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Discurso do Ministro Celso Amorim na abertura do Debate Geral da 65ª Sessão Assembleia Geral das Nações Unidas – Nova York, 23 de setembro de 2010
Senhor Presidente da Assembleia Geral, Joseph Deiss,
Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
Senhoras e Senhores Chefes de Estado e de Governo,
Senhoras e Senhores,
É grande a honra de subir a esta tribuna e falar em nome do povo e do Governo brasileiros. Trago a saudação do Presidente Lula. Dentro de poucos dias, mais de 130 milhões de brasileiros comparecerão às urnas e escreverão mais um importante capítulo da nossa democracia.
Ao longo dos dois mandatos do Presidente Lula, o Brasil mudou. Crescimento econômico sustentado, estabilidade financeira, inclusão social e a plena vigência da democracia conviveram e se reforçaram mutuamente.
Mais de vinte milhões de brasileiros saíram da pobreza e outros tantos da pobreza extrema. Quase trinta milhões de pessoas ingressaram na classe média.
Políticas públicas firmes e transparentes reduziram as desigualdades de renda, de acesso e de oportunidades. Milhões de brasileiros conquistaram dignidade e cidadania. O mercado interno fortalecido nos preservou dos piores efeitos da crise mundial desencadeada pela ciranda financeira nos países mais ricos do Planeta.
O Brasil orgulha-se de já ter cumprido quase todas as metas e de estar a caminho de alcançar, em 2015, todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
A incapacidade de um país, de qualquer país, de alcançar essas metas deve ser encarada como um fracasso de toda a comunidade internacional. A promoção do desenvolvimento é uma responsabilidade coletiva.
O Brasil vem se empenhando em ajudar outros países a replicar experiências bem sucedidas.
Nesses últimos anos, o Brasil moveu-se na cena internacional impulsionado pelo sentido de solidariedade. Temos a convicção de que é possível fazer política externa com humanismo, sem perder de vista o interesse nacional.
Essa política é amparada por iniciativas de cooperação Sul-Sul. O Fundo de Alívio à Pobreza do IBAS, foro que congrega Índia, Brasil e África do Sul, financia projetos no Haiti, Guiné Bissau, Cabo Verde, Palestina, Camboja, Burundi, Laos e Serra Leoa.
O Brasil aumentou substancialmente sua ajuda humanitária e multiplicou os projetos de cooperação com países mais pobres.
A África ocupa um lugar muito especial na diplomacia brasileira. Desde a sua posse, o Presidente Lula foi à África onze vezes. Visitou mais de duas dezenas de países.
Implantamos um escritório de pesquisas agrícolas em Gana; uma fazenda-modelo de algodão no Mali; uma fábrica de medicamentos anti-retrovirais em Moçambique; e centros de formação profissional em cinco países africanos.
Com comércio e investimento, estamos ajudando o continente africano a desenvolver sua enorme potencialidade e a diminuir sua dependência de uns poucos centros de poder político e econômico.
O Brasil tem uma preocupação especial com a Guiné Bissau. Não é por meio do isolamento ou do abandono que a comunidade internacional logrará resolver os problemas que ainda persistem naquele país irmão. Precisamos de modalidades mais inteligentes de cooperação, que promovam o desenvolvimento e a estabilidade e incentivem as indispensáveis reformas, sobretudo no que tange às forças armadas.
Neste ano, em que um número significativo de países africanos comemora cinquenta anos de descolonização, o Brasil renova seu compromisso com uma África independente, próspera, justa e democrática.
Em poucas situações a solidariedade internacional é tão necessária quanto no Haiti.
Juntamo-nos à ONU no luto pela tragédia que ceifou centenas de milhares de vidas haitianas. Nós mesmos perdemos brasileiros de grande valor, como a Dra. Zilda Arns – uma mulher que dedicou sua vida aos pobres, especialmente às crianças –, Luiz Carlos da Costa, Chefe-Adjunto da MINUSTAH, além de dezoito de nossos militares.
Queremos expressar nossa compaixão pelo sofrimento do povo haitiano e, acima de tudo, nossa admiração pelo estoicismo e coragem com que tem sabido enfrentar a adversidade.
Os haitianos sabem que podem contar com o Brasil, não só para a manutenção da ordem e a defesa da democracia, mas também para o seu desenvolvimento. Estamos realizando o que prometemos e estamos vigilantes para que os compromissos da comunidade internacional não se esgotem em manifestações retóricas.
Nos últimos anos, o Governo brasileiro investiu muito na integração e na paz da América do Sul. Fortalecemos nossa parceria estratégica com a Argentina. Aprofundamos o Mercosul, inclusive com mecanismos financeiros únicos entre países em desenvolvimento.
