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Exposição do senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Carlos Alberto Franco França, em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CRE) do Senado Federal – Brasília, 06/05/2021
Senhora Presidente, Senhoras Senadoras, Senhores Senadores,
Agradeço à Presidente desta Comissão, Senadora Kátia Abreu, e a cada um de seus excelentíssimos membros a oportunidade desta audiência.
Ao iniciar minha apresentação, permito-me uma breve e merecida referência aos acontecimentos destes últimos dias no campo da diplomacia da saúde que contaram com participação crucial de Vossa Excelência e do Congresso Nacional.
Em nosso trabalho ininterrupto pela busca de vacinas para salvar vidas de milhões de brasileiros, eliminar a presença da COVID-19 em nossa sociedade e garantir uma rápida normalização de nossa economia, recebemos, neste fim de semana, 3.981.600 doses no âmbito da iniciativa COVAX Facility.
É o primeiro grande resultado satisfatório de uma corrida contra o tempo que tem envolvido, além do trabalho do Itamaraty, a atuação rápida, direcionada e decisiva de Vossa Excelência, bem como do Presidente desta Casa, Senador Rodrigo Pacheco, do Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Deputado Aécio Neves, e do Presidente daquela Casa, Deputado Arthur Lira.
Em justas argumentações e reivindicações apresentadas diretamente ao Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, ao Diretor-Geral da OMS, Dr. Tedros Adhanom, assim como ao Presidente do Conselho da Aliança Global para as Vacinas (GAVI), José Manuel Durão Barroso, entre outros interlocutores, Vossas Excelências contribuíram para a pronta liberação e antecipação, com a urgência necessária, das doses alocadas ao Brasil neste primeiro semestre pelo consórcio COVAX, com base nos critérios de risco sanitário e de gravidade da incidência local da COVID-19.
Senhora Presidente, permita-me relacionar brevemente as evidências dessa postura proativa: Vossa Excelência e o Presidente da Comissão homônima na Câmara dos Deputados mandaram cartas e mantiveram videoconferência com o Diretor-Geral da OMS e com o Presidente do Conselho da GAVI; o Presidente desta Casa, Senador Rodrigo Pacheco, enviou cartas e manteve diálogo telefônico com o Secretário-Geral Antonio Guterres, no que foi secundado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Arthur Lira.
Vossa Excelência também manteve interlocução com os Embaixadores europeus em Brasília, sempre no espírito e no esforço de garantir o principal interesse da sociedade brasileira neste momento: vacinar; conseguir vacinas para os brasileiros com a urgência que a gravidade da situação exige.
Havíamos recebido, em março, o primeiro lote de um milhão de vacinas pela COVAX, de um total de 10.672.800 de doses alocadas ao Brasil pela iniciativa neste semestre, 48% de toda a quota do consórcio para a América do Sul até junho. Diante da forte pressão internacional sobre a oferta limitada de vacinas, é um grande êxito termos trabalhado juntos, Congresso e Itamaraty, pela entrega antecipada dessas quatro milhões de doses ao Brasil.
Estou convencido, senhora Presidente, de que o prosseguimento desse curso de ação proativo e determinado de vossa parte e de nossa parte será crucial para continuarmos a garantir a entrega rápida e imediata de vacinas para acelerar a imunização do povo brasileiro. Ainda devemos receber quatro milhões de doses adicionais neste mês de maio. Prosseguiremos juntos nesse trabalho para garantir que a quota originalmente alocada ao Brasil pela COVAX neste semestre se encontre integralmente em território brasileiro e, em seguida, aplicadas nos braços dos brasileiros no prazo estipulado.
Garanto-lhe que, de minha parte e da parte do Itamaraty, continuaremos, Senhora Presidente, a trabalhar para que a diplomacia parlamentar tenha um papel cada vez mais expressivo tanto no campo sanitário, o mais urgente no momento, quanto em outros âmbitos, como no ambiental, econômico, político, de segurança e em todas as temáticas que devem e precisam ser avaliadas e avalizadas pelos representantes do povo.
Queremos que nossos parlamentares estabeleçam, mantenham e reforcem laços com parlamentares latino-americanos, norte-americanos, europeus, asiáticos e africanos. É importante termos todos em mente que o trabalho do Itamaraty, o trabalho de nossos diplomatas em outros países requer, acima de tudo, entrada e acesso a círculos de poder, de tomada de decisões, para garantir, na medida do possível, que essas decisões levem em conta ou ao menos não contrariem interesses brasileiros. É o que faz a diferença para garantir o êxito dos interesses brasileiros no exterior.
Estou seguro de que uma diplomacia parlamentar mais forte, mais proativa e atuante ampliará aos nossos diplomatas no exterior o acesso de que precisam a esses círculos de poder e de tomada de decisões. Sairemos todos ganhando: diplomatas, parlamentares, empresários, acadêmicos, enfim, a sociedade brasileira em seu conjunto.
Senhora Presidente,
Como sabem, estive no dia 28 passado perante a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. Compareço, agora, no Senado Federal, a esta Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. Estou convencido de que terei a honra e a satisfação de retornar a esta Casa muitas outras vezes, sempre que me permitam.
Isso porque a política externa, como procurei enfatizar em meu discurso de posse, é, antes de tudo, uma política pública. E, como política pública, será tão mais sólida e eficaz quanto mais incorpore a pluralidade de visões da nossa sociedade – visões que encontram no Congresso, a casa do povo, sua caixa de ressonância por excelência.
Assim, venho aqui para expor-lhes aspectos da política pública que cabe ao Itamaraty executar, mas, do mesmo modo, venho para ouvi-los a respeito dessa mesma política. Ouvi-los e dar o encaminhamento merecido e necessário ao que ouvir. Nossas ações diplomáticas só farão ganhar força nesse diálogo.
Senhora Presidente, Senhoras Senadoras, Senhores Senadores,
Como tenho dito, e como sabemos todos, o momento é de urgências. Venho falando, desde minha posse, nas três urgências que o Presidente Jair Bolsonaro me instruiu a enfrentar no Itamaraty, na medida das nossas competências institucionais: a urgência da pandemia; a urgência da retomada do crescimento e da geração de empregos; e a urgência do desenvolvimento sustentável.
A propósito dessas urgências, permito-me um breve comentário conceitual que, acho, poderá ser útil.
Recordo termos consagrado o conceito de desenvolvimento sustentável na Conferência do Rio de 1992. O conceito, que já se vinha consolidando, tem uma abrangência que desejo aqui ressaltar.
Penso no fato de que, não custa lembrar, o desenvolvimento sustentável tem três pilares interligados: o social, o econômico e o ambiental. Ou seja, o conceito de desenvolvimento sustentável pôs fim à noção de que seria possível cuidar do meio ambiente sem atentar para as questões sociais e econômicas – ou tratar do social e do econômico sem atenção ao ambiental. Por outras palavras, essas três dimensões, na perspectiva do desenvolvimento sustentável, caminham, necessariamente, lado a lado. Uma depende da outra.
Pois bem: quando olhamos para as três urgências que nos orientam no Itamaraty, temos diante de nós manifestações de cada um dos pilares do desenvolvimento sustentável: 1) o social, expresso na prioridade que atribuímos à saúde pública, em nossa luta comum contra a pandemia; 2) o econômico, expresso na prioridade que atribuímos à retomada do crescimento e dos empregos; e 3) o ambiental, expresso na prioridade que atribuímos ao combate à mudança do clima.
Nossas urgências são impostas pela situação concreta do Brasil e do mundo. Mas não me parece ser mera coincidência esse entrelaçamento entre nossas três urgências e os três pilares do desenvolvimento sustentável. Essa correlação reflete uma circunstância fundamental: a de que, no fim das contas, os pilares social, econômico e ambiental são mesmo, na realidade das coisas, estreitamente interconectados, ainda quando não tenhamos consciência disso. Daí a validade, a funcionalidade e a urgência do conceito de desenvolvimento sustentável.
Senhora Presidente,
Passo a estender-me um pouco sobre cada uma das nossas urgências. Em grandes linhas, gostaria de indicar a Vossas Excelências o que temos feito para atacá-las. Será inevitável repetir muito do que disse na Câmara, de modo que peço a compreensão dos que, aqui, já me assistiram na semana passada. O fato é que não posso me furtar a compartilhar, também com o Senado Federal, alguns dos principais traços da nossa atuação diplomática frente às urgências que nos mobilizam.
Todos sabemos, e Vossas Excelências melhor do que ninguém, que, na maior parte das vezes, problemas complexos pedem respostas complexas. Certamente, desafios como os que agora somos chamados a enfrentar não admitem soluções fáceis ou imediatas. O esforço em que estamos empenhados é o da construção de caminhos que sejam firmes. Caminhos que, na política externa, levem a fórmulas consistentes na luta contra a pandemia, na recuperação da atividade econômica, no combate à mudança do clima.
Senhoras Senadoras, Senhores Senadores,
A questão sanitária exige o concurso de uma variedade de atores. No Governo, há sem dúvida um papel para o Itamaraty.
O trabalho pelo acesso a vacinas e a outros medicamentos para o combate à COVID-19 é, hoje, o pão nosso de cada dia no Itamaraty e em nossas missões no exterior. De iniciativa própria, ou acionados por diferentes interlocutores Brasil afora, mapeamos ofertas de insumos médicos, procuramos facilitar tratativas específicas, ao mesmo tempo em que levantamos outras informações relevantes sobre evolução das políticas públicas, no mundo, de combate aos efeitos da pandemia. Pronunciei-me ao iniciar esta apresentação sobre a chegada de vacinas no âmbito da iniciativa COVAX; falo agora sobre os demais esforços empreendidos no contexto de nossa diplomacia da saúde.
Uma prioridade tem sido assegurar os insumos do chamado “kit intubação”. Estamos em busca de doações e de estoques disponíveis para compra. Já cuidamos, em Washington, de viabilizar aquisições por meio do Fundo Estratégico da Organização Panamericana da Saúde, a OPAS. Recebemos no dia 27 a doação do Governo espanhol, pela qual poderei agradecer pessoalmente à Chanceler Arancha González, que se encontra hoje e amanhã em Brasília em visita oficial.
Como assinalei na semana passada perante a Comissão da Câmara dos Deputados, um esforço crucial do Itamaraty tem sido evitar que as informações que recolhemos em distintas partes do mundo se venham a perder. Há que sistematizá-las e há que fazer que cheguem, com rapidez, às instituições relevantes, em particular o Ministério da Saúde. No aprimoramento desse exercício de coordenação, criamos o Grupo de Trabalho da Diplomacia da Saúde, que já está em pleno funcionamento.
De minha parte, estou pessoalmente engajado na nossa diplomacia da saúde. No que diz respeito ao diálogo com outros países sobre combate à pandemia, a China é, sabidamente, país decisivo nas cadeias de suprimento da indústria farmacêutica. Em conversa telefônica que mantive no dia 9 de abril com o Ministro dos Negócios Estrangeiros Wang Yi, ainda nos meus primeiros dias como Ministro, fiz dois pedidos: que apoiasse a aquisição pelo Brasil de 30 milhões de doses da vacina da Sinopharm, para entrega ainda no segundo trimestre deste ano; e que nos auxiliasse no fornecimento de Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) com vistas à produção, no Brasil, de um total de 60 milhões de doses da vacina Oxford-AstraZeneca. O Ministro Wang comprometeu-se a fazer todo o possível para cooperar. Reservará e fornecerá ao Brasil, o quanto antes, quota maior de IFAs para a produção da vacina citada. Pediu nossa compreensão para o fato de que abril seria mês crítico na China, e que precisam acelerar a vacinação interna, o que têm feito: já aplicaram cerca de 250 milhões de doses. Mas antecipou que, em maio e junho, haverá grande aumento da produção e da capacidade de exportação.
Seguiremos trabalhando e dialogando constantemente, o tempo todo, com o Governo chinês. Nossa Embaixada em Pequim acompanha em bases permanentes os processos de autorização de exportação de IFAs e tem sempre agido com a rapidez necessária.
Temos atuado também junto à Índia, outro país-chave nas cadeias de suprimento da indústria farmacêutica. Buscamos a liberação das 8 milhões de doses pendentes da vacina Oxford-AstraZeneca produzidas pelo Serum Institute of India, que se somariam às 4 milhões já recebidas pelo Governo brasileiro. A crise sanitária na Índia, como temos visto, vem-se agravando. Temos de reconhecer que a Índia enfrenta desafios internos. Mas, pelos canais adequados, estamos agindo para que autorizem exportações para o Brasil.
Buscamos cooperação, ainda, com diversos outros parceiros, de diferentes quadrantes. Reino Unido, Israel e Rússia são alguns exemplos. No caso da Rússia, o Presidente Bolsonaro conversou por telefone com o Presidente Putin no início de abril. Trataram de diferentes temas, inclusive da aquisição pelo Brasil – e da produção no Brasil – da vacina Sputnik V. Como disse semana passada na Comissão da Câmara dos Deputados, e reitero aqui, esperamos que as questões pendentes para aprovação da vacina possam ser solucionadas de modo satisfatório para a Anvisa, de modo a podermos eventualmente contar, no médio prazo, com mais uma vacina em nosso esforço nacional de imunização e superação da pandemia. O Itamaraty tem prestado à Anvisa, e continuará a prestar, todo o apoio necessário.
O Brasil tem também participado de movimentos multilaterais em favor do acesso a vacinas e tratamentos seguros e eficazes.
Vossas Excelências bem sabem, mas me permito recapitular, que estamos associados a iniciativas como o ACT-Accelerator, o Solidarity Call to Action e a COVAX Facility. A adesão à COVAX Facility garantirá ao Brasil 42,5 milhões de doses; trata-se de cobertura para 10% da nossa população. Com o início da vacinação em vários países, instamos a COVAX a garantir, de imediato, o acesso a vacinas aos países participantes. A recente chegada de quatro milhões de doses ao Brasil é um passo positivo nesse sentido.
Queremos influenciar a governança da COVAX, razão pela qual apresentamos candidatura do Brasil à sua Comissão Executiva. Ao mesmo tempo, o Itamaraty vem propondo, junto a Governos e organismos internacionais, a atualização urgente dos critérios para alocação de doses pela COVAX, para conferir peso adequado aos países que mais têm sofrido, no cenário mais recente, os impactos da pandemia em seus sistemas de saúde e em cifras de letalidade.
A diplomacia da saúde não se limita, porém, ao âmbito multilateral político. Estende-se, também, ao multilateral econômico: na Organização Mundial do Comércio, o Brasil, com outros países de perfil variado, tem conferido apoio a propostas apresentadas pela nova Diretora-Geral, a nigeriana Ngozi Okonjo. Ela está trabalhando arduamente para que a OMC possa identificar, nos mais diversos mercados, capacidade ociosa para produção de vacinas, bem como incentivar acordos de licenciamento voluntário e de transferência acelerada de tecnologias e insumos. As iniciativas vêm adquirindo contornos mais bem definidos, com participação ativa do Brasil.
Para dar contornos concretos a essa agenda, a OMC promoveu, em 14 de abril, evento com a Organização Mundial da Saúde, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual e os principais países produtores de vacinas, entre os quais o Brasil. Estiveram também representantes do setor privado e da sociedade civil. Penso que essa é mais uma frente da qual poderão surgir contribuições importantes para o combate à crise sanitária que nos atinge a todos.
Também na OMC, é relevante mencionar que o Brasil apoia a Iniciativa sobre Comércio e Saúde. Temos conosco Austrália, Canadá, Chile, México e União Europeia, entre outros atores. O objetivo é garantir acesso a vacinas, equipamentos médicos e outros insumos essenciais importados em caso de pandemias, mediante i) a identificação e o uso de capacidade instalada para a produção; ii) a facilitação de acordos de licenciamento para a transferência de tecnologia, expertise e know-how; e iii) a identificação e resolução de forma consensual de qualquer barreira comercial à produção e à distribuição desses produtos, inclusive os relacionados à propriedade intelectual.
Como fiz na semana passada, gostaria de referir-me à hipótese da chamada “quebra de patentes” – que corresponde ao licenciamento compulsório. Há muito a dizer sobre esse assunto, que é da maior relevância. Limito-me a dois breves comentários.
O primeiro comentário é que o maior gargalo hoje, para o acesso a vacinas, são os limites materiais da capacidade de produção. E o fato é que, segundo os especialistas, vacinas são quase impossíveis de copiar, a curto ou médio prazo, sem o apoio dos laboratórios que as desenvolveram – mesmo com o auxílio da patente. Os países de menor desenvolvimento relativo já contam com uma moratória aplicável a todo tipo de propriedade intelectual e nem por isso, infelizmente, têm conseguido assegurar suprimentos de imunizantes.
Isso dito – e este é o segundo comentário –, sabemos que, sendo preciso, o Acordo TRIPS da OMC (sobre direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio) e a própria lei brasileira já permitem o licenciamento compulsório de patentes de forma ágil e adequada, sem qualquer ruptura com nossos compromissos internacionais.
Mais adiante, terei prazer em retomar a questão, nas suas implicações diplomáticas, se assim desejarem Vossas Excelências.
Por fim, na nossa vizinhança, o esforço do Brasil é para que continue a predominar o signo da cooperação no tratamento da pandemia.
Temos procurado manter as fronteiras abertas, respeitando as decisões soberanas de cada país em matéria sanitária.
No MERCOSUL, usamos recursos do FOCEM, o Fundo de Convergência Estrutural do bloco, para medidas de teste e prevenção contra a COVID-19. No PROSUL, o foco em 2020 e 2021 tem sido a colaboração no combate à pandemia, mediante busca de fontes de financiamento para necessidades comuns.
Reitero: estamos intensificando e melhor articulando, em distintos planos, as ações da nossa diplomacia da saúde.
Senhora Presidente,
Outra área em que o brasileiro tem pressa, e com razão, é a econômica. Quando superávamos uma severa recessão, eclodiu a pandemia. E o resultado, na economia, é o que conhecemos: redução da atividade e desemprego.
Temos todos em mente que a retomada de um ciclo virtuoso de crescimento e de geração de empregos, e empregos de qualidade, depende largamente dos esforços que levamos adiante aqui dentro. Trajetória de equilíbrio fiscal, marcos regulatórios ajustados às realidades contemporâneas, mercado de crédito mais competitivo, avanços em infraestrutura: esses são alguns dos itens de uma agenda em que o Congresso é claramente decisivo e que Vossas Excelências tão bem conhecem.
Mas há uma vertente em que a política externa tem aportes significativos a oferecer nesse processo: a vertente da diplomacia econômica, que também passa pelo Senado e que Vossas Excelências também conhecem bem. Se eu tivesse de resumir, diria que uma diplomacia econômica atrelada às necessidades do Brasil, como pretendemos seja a nossa, deve concorrer para que o País esteja cada vez mais e melhor integrado aos fluxos globais de comércio, investimentos e conhecimento – sempre à luz dos nossos valores e interesses.
Essa é a lógica que permeia nossa ação externa no domínio econômico; que preside nossa atuação no MERCOSUL; que nos guia nos foros multilaterais, como a OMC; que impulsiona nossa aproximação com a OCDE; que inspira, enfim, nossas medidas de atração de investimentos, para o PPI e para além dele.
No MERCOSUL, ao lado da pauta de dinamização do bloco, temos dado especial atenção às negociações de acordos comerciais com parceiros externos. O horizonte é a abertura de mais mercados para nossas exportações, é a obtenção de maior acesso a importações de alto conteúdo tecnológico. Queremos, em suma, ampliar nossa competitividade. Num mundo que, com todos os sobressaltos, continuará marcado pela globalização econômica, essa é a via a seguir.
Nesse espírito, temos negociações em curso, vale lembrar, com Canadá, Singapura, Coreia do Sul e Líbano. Propusemos o início de negociações a todos os países da América Central. Estamos prontos a aprofundar os acordos que temos com o México, a Índia e Israel. E estamos explorando o terreno para negociações abrangentes com os Estados Unidos, o Japão e o Reino Unido.
Creio oportuno repisar uma observação que tenho feito. Não se ignora, obviamente, que os sócios no MERCOSUL podem ter tempos diferentes quando se trata de iniciar novas negociações, de apresentar ofertas, de concluir processos em curso. São diferenças naturais, que devem ser respeitadas. Mas estamos convencidos de que o MERCOSUL é capaz das flexibilidades necessárias para o progresso da sua pauta de negociações externas.
Outra prioridade nossa tem que ver com o acordo MERCOSUL-União Europeia, cuja aprovação na Europa encontra resistências. A essas resistências, que vêm disfarçadas em preocupações ambientais, temos procurado reagir com fatos. Alguns buscam apresentar objeções com base em questões de proteção ambiental que, embora reflitam temática cada vez mais dominante na opinião pública e mesmo nos hábitos pessoais do eleitorado dos países europeus, refletem agendas de viés claramente protecionista.
O esforço não é simples; há uma acirrada disputa de narrativas. Em nosso favor, temos a realidade de uma produção agropecuária que, intensiva em tecnologia, é altamente sustentável; uma matriz energética das mais limpas do mundo; um acordo, como o que desenhamos com os europeus, que incorpora o mais moderno capítulo de desenvolvimento sustentável entre os negociados até então pela União Europeia. Este último dado, de resto, é reconhecido pelo próprio Comissário de Comércio da UE.
Ainda assim, o Brasil está aberto à negociação de um documento paralelo (uma “side letter”), para reafirmar os compromissos em matéria ambiental e social. O que nos cabe evitar, penso eu, é a reabertura do acordo, de um acordo que resultou de negociação longa e complexa.
Senhora Presidente, Senhoras Senadoras, Senhores Senadores,
Para além do MERCOSUL, também bilateralmente estamos engajados com uma multiplicidade de parceiros em pauta que poderíamos caracterizar como de prosperidade compartilhada. Ficarei com alguns exemplos.
O acordo de livre comércio com o Chile, firmado em 2018 e hoje em tramitação na Câmara dos Deputados, é um exemplo. É o mais amplo acordo comercial assinado pelo Brasil em temas não tarifários. Contempla compras governamentais, serviços, investimentos, facilitação de comércio, regulamentos técnicos. Tem o potencial de trazer ganhos concretos para nossa indústria e nosso agronegócio. Deverá facilitar a aprovação dos estabelecimentos exportadores do nosso setor de carnes. Deverá reduzir significativamente a burocracia para todo o comércio. Apelei aos deputados e deputadas presentes na semana passada por uma tramitação tão expedita quanto possível deste importante acordo com o Chile, apelo que antecipo hoje a Vossas Excelências para quando este acordo chegar a esta Casa.
Com os Estados Unidos, concluímos um Protocolo sobre Regras Comerciais e de Transparência assinado em outubro passado e enviado pela Presidência da República ao Congresso Nacional no último dia 26 de abril. O Protocolo está totalmente em linha com os objetivos do Acordo de Comércio e Cooperação Econômica Brasil-Estados Unidos, de 2011, e é composto por três anexos: i) facilitação de comércio e administração aduaneira; ii) boas práticas regulatórias; e iii) anticorrupção. O instrumento tem por objetivo simplificação de trâmites de comércio exterior e diversificar os fluxos bilaterais de comércio e investimentos. Também aqui me permito apelar, quando chegar o momento de o Senado avaliá-lo, por uma tramitação tão célere quanto possível.
A China, como não poderia deixar de ser, é outro país junto ao qual trabalhamos prioritariamente. Trata-se, é evidente, do maior parceiro comercial do Brasil e de um dos cinco maiores investidores estrangeiros no país. Não mencionarei muitos números, até porque são conhecidos. Direi apenas isto: o comércio bilateral cresceu em 2020, apesar da pandemia, para volume recorde de US$ 102,5 bilhões, com saldo superavitário, também recorde para o Brasil, de US$ 33 bilhões. E, no primeiro trimestre de 2021, já há mostras de que essa tendência deve perdurar.
Mas queremos um relacionamento econômico-comercial com a China ainda maior, e também mais diversificado. Nossas exportações para a China, ainda concentradas em poucos produtos primários, poderão expandir-se em quantidade e em variedade. Caminhos possíveis passarão pela aprovação de mais Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e pelo aumento da venda de proteína animal, com a habilitação de mais estabelecimentos.
Está por novamente reunir-se, em princípio no segundo semestre do ano, a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, a COSBAN. É um foro de alto nível e, do lado brasileiro, liderado pelo Vice-Presidente da República, Hamilton Mourão. Será oportunidade para o encaminhamento de questões que ajudarão a intensificar o comércio, os investimentos e a cooperação com a China.
Destaco aqui a Vossas Excelências que a 5ª edição da COSBAN, realizada em maio de 2019, em Pequim, havia determinado atualização da estrutura da Comissão e elaboração de novo Plano para a cooperação bilateral, cabendo ao Brasil preparar as duas propostas iniciais.
O projeto do Governo brasileiro de reestruturação da COSBAN trabalha em três eixos: i) economia, comércio e infraestrutura; ii) ciência, tecnologia e inovação; e iii) cooperação. O Plano Estratégico Brasil-China (2022-2031), por sua vez, orientará as relações bilaterais na próxima década. Constituirá marco institucional para que ações específicas sejam acordadas, tais como iniciativas para diversificar e ampliar o comércio bilateral e novos projetos de cooperação entre os dois países.
Ainda na manifestação bilateral da nossa diplomacia econômica, o empenho junto aos países árabes tem igualmente rendido frutos. Temos apresentado a potenciais investidores na região oportunidades de negócio no Brasil. O Fundo de Investimento Público saudita, por exemplo, sinalizou planos de investir até US$ 10 bilhões no Brasil. Os países do Golfo, que contam com alguns dos maiores fundos soberanos no mundo, mantêm já expressivos investimentos no Brasil, mas queremos mais – e a carteira do PPI tem despertado particular interesse a esses fundos.
Na esfera comercial é também nítida a complementaridade entre as economias do Brasil e dos países árabes em geral. A exportação de produtos brasileiros halal é hoje sinônimo de confiança mútua. Planejamos novas visitas de alto nível, para aprofundar um relacionamento que, já significativo, é ainda promissor.
Registro também progressos na agenda econômica com Israel. Em especial, temos uma parceria bilateral em defesa que envolve a integração de cadeias de produção. São investimentos e transferência de tecnologia que contribuem para o desenvolvimento da nossa indústria de defesa, segmento tão rico em inovação.
Senhora Presidente, Senhoras e Senhores,
Outra tradição do Brasil é o fomento do comércio nas instâncias multilaterais. Uma reforma bem conduzida da OMC será instrumental para que a Organização ganhe nova vitalidade e concorra para a recuperação da economia mundial no pós-pandemia.
Seguimos engajados nas negociações para a 12.ª Conferência Ministerial da OMC, no final do ano. Uma reforma bem conduzida da OMC será instrumental para que a Organização ganhe nova vitalidade e concorra para a recuperação da economia mundial no pós-pandemia.
O Brasil, na OMC, busca, prioritariamente: combater restrições a exportações de bens agrícolas e subsídios que distorcem o comércio desses bens; eliminar subsídios à pesca ilegal e subsídios distorcivos no setor; conceber um acordo sobre facilitação de investimentos baseado em maior transparência e na simplificação de procedimentos; completar nossa acessão ao Acordo sobre Contratações Governamentais da Organização; concluir acordo sobre comércio eletrônico; e concluir acordo sobre regulamentação doméstica de serviços.
Do ponto de vista da modernização da nossa economia, não menos importante é a crescente aproximação com a OCDE. Já somos o país não membro mais alinhado às práticas da Organização. Há, sim, desafios para nossa acessão plena – assim são esses processos. Mas será desdobramento natural de uma relação que já é antiga e que é cada vez mais densa.
Também aqui, somos movidos por nossos valores e interesses. Identificamos na OCDE, hoje, um espaço privilegiado de intercâmbio sobre políticas públicas de ponta; de convergências regulatórias; de construção de padrões que terão impacto sobre as decisões de comércio e de investimento mundo afora. É por isso que, com pragmatismo, participamos das atividades da Organização.
Gostaria de fazer uma merecida e devida menção à África. A África é uma fronteira agrícola de grande potencial e, não menos importante, vem-se firmando como uma das regiões de maior crescimento econômico mundial. Acompanhamos com muito interesse o potencial econômico-comercial aberto pela implementação da Zona de Comércio Livre Continental Africana, desde 1º de janeiro de 2021, uma das mais arrojadas decisões de integração na história. Notamos, especialmente, o seu potencial de formar um mercado de 1,3 bilhão de habitantes, com um PIB de mais de US$ 3 trilhões, e a ambição de duplicar o comércio intra-africano no curto prazo, ao longo dos próximos anos.
O Governo do Presidente Bolsonaro tem buscado dar novo impulso às relações com a África, articulando uma visão em torno dos pilares de comércio com protagonismo do setor privado, maior estruturação do diálogo em segurança e defesa, cooperação técnica e valores compartilhados.
O pilar de cooperação técnica, em especial, privilegia a transferência de capacidades com vistas ao desenvolvimento do continente. Há diversos projetos em andamento ou concluídos com sucesso, na área da saúde (como os bancos de leite humano, o combate à tuberculose e ao HIV e a produção de antirretrovirais), de agricultura (como os vários programas relacionados ao cultivo de algodão, café, cana e mandioca), entre outras. Esperamos estar habilitados, em futuro próximo, a fortalecer a vertente da diplomacia da saúde em nossas relações com o continente africano.
Senhora Presidente,
A questão da mudança do clima – e as questões ambientais e, mais amplamente, de sustentabilidade – representam, para o Brasil, uma oportunidade.
É do interesse do Brasil preservar os seus biomas – porque eles são um patrimônio valioso, e da sua preservação dependem as gerações futuras. E é do interesse do Brasil mostrar ao mundo que de fato os preservamos, por meio de uma agropecuária que vive da tecnologia e de uma legislação ambiental das mais rigorosas – porque, hoje, mostrar sustentabilidade é medida de acesso a mercados e a investimentos.
Pois as mensagens que o Presidente Bolsonaro transmitiu na semana passada, por ocasião da Cúpula do Clima, apontam, justamente, para um país que, nas suas palavras, “está na primeira linha do combate ao aquecimento global”.
O Presidente pôs na justa perspectiva a participação do Brasil na mudança do clima. Lembrou que a queima dos combustíveis fósseis ao longo dos últimos dois séculos é a causa maior do problema. Lembrou que o Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo. E que, atualmente, responde por menos de 3% das emissões globais anuais. Com isso, o Presidente ressaltou o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas – princípio pelo qual cabe às economias desenvolvidas parcela maior do ônus na empreitada da proteção ambiental.
O Presidente Bolsonaro também fez referência aos mais de 20 milhões de brasileiros que moram na Amazônia. São homens, mulheres e crianças que precisam de meios de vida sustentáveis e dignos. Não se pode querer preservar a floresta em prejuízo da qualidade de vida dessas pessoas. Está aí mais um exemplo da interdependência entre os pilares social, econômico e ambiental do desenvolvimento sustentável.
Ao mesmo tempo, o Presidente, no seu discurso, renovou o tradicional compromisso do País com a defesa do meio ambiente. Falou das nossas credenciais, salientou a ambição da nossa Contribuição Nacionalmente Determinada e fez anúncios que confirmam nosso continuado engajamento: a antecipação em dez anos, para 2050, da nossa meta de neutralidade climática; e o objetivo de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, além do compromisso com duplicação de recursos para fiscalização ambiental.
São mensagens que, veiculadas no mais alto nível, corroboram uma ideia que me parece crucial: não há por que adotarmos posturas defensivas em meio ambiente. Pelo contrário, temos o lastro de um acervo de realizações que se estende até o presente e que nos dá autoridade para uma atitude propositiva.
Trata-se de posição que reforcei em meu primeiro contato com o Enviado Especial do Governo norte-americano para o Clima, John Kerry, na videoconferência que mantivemos em 30 de abril. Discutimos sobre desafios comuns no enfrentamento da mudança do clima e sobre os compromissos anunciados pelos nossos mandatários na Cúpula do Clima. Fortalecemos compromisso de que Brasil e Estados Unidos seguirão trabalhando juntos para promover a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento sustentável.
Temos mantido e reforçado essa atitude propositiva também no plano regional – na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, no Pacto de Letícia, em iniciativas como o Fundo para o Desenvolvimento Sustentável e a Bioeconomia da Amazônia, do Banco Interamericano de Desenvolvimento. É essa atitude propositiva que nos tem caracterizado nas negociações multilaterais – será uma vez mais no caso na COP26, prevista para realizar-se em novembro, na Escócia.
Temos elevada expectativa para a COP26. Como se sabe, a conferência terá, como uma de suas missões, regulamentar os mecanismos de mercado de carbono previstos no Acordo de Paris. Esses mecanismos serão fonte de recursos para impulsionar a ação climática, inclusive no Brasil. Chegaremos à COP dispostos a construir consensos. E contamos com a mesma disposição por parte dos outros principais atores.
A frase pode estar batida, mas diz uma verdade: desafios globais requerem ações globais. E o Brasil, cito novamente o Presidente, está aberto à cooperação.
Senhora Presidente,
Esses são, de forma sucinta, alguns dos esforços com que buscamos dar sentido prático ao enfrentamento das nossas urgências. Urgências que, volto a dizer, refletem cada um dos três pilares do desenvolvimento sustentável: a urgência da saúde pública, que reflete o pilar social; a urgência da retomada do crescimento e dos empregos, que reflete o pilar econômico; e a urgência do combate à mudança do clima, que reflete o pilar ambiental.
Como os pilares do desenvolvimento sustentável, nossas urgências, se não se confundem, se acham intimamente interligadas. E é com essa perspectiva de conjunto que continuaremos a fazer-lhes frente.
Agradeço muito a atenção e coloco-me à disposição das Senhoras e dos Senhores Senadores.