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Discurso na Cerimônia de Formatura das Turmas 2003 / 2004 e 2004 / 2005 do Instituto Rio Branco - Brasília, 20 de abril de 2006
Presidente Lula, hoje é um dia muito especial para todos nós. É um dia consagrado ao Barão do Rio Branco e, portanto, Dia do Diplomata. É, também, um dia que tem duas significações especiais: primeiro, é a sua vinda ao Itamaraty, sua presença no Itamaraty, não por estar recebendo alguma autoridade estrangeira, mas sim para prestigiar a Casa de Rio Branco; e a segunda significação deste dia é a de ser o dia da formatura, do recebimento formal dos nossos novos colegas, alguns dos quais já estão provavelmente trabalhando, senão todos eles – porque hoje em dia, quando eles entram para o Rio Branco, já se tornam diplomatas. É o dia de recebêlos, formalmente, como membros da nossa instituição. Presidente, não quero me alongar, primeiro porque hoje o dia é para escutar o Senhor e escutar os oradores que falarão em nome dos formandos e os paraninfos. É um dia deles e é um dia seu dentro desta casa. Mas não posso me furtar a umas duas ou três palavras, que espero não sejam muito mais do que isso mesmo, para fazer duas mensagens, basicamente. A primeira, de agradecimento a Vossa Excelência. Esse agradecimento se desdobra em dois aspectos: o aspecto político e o aspecto do seu apoio a nossa instituição. Os dois estão, naturalmente, combinados.
O aspecto político é o do agradecimento pessoal, mas creio que o faço também em nome de todo os colegas, como o Embaixador Samuel, o Embaixador Fernando Reis, Diretor do Rio Branco, e demais colegas, jovens, que entram agora, que é o orgulho de podermos participar de uma política externa verdadeiramente criadora. A política externa, Presidente, se o senhor me permite, vai muito além das ações específicas, dos acordos firmados, de atitudes de cooperação – todas elas importantes. Acho que a política externa, mais do que qualquer outra política, eu me atreveria a dizer – não é que ela seja mais importante do que as outras políticas –, ajuda a compor o ideário nacional. Ela ajuda a nação brasileira, o povo brasileiro a fazer uma imagem de si mesmo e uma imagem do seu lugar no mundo. E o que o senhor nos ofereceu, Presidente, e nos tem oferecido nestes três anos e meio em que tenho trabalhado junto com Vossa Excelência – aliás, como todos sabem, eu o conheci apenas um mês antes da posse –, é algo que é difícil exprimir em palavras. É algo de um valor inestimável, porque justamente é uma capacidade que o povo brasileiro resgatou de encarar o seu país com orgulho, com a certeza de que as nossas atitudes internacionais são moderadas, prudentes, mas com uma prudência que não se confunde com ser timorato, com ser assustadiço. Acho que isso foi algo muito importante. Inspirado já em nosso primeiro encontro,Senhor Presidente, eu tive ocasião de dizer, quando falei com a imprensa pela primeira vez, que a nossa política externa seria altiva e ativa. Não vai nisso nenhuma megalomania, porque a verdadeira prudência é uma prudência corajosa.
Esta é uma mensagem que eu quero passar para os nossos novos colegas: a prudência não é sinônimo de covardia; a prudência não é sinônimo de sentir a necessidade de pedir licença a potências maiores para cada ação que temos de tomar; a prudência é, sim, avaliar cada situação, olhar para todos os fatores, não tomar atitudes precipitadas, negociar. Mas a verdadeira prudência também encerra coragem. Não sei se as duas virtudes são teologais, mas as duas – talvez o Gilberto Carvalho, se estivesse aqui, pudesse nos explicar – são certamente duas virtudes diplomáticas: a coragem e a prudência. Acho que devemos saber combinar essas duas virtudes, que estiveram presentes em tantos homens públicos, estadistas que dirigiram esta casa, a começar pelo Barão do Rio Branco, e naqueles que não a dirigiram, mas que também se destacaram no cenário internacional, como Rui Barbosa e, mais recentemente, Afonso Arinos de Melo Franco, patrono de uma das turmas, San Tiago Dantas e outros que poderíamos citar. Creio que todos eles revelaram essa dupla qualidade. Quando se vai apenas para um lado, só a coragem, sem a prudência, ela pode nos levar a atitudes impensadas, a não obter os objetivos que perseguimos, digamos, a uma atitude de bravata, que tem poucas conseqüências práticas.
Mas quando também esquecemos a coragem e buscamos apenas uma prudência excessiva, que procura medir cada passo em relação ao que os outros podem pensar, ou como agradar a parcelas da opinião pública ou da opinião pública estrangeira, aí a prudência se confunde com medo, com covardia, com atitudes que não devem ser as atitudes dos diplomatas brasileiros. Por isso, Presidente, o meu primeiro agradecimento é – se me permite chamá-lo senhor, e não Vossa Excelência, por estarmos em uma certa intimidade – porque o senhor nos deu o rumo para trabalharmos, nos inspirou permanentemente, nos deu o impulso e a orientação certa para que todos agíssemos dessa forma. Creio que isso é motivo de muito orgulho. Quero lhe contar um pequeno episódio, Presidente, e não quero fazer disto aqui um anedotário, pois seria muito longo. Já fui Ministro antes – portanto não estou me comparando a ninguém – e lembro-me de que raramente era reconhecido; quando o era, era por um presidente de federação, da FIESP ou da Federação do Comércio. Hoje em dia, minha mulher o sabe, freqüentemente – e isto deve acontecer com outros, como o Marco Aurélio – sou parado na rua. Alguns vêm me dizer que têm um prato de comida cheio, e isso também é importante porque faz parte não só do combate a fome, mas da auto-estima. Mas outro dia foi um rapaz, negro, que devia ter uns dezoito anos, que me disse que, por causa da sua política externa, Presidente, ele, que queria ser arquiteto, estava pensando em ser diplomata. Acho que isso são as coisas que comovem, são as coisas que fazem parte verdadeiramente de uma política que é voltada para o país, para o povo brasileiro.
O povo brasileiro se compõe, naturalmente, de empresários, de banqueiros, mas se compõe também de operários, de pessoas que lutam para ganhar a sua vida, de pessoas maduras de jovens também que têm sonhos. A sua política externa nos permite pensar em um Brasil melhor. Digo sempre que a política externa não pode ser baseada no Brasil de hoje; ela tem de ser baseada no Brasil de amanhã e é isso que nós temos procurado fazer. Presidente, o senhor me permita também agradecer o apoio que tem dado a esta casa, o apoio material. Com todas as dificuldades que sabemos que o Governo enfrenta, não nos tem faltado o essencial. Essa é a verdade; houve tempo em que se passava vergonha nas Embaixadas brasileiras que tinham que funcionar meio-expediente porque não tinham dinheiro para pagar a conta de luz se funcionassem o dia inteiro. Esses dias, felizmente, estão passados; espero que jamais voltem a ocorrer, porque eram um fator de vergonha para aqueles que prestavam serviço ao país. Também não nos têm faltado recursos para as necessidades básicas do nosso funcionamento e para o pagamento dos organismos internacionais. Podemos andar com orgulho, sem perder a humildade, pelos corredores das Nações Unidas, pelos corredores de outras organizações internacionais, sem termos que ouvir, de maneira direta ou indireta, alusões ao fato: “Mas como vocês querem ser membros perma
nentes? Mas como querem ser eleitos para tantos órgãos? Por que vocês não começam pagando a conta que devem?’’ Hoje não há mais isso. O Brasil, pela primeira vez em muitos anos, mais de uma década, quinze anos, está em dia com as Nações Unidas, e isto é formidável. Não entrarei nos aspectos da política externa, Presidente, tenho certeza que o Senhor abordará muito melhor do que eu. Mas gostaria, com a sua permissão, de fazer uma referência aos meus jovens colegas que entram para esta carreira num momento tão importante da vida nacional, da vida internacional e da vida sul-americana, essa América do Sul querida nossa, que as vezes é conturbada e difícil e, quanto mais cresce o nosso relacionamento com os nossos vizinhos, mais difíceis são os problemas. São os problemas da nossa intimidade, da nossa casa, sem trocadilho com a instituição que nós criamos. Mas o fato de termos esses problemas – o Presidente sabe disso melhor do que ninguém e por isso não estou procurando ser professoral, talvez apenas um pouquinho, com os meus colegas –, a existência desses problemas, que são difíceis, justamente porque os problemas de família são os mais difíceis, pois temos uma ponte com um, hidrelétrica com outro, comércio intenso com um terceiro, ou um gasoduto com um quarto, um potencial gasoduto com um quinto, é por termos esse problemas que poderemos, no mundo do século XXI, que vai ser dominado por países que são blocos, ou blocos que são países, que nós poderemos ter uma integração soberana, competitiva, altiva e ao mesmo tempo criativa. É muito importante ter presente esses fatos. O apoio material que Vossa Excelência nos deu foi muito importante.
Quero fazer rapidamente uma referência aos dois patronos escolhidos, já que os oradores eu não conheço pessoalmente. Espero que alguns familiares estejam aqui. Vejo a filha do Embaixador Murtinho entre nós, não sei se o Embaixador Arinos, filho do nosso saudoso Afonso Arinos, também está. São dois símbolos da nossa diplomacia, dois símbolos diferentes, mas expoentes, cada um a seu modo. O Embaixador Murtinho, diplomata por excelência, homem de convívio, homem de cultura, homem que soube dar a esse Distrito Federal, numa época em que não ocorria, uma riqueza de cultura que ainda não existia, soube ter uma energia adolescente para o que a nossa querida e saudosa Tuni também sempre ajudou tanto. Parabéns a vocês que escolheram o Embaixador Murtinho como patrono, sem o qual não teríamos este Palácio. Houve um momento, Presidente, em que ele teve que escolher – sem o saber, o senhor está seguindo o exemplo dele e o fez com o Palácio da Alvorada. Quando este Palácio estava sendo construído, ele era o responsável pela construção e teve que optar pela decoração ou pelas comunicações.
Ele pensou e fez a opção: para as comunicações, alguém vai encontrar dinheiro; se eu não cuidar bem da decoração, ninguém vai cuidar depois. E hoje temos um Palácio que é um orgulho, como atesta cada visitante estrangeiro, sem nenhum luxo exagerado, mas com aquilo que é adequado ter. Parabéns aos meus colegas jovens que escolheram o Embaixador Murtinho como patrono da turma. Quero mencionar, também, Afonso Arinos de Melo Franco, jurista, constitucionalista, democrata, homem que soube reciclar a si próprio e reciclar o Brasil às mudanças do tempo. Podemos dizer de Afonso Arinos aquilo que McMillan, então PrimeiroMinistro britânico, disse em determinado momento: “perceber os ventos de mudança”. Ele foi uma das pessoas que, juntamente com San Tiago Dantas e outros, construíram a política externa independente, a política externa de um Brasil que se via industrializado, que se via produtor de uma cultura importante, uma cultura com a Bossa Nova, com o Cinema Novo, com a democracia de Juscelino Kubitschek. Tudo isso, de certa maneira, refletiu-se nessa política externa independente, desassombrada, Presidente, como a que o senhor tem conduzido durante este Governo. Cada uma adaptada ao seu momento histórico, aquela era a época da Guerra Fria; hoje, felizmente, não temos a Guerra Fria, estamos tratando de construir a multipolaridade. Essa é uma palavra que eu não poderia deixar de dar, a escolha desses dois nomes para patronos das duas turmas já é, em si mesma, emblemática da visão que esses novos diplomatas têm.
Presidente, eu poderia me estender muito sobre o apoio, o aumento de quadros, apoios outros que temos recebido do senhor em todos os momentos, mas creio, como disse, que o dia hoje é seu, o dia é dos formandos, dos familiares dos formandos e quero apenas dizer, mais uma vez, do meu grande orgulho, de ter servido e, espero, de continuar a servir ao seu Governo e à política externa brasileira.
Muito obrigado.