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Discurso do Ministro Antonio de Aguiar Patriota por ocasião da solenidade em comemoração do Dia da África – Brasília, 25 de maio de 2011
Senhoras e Senhores,
Antes de mais nada, creio que falo em nome de todos, mas do Itamaraty muito particularmente, ao render homenagem a um dos brasileiros que mais lutaram pela igualdade racial, Abdias do Nascimento, falecido ontem.
Senador, deputado, jornalista, ator - ainda em 2006, já com mais de 90 anos, Abdias foi homenageado e teve participação destacada na II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, promovida, em Salvador, pelo Brasil e pela Comissão da União Africana.
O Brasil perde um cidadão de valor imenso, que continuará a inspirar, com seu legado, gerações de defensores da justiça social e da igualdade de direitos.
E eu pediria a todos que observássemos um minuto de silêncio em homenagem a Abdias do Nascimento. Muito Obrigado.
Tenho hoje a satisfação de recebê-los para a comemoração de uma data a um só tempo simbólica e plena de conteúdo: o Dia da África celebra o espírito de união dos povos africanos e convida a reflexões sobre conquistas alcançadas e novos desafios.
Para o Brasil, país que valoriza cada vez mais a fundamental contribuição africana no processo de formação de sua identidade, a comemoração do Dia da África ganha significado adicional. Para nós, brasileiros, o 25 de maio representa também a celebração dos laços que unem a África e o Brasil: não apenas os laços históricos, mas a dimensão atual de um relacionamento vivo, dinâmico e cada vez mais diversificado.
Neste ano de 2011, é interessante quantificar, em termos socioeconômicos, o que significou para a África a primeira década do Séc.XXI.
Na década que passou, a África apresentou índices de crescimento acima da média mundial. Dos dez países com maior crescimento, seis são africanos. O crescimento da África Subsaariana entre 2000-2010 foi em média de 5.7%, taxa que contrasta com os 2.4% das duas décadas anteriores. A alta dos preços de produtos de base explica apenas parte desse crescimento. Há que se considerar a ampliação dos mercados internos, processos de urbanização acelerados, melhores práticas de gestão e crescimento do investimento. A curva ascendente, especialmente índices de consumo interno com crescimento mais acentuado do que nos países desenvolvidos, levou o continente a recuperar-se da recente crise financeira com relativa rapidez.
Desafiando os céticos, a África aparece hoje no imaginário mundial como espaço em dinâmico processo de transformação política e econômica; um verdadeiro espaço de oportunidades. Aos investimentos que buscam desenvolver o potencial do continente na mineração e na agricultura, somam-se grandes projetos em telecomunicações, infra-estrutura e expansão bancária, entre muitos outros.
A rápida diversificação observada em várias economias, a partir das melhores condições básicas para a expressão do impulso de inovação – muito presente entre os africanos -, faz com que cresçam as expectativas de que a África venha a consolidar-se como um centro manufatureiro moderno, com crescente geração de emprego.
Esse cenário contribuiria para enfrentar o importante desafio de acolher nas grandes cidades africanas o contingente jovem que busca ingressar no mercado de trabalho, e não por acaso a União Africana escolheu como tema para o Dia da África de 2011 a “aceleração do emprego de jovens como fator de desenvolvimento sustentável”.
O continente africano encontrou o caminho da paz e da estabilidade. Diversos países tiveram transições democráticas bem sucedidas. Observa-se aperfeiçoamento institucional e crescente liberdade de expressão.
Ao longo desse período, a África desenvolveu parcerias que abriram novas alternativas ao, freqüentemente assimétrico, relacionamento norte-sul. Movido por um desejo de reconciliação plena com a sua própria história e de engajamento mais profundo com sua vizinhança no Atlântico Sul, o Brasil quer ser co-partícipe deste momento de transformações e renascimento da África.
O Governo da Presidenta Dilma Rousseff, comprometido em desenvolver as relações do Brasil com a África, conta hoje com sólidos instrumentos, estabelecidos ao longo da última década, para a ação diplomática inovadora e criativa.
Aumentamos nossa rede de Embaixadas, de modo a aperfeiçoar a atenção às especificidades das relações com cada país. Nos últimos anos, o Brasil abriu ou reativou Embaixadas em 19 países africanos (são hoje 37 embaixadas no total). Em 2010, com o estabelecimento de relações diplomáticas com a República Centro-Africana, passamos a ter relações com todos os 53 países da África, que, aliás, passarão a ser 54 esse ano, com o ingresso do Sudão do Sul nas Nações Unidas. Esse movimento tem sido de mão dupla: desde 2003, dezessete Embaixadas africanas foram instaladas em Brasília, tornando a cidade a capital latino-americana com o maior número de Embaixadas africanas.
Investimos em amplo programa de cooperação técnica, que objetiva compartilhar experiências que tiveram êxito no Brasil. Uma das ênfases tem sido a agricultura, reflexo de percepção da existência de grande potencial nessa área, e do amplo conhecimento adquirido, no Brasil, na superação de desafios agrícolas a partir de pesquisa aplicada. A preocupação com a saúde também é fruto do interesse em projetar, em solo africano, histórias de sucesso identificadas dentre as políticas públicas brasileiras, do que são exemplo ações de combate ao HIV/AIDS e à anemia falciforme.
A sociedade brasileira tem participado, com entusiasmo, desse processo. O interesse cultural, que sempre existiu, ganhou novo fôlego nos últimos anos. Festivais, exposições e eventos culturais que celebram as afinidades espontâneas entre o Brasil e a África têm-se realizado com regularidade.
As entidades de promoção da igualdade racial e de valorização da cultura negra são verdadeiros motores do movimento que aproxima Brasil e África, e traduzem anseios da sociedade brasileira que, na verdade, independem de considerações de política externa. O Brasil defendeu a declaração, pelas Nações Unidas, de 2011 como Ano Internacional dos Afrodescendentes. Doravante, a cada 25 de maio, o Brasil poderá comemorar a determinante matriz africana na composição de sua identidade. E aproveito para lembrar que o Censo de 2010 revelou um Brasil majoritariamente afrodescendente.
No meio acadêmico, o interesse pela África é renovado. Hoje celebramos o início das atividades da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em Redenção, no Ceará. O projeto da UNILAB traz a perspectiva de uma nova e mais amadurecida etapa em nossa cooperação educacional. No ensino médio, a disciplina de História da África vem preencher, a bom tempo, lacuna que não podemos mais admitir.
A iniciativa privada brasileira despertou para as oportunidades do “renascimento” africano: o comércio entre Brasil e África passou de US$ 5 bilhões, em 2002, a US$ 25,9 bilhões, em 2008. Apesar da retração verificada em 2009, por conta da crise financeira mundial, a recuperação em 2010 revelou o expressivo índice de crescimento, no período, de 240%. Temos investimentos importantes em diversos países, principalmente em construção e mineração. O desafio, agora, é diversificar as pautas comerciais e os investimentos, com a progressiva estruturação de mecanismos de incentivo que permitam que mais empresas cruzem o Atlântico. A conectividade aérea e marítima permanece muito aquém das possibilidades, e seu incremento continuará a ser um objetivo estratégico.
Em paralelo ao relacionamento bilateral com os países do continente individualmente, o Brasil estabeleceu interlocução com vários organismos regionais africanos, multiplicando nossa capacidade de coordenação sobre temas de interesse mútuo.
Participamos das atividades da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em suas vertentes de concertação político-diplomática, de difusão da língua portuguesa e de cooperação. Em 2006, o Brasil estabeleceu representação diplomática própria junto à CPLP, em Lisboa. Hoje, temos representação residente em todos os países da CPLP.
Lembraria a realização de duas edições, em 2006 e em 2009, da Cúpula América do Sul-África (a ASA, como é conhecida). As Cúpulas oferecem oportunidade valiosa para a definição de setores e modalidades de cooperação e de concertação interregionais. Esperamos que a terceira Cúpula ASA possa ser confirmada para muito em breve.
Favorecemos a revitalização da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). Além de seus objetivos originais, voltados à preservação da paz e da segurança na região, queremos atualizar a iniciativa com novos temas como a proteção do meio ambiente marinho e a cooperação científica e tecnológica.
Dedicamos especial interesse à promoção de diálogo mais intenso com a União Africana, foro incontornável de articulação e deliberação que impulsiona políticas continentais em várias áreas, da economia à cultura, da agricultura ao desenvolvimento social. Brasil e União Africana assinaram, em 2007, Acordo-Quadro de Cooperação Técnica, o qual entrou em vigência em fevereiro de 2009.
No tratamento de questões de paz e segurança, a União Africana tem constituído instância importante a nortear as posições brasileiras (um bom exemplo atual é o caso da Líbia). Valorizamos a capacidade africana de compreender e buscar soluções criativas para as questões regionais. Valorizo muito também, pessoalmente, o que considero a sabedoria africana. Em coordenação com a ONU, a União Africana poderá assumir responsabilidades crescentes. O Conselho de Segurança da União Africana é fonte de inspiração para nossos esforços de integração sul-americana. E desnecessário lembrar que o Brasil defende, em uma reforma das Nações Unidas que inclua novos membros permanentes, um Conselho de Segurança ampliado com representação adequada da África.
O Brasil mantém observadores militares, policiais ou oficiais no Estado-Maior de várias missões de Paz em Côte d’Ivoire (UNOCI), Sudão (UNMIS), Libéria (UNMIL), Guiné-Bissau (UNIOGBIS). Presidimos, ademais, a configuração para Guiné-Bissau da Comissão de Construção da Paz.
Senhoras e Senhores,
Não poderia deixar de referir-me a dois acontecimentos que tornam 2011 um ano de grande relevância na história africana.
A “Primavera Árabe” acontece no norte do continente, mas as vozes vigorosas que se mobilizam por mudanças são ouvidas em toda parte. O Brasil defende o direito à manifestação pacífica e condenou o uso da violência contra manifestantes desarmados. Aspirações por maior participação política e melhores perspectivas de emprego e renda, por liberdade de expressão e respeito aos direitos humanos, devem encontrar canais de expressão, para serem levados em consideração.
Tive a satisfação de testemunhar, em recente viagem ao Cairo, o orgulho do povo egípcio em descrever as transformações em curso no país. Na ocasião, manifestei o interesse brasileiro – que existe também com relação a outros países do norte da África e do Oriente Médio - em cooperar, da forma que o país considere adequada, para o encaminhamento das diferentes situações, e o aprimoramento das instituições com o restabelecimento de