, mas eu não me preocuparia excessivamente com isso. Temos de mostrar que se os outros realizam avanços nós também somos capazes. E vamos fazê-lo de maneira compatível com nossos interesses, com nossa diversidade e com nossas ambições.
Passo agora à parte institucional e, de uma maneira muito geral, gostaria de dizer que compreendo as preocupações de não se ter muitos gastos, de não se ter duplicações, de que devemos utilizar ao máximo as organizações existentes, isso tudo me parece muito claro. Mas tampouco dever haver uma inibição que nos impeça de dar essa personalidade. Creio, assim, ser muito importante termos um Acordo Constitutivo e não vejo a quem temos de pedir licença. A América Central fez o seu acordo sem pedir licença, ninguém perguntou se estavam saindo da América Latina. Não é disso que se trata, se trata de ajudar a esse processo de integração que antigamente chamavam de "building-blocks". Creio que devemos ter um Acordo Constitutivo de alguma maneira. Vamos discutir hoje mais tarde exatamente como o chamamos. Não é um acordo qualquer ou um acordo de complementação. É um acordo importante. Estamos criando uma Comunidade. Nossos Presidentes se reuniram em Cusco com grande solenidade, depois em Brasília, agora em Cochabamba. Então é algo que, se não pode ser agora, deve permanecer na agenda para estudarmos uma maneira de fazê-lo.
Outra coisa que também é importante é termos uma Comissão, se a chamamos de permanente ou não para mim é igual, mas que de maneira mais ou menos permanente se dedique aos temas, se queremos avançar, se queremos que alguém prepare idéias novas, que não dependa apenas dos encontros anuais dos Presidentes, dos Chanceleres. Parece-me importante que haja uma Comissão desse tipo, formada por nós. Não é algo supranacional, seria composta por nossos delegados.
Por último há a questão da Secretaria Permanente. Aí há a preocupação com gastos. Eu lhes digo francamente, iniciativas políticas têm algum custo. Mas se podemos ter uma Secretaria Permanente Ibero-americana, não compreendo porque não podemos ter uma Secretaria Permanente da América do Sul. Se o problema são os gastos, o Brasil se ofereceria para manter uma Secretaria em uma fase inicial e, ademais, não teríamos o Secretário. O Secretário poderia vir de alguma outra parte. Não estamos buscando cargos, mas temos um belo palácio no Rio de Janeiro que está subutilizado. O Rio de Janeiro é um lugar sempre agradável para se reunir. Peço que pensem sobre isso.
Essas são as reflexões que queria fazer. Elas saem um pouco da linha oficial que eu havia preparado, mas foram motivadas por um desejo de refletir, de impulsionar, de caminhar, claro que com realismo. Vocês têm - digo vocês por causa da tradição hispânica, ibérica - o Quixote, e há que se ter um pouco de Sancho Pança, mas há que se ter também um pouco de Quixote, senão não vamos a lugar nenhum, vamos continuar sempre os mesmos. E como o mundo muda vamos ficar pior, pior e pior.
Essa é nossa visão. Há um ex-Chanceler brasileiro, um homem de negócios, que dizia que o Brasil estava condenado a ser um gigante solitário nas relações internacionais. Eu não creio nisso. Eu creio que o Brasil não tem existência plena sem estar unido. E acredito que o mesmo deve ser verdade para cada um de vocês. Ou pelo menos que cada um de vocês poderá ter uma existência melhor, mais forte, com voz mais alta, estando unidos. E há muitas coisas que talvez individualmente não possam fazer, que a Comunidade Andina não possa fazer, que o Mercosul não possa fazer, mas que a América do Sul possa mais facilmente conciliar. Em termos de política energética, de política de defesa, de política ambiental, em tudo isso temos de estar juntos, falar. E por isso creio que algo importante, ademais de toda essa institucionalidade, é a intensificação das reuniões ministeriais e setoriais. Temos que nos conhecer, temos de falar uns com os outros, Ministros de Meio Ambiente, de Energia, de Turismo. Eu sou uma pessoa que sempre me interessei muito por arte, mas a primeira vez que fui a Cusco foi em uma Reunião do Grupo do Rio. É uma vergonha, não? Por outro lado já havia ido várias vezes a Toledo, a Évora, a cidades italianas. Então temos de ter reunidos nossos Ministros de Turismo, de Integração... Bem paro por aqui.
Muito obrigado.