A fundação da UNASUL - União de Nações Sul-americanas – teve como objetivo consolidar uma genuína zona de paz e de prosperidade. A UNASUL já demonstrou seu valor na promoção do entendimento e da solução pacífica de conflitos entre países sul-americanos e no interior desses países. A UNASUL tornou ainda menos justificável qualquer tipo de ingerência externa.
Com a criação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, lançada na Bahia e confirmada em Cancún, reafirmamos a vontade regional de ampliar para a América Central e Caribe o espírito integracionista que anima os sul-americanos.
O Brasil reitera seu repúdio – que é de todos os latino-americanos e caribenhos – ao ilegítimo bloqueio a Cuba, cujo único resultado tem sido o de prejudicar milhões de cubanos em sua luta pelo desenvolvimento.
Condenamos retrocessos antidemocráticos, como o golpe de Estado em Honduras. O regresso do ex-Presidente Zelaya sem ameaças à sua liberdade é indispensável para a normalização plena das relações de Honduras com o conjunto da região.
Quando o Presidente Lula subiu a esta tribuna pela primeira vez, em 2003, o mundo vivia sob a sombra da invasão do Iraque.
Esperamos que tenhamos aprendido as lições daquele episódio. É preciso rejeitar a fé cega em relatórios de inteligência feitos sob medida para justificar objetivos políticos. É preciso banir, de uma vez por todas, o uso da força sem amparo no Direito Internacional. Mais do que isso: é fundamental valorizar o diálogo e as soluções pacíficas para as controvérsias.
Para alcançarmos um mundo verdadeiramente seguro, é preciso que seja cumprida a promessa da eliminação total das armas nucleares. Cortes unilaterais são bem-vindos, mas insuficientes, sobretudo quando ocorrem em paralelo à modernização dos arsenais atômicos.
Como o Presidente Lula costuma dizer, o multilateralismo é a face internacional da democracia. E a ONU deve ser o principal centro de decisões para a política internacional.
As mudanças que se têm operado no mundo ao longo das últimas décadas e a sucessão de crises que temos vivido no que toca à segurança alimentar, à mudança do clima, ao campo econômico e financeiro, e às áreas de paz e segurança tornam urgente redefinir as regras que organizam o convívio internacional.
A crise financeira de 2008 precipitou mudanças na governança econômica global. O G-20 tomou o lugar do G-8 como principal foro de deliberação sobre temas econômicos.
O G-20 significou uma evolução. Mas o Grupo deve sofrer ajustes, por exemplo, para garantir maior presença africana. O G-20 só preservará sua relevância e legitimidade se souber manter diálogo franco e permanente com o conjunto das nações representadas nesta Assembleia Geral.
No auge da crise, conseguimos evitar o pior: um surto protecionista descontrolado, que teria lançado o mundo em uma depressão profunda. Mas os países desenvolvidos não têm demonstrado o necessário compromisso com a estabilidade econômica global. Continuam privilegiando uma lógica baseada em interesses paroquiais.
Em nenhuma outra área isso é tão evidente quanto na Rodada Doha da OMC. Uma solução equilibrada desse processo, que se estende por quase dez anos, favoreceria, com o fim dos subsídios distorcivos e das barreiras protecionistas, a expansão econômica e o desenvolvimento nos países mais pobres. Afinal, são estes as principais vítimas da visão estreita e mesquinha que ainda prevalece em relação ao comércio internacional.
Na área financeira, as reformas tampouco foram suficientes. Resistências injustificadas impedem que mudanças já acordadas sejam concretizadas. A obstinação em manter privilégios anacrônicos perpetua e aprofunda a falta de legitimidade das instituições.
Outro grande desafio é o de alcançar um acordo global, abrangente e ambicioso sobre a mudança do clima.
Para avançar nessa matéria, é preciso que os países deixem de se esconder uns atrás dos outros. O Brasil, como outros países em desenvolvimento, fez a sua parte. Mas, em Copenhague, várias delegações, sobretudo do mundo rico, procuraram justificativas para se esquivarem de suas obrigações morais e políticas. Esqueceram-se de que com a natureza não se negocia.
Um resultado positivo na COP-16, com progressos reais em florestas, financiamento para adaptação e mitigação e a reafirmação dos compromissos de Quioto, é imprescindível. A presidência mexicana pode contar com o engajamento do Brasil.
Em 2012, organizaremos no Rio de Janeiro a Rio+20. Em nome do Governo brasileiro, renovo o convite a todos, para realizarmos a promessa de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
Senhor Presidente,
A reforma da governança global ainda não alcançou o campo da paz e da segurança internacionais. Nas esferas econômica e ambiental as nações mais ricas já compreenderam que não podem prescindir da cooperação dos países pobres e dos emergentes. Mas, quando se trata de assuntos da guerra e da paz, as potências tradicionais relutam em compartilhar o poder.
O Conselho de Segurança deve ser reformado, de modo a incluir maior participação dos países em desenvolvimento, inclusive entre seus membros permanentes.
Não é possível continuar com métodos de trabalho pouco transparentes, que permitem aos membros permanentes discutirem, a portas fechadas e pelo tempo que desejarem, assuntos que interessam a toda a Humanidade.
O Brasil tem procurado corresponder ao que se espera de um membro do Conselho de Segurança, mesmo não-permanente, que é contribuir para a paz. Por essa razão, nos empenhamos em encontrar um instrumento que pudesse representar avanço para a solução do dossiê nuclear iraniano.
Ao fazê-lo, nos baseamos em propostas apresentadas como “oportunidade ímpar” para criar confiança entre as partes. A Declaração de Teerã de 17 de maio, firmada por Brasil, Turquia e Irã, removeu obstáculos que, segundo os próprios autores daquelas propostas, impediam que se chegasse a um acordo.
A Declaração de Teerã não esgota a matéria. Nem foi essa a intenção. Estamos convictos de que, uma vez de volta à mesa de negociações, as partes encontrarão formas de resolver outros problemas, como o enriquecimento a 20% e o estoque de urânio enriquecido acumulado desde outubro de 2009.
A despeito das sanções, ainda temos esperança de que a lógica do diálogo e do entendimento prevaleça.
O mundo não pode se permitir o risco de um novo conflito como o do Iraque. Por isso temos insistido com o Governo do Irã que mantenha uma atitude flexível e de abertura às negociações. É preciso que todos os envolvidos revelem essa disposição.
Seguimos com atenção os desdobramentos no processo de paz no Oriente Médio. Esperamos que o diálogo direto entre palestinos e israelenses, lançado no início deste mês, leve a avanços concretos, que resultem na criação de um Estado Palestino nas fronteiras anteriores a 1967. Um Estado que assegure ao povo palestino uma vida digna, coexistindo, lado a lado e pacificamente, com o Estado de Israel.
Mas não é a forma do diálogo que determinará se haverá resultados. O que importa é o ânimo das partes de chegar a uma paz justa e duradoura. Isto será mais fácil com o envolvimento de todos os interessados.
O congelamento de construções em assentamentos nos territórios ocupados, o levantamento do bloqueio à Faixa de Gaza e o fim de ataques a populações civis são elementos fundamentais neste processo.
Na visita que fez a Israel, à Palestina e à Jordânia, em março, o Presidente Lula discutiu esses temas com governantes e com representantes da sociedade civil. Recebemos em Brasília, com frequência, dirigentes de diversos países da região, que buscam apoio para a solução dos problemas que os afligem há tantas décadas e que não têm sido resolvidos pelos meios e atores tradicionais.
O Brasil, que tem cerca de dez milhões de descendentes de árabes e uma comunidade judaica convivendo em harmonia, não se furtará a dar sua contribuição para a Paz a que todos anseiam.
Temos um compromisso inabalável com a promoção dos Direitos Humanos.
Favorecemos um tratamento não-seletivo, objetivo e multilateral dos direitos humanos. Um tratamento sem politização ou parcialidade, em que todos – ricos ou pobres, poderosos ou fracos – estejam sujeitos ao mesmo escrutínio.
Na nossa visão, o diálogo e a cooperação são mais efetivos para assegurar o exercício dos Direitos Humanos do que a arrogância baseada em uma suposta superioridade moral auto-conferida.
Senhor Presidente,
Nos oito anos do Governo Lula, o Brasil desenvolveu uma diplomacia independente, sem subserviências e respeitosa de seus vizinhos e parceiros. Uma diplomacia inovadora, mas que não se afasta dos valores fundamentais da nação brasileira – a paz, o pluralismo, a tolerância e a solidariedade.
Assim como o Brasil mudou, e continuará a mudar, o mundo se está transformando. É preciso aprofundar e acelerar essas mudanças.
Com os avanços tecnológicos e a riqueza acumulada, não há mais lugar para a fome, a pobreza e as epidemias que podem ser evitadas. Não podemos mais conviver com a discriminação, a injustiça e o autoritarismo. Temos que enfrentar os desafios do desarmamento nuclear, do desenvolvimento sustentável e de um comércio mais livre e mais justo.
Estejam certos: o Brasil continuará lutando para fazer desses ideais uma realidade.
Muito obrigado.