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Centenário de nascimento de Oswaldo Aranha - 5 de julho de 1994
Senhoras e Senhores,
O Itamaraty sente-se honrado em receber Vossa Excelência, Senhor Presidente, para celebrarmos o centenário do nascimento de Oswaldo Aranha. Este eminente homem público, político por vocação e diplomata por natureza, prestou, nesta Casa, notáveis serviços ao Brasil. A cerimônia que hoje realizamos impõe-se como gesto indispensável de reconhecimento e apreço por sua obra.
Oswaldo Aranha é um daqueles homens que a história produz com grande parcimônia. Sua trajetória política o singulariza numa geração de homens ilustres.
Entre os traços mais relevantes da figura de Oswaldo Aranha sobressai a sua devoção à vida pública. A partir da segunda metade dos anos 20, teve participação relevante — e, em alguns casos, decisiva — em virtualmente todos os eventos políticos importantes do País. Estar na vida pública era, por assim dizer, sua segunda natureza.
Orientava-se por firme sentimento de compromisso com o Brasil. Ao preparar, no Rio Grande do Sul, o levante de 30; em sua gestão à frente dos Ministérios da Fazenda e da Justiça; na Embaixada em Washington; como Chanceler; e na qualidade de Representante brasileiro na ONU, tinha a movê-lo a disposição de servir ao País, de contribuir para a realização de potencialidades que identificava e proclamava com convicção quase religiosa. Dizia que «o Brasil, sem ufania, tem um futuro imenso que escapa à nossa visão» e que seríamos grandes «com, sem e até contra a nossa vontade». Sua profissão de fé na grandeza do País serve-nos como modelo e inspiração, ainda hoje.
Seu patriotismo não era de palavras. Oswaldo Aranha tinha ideias muito claras e espírito de luta e disposição para transformar seu credo patriótico em realidade. Tinha, para utilizar expressão hoje em voga, um projeto de Nação, fundado na prevalência dos valores liberais. Acreditava na superioridade da democracia, na liberdade política e económica e no diálogo como princípios da organização social. Sua participação no Estado Novo não deve prestar-se a interpretações enganosas. Opôs-se à Constituição de 37 e aceitou o cargo de Chanceler sob a condição de imprimir à política externa orientação claramente anti-totalitária e pan-americanista. E assim procedeu, mesmo confrontado com resistências poderosas.
Acreditava que o Brasil, mais do que qualquer outra nação, tinha uma vocação universal. Olhava a história brasileira e notava que o «Brasil é filho da diplomacia»; divisava o futuro e estimava que «nosso País não pode fugir à interdependência mundial». No Itamaraty, Aranha encontrou ambiente fértil ao pleno desenvolvimento de seus atributos de caráter e personalidade, que se evidenciavam sobretudo nos momentos cruciais. Um deles foi o período de 1934 a 1944, em que esteve, sucessivamente, à frente da Embaixada em Washington e da Chancelaria. Naqueles anos, enquanto, no Brasil, as necessidades de financiamento do desenvolvimento económico reclamavam decidida ação estatal externa, no mundo, ampliava-se um conflito armado que assumiria proporções até então desconhecidas. Ao Governo brasileiro antepunham-se desafios importantes. Sabemos todos a importância de Aranha no engajamento brasileiro na luta contra o nazi-fascismo e de suas convicções pacifistas.
Outro período fundamental da obra de Oswaldo Aranha ocorreria ao fim da Segunda Grande Guerra, quando lhe coube, como Representante do Brasil, presenciar e influenciar os primeiros passos das Nações Unidas. Lá, sua habilidade negociadora, sua vivacidade intelectual e sua argúcia política — atributos que se complementavam com um notável senso de humor — fizeram-no ombrear-se com grandes nomes da época e valeram-lhe a estima e o respeito de todos. Foi Presidente do Conselho de Segurança e, por duas vezes, da Assembleia Geral, quando presidiu histórica Sessão em que se decidiu a criação do Estado de Israel.
Nas Nações Unidas, onde voltaria a servir a convite do Presidente Kubitschek, Oswaldo Aranha caracterizou-se pelo descortino. Lúcido e perspicaz, compreendeu os desafios dos novos tempos e a necessidade, que se impunha para um país como o Brasil, de trilhar caminhos inovadores. Ao deixar a Chefia da Delegação do Brasil à XII Assembleia Geral, em 1956, propôs urgente redefinição de nossa política externa, em favor do apoio à libertação dos povos colonizados. Defendeu também o reatamento das relações diplomáticas com a União Soviética, argumentando que «tentar ignorar a realidade é o erro dos erros na política internacional». Como tantas vezes ocorrera no domínio da política interna, também na esfera internacional, os fatos demonstraram a justeza das observações e a eficácia da atuação de Oswaldo Aranha.
Definia-se como um sonhador, que procurava realizar os sonhos que lhe vinham «do coração iluminado pelo amor, e que sempre foi, invariável, do próximo, do bem, da lei e da justiça». Desde os tempos de militância universitária na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, até morrer, quando se preparava para concorrer a eleições ao cargo de Vice-Presidente da República, fez do Brasil a sua causa. E o Brasil de seus sonhos, como ele próprio expõe em artigo no «O Jornal», em fevereiro de 1945, era o Brasil «de todos e não o Brasil de alguns. É o Brasil do povo, que estamos sentindo de novo nas ruas, nas praças, nos lares, falando, ouvindo, lendo e, acima de tudo, aspirando, como todos os demais povos, seus irmãos nas armas e nos ideais».
É essa visão de um povo vibrante, participante na vida nacional, que tem fé nas suas aspirações e na capacidade de torná-las realidade, é esse Brasil a que o Governo de Vossa Excelência, Senhor Presidente, tudo faz para servir com dignidade e entusiasmo, que hoje celebramos. Nesta cerimônia, honramos a memória de um grande brasileiro e renovamos o nosso compromisso de servir aos nossos concidadãos, inspirados no exemplo de dedicação que nos ficou de Oswaldo Aranha.
Senhor Presidente,
Permito-me convidá-lo para, após esta cerimónia, inaugurar a exposição «Retrato de Oswaldo Aranha», cuja realização se deve à generosidade e à dedicação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas; da Fundação Alexandre de Gusmão; e da VARIG. A essas instituições e empresas somos especialmente gratos.
Muito obrigado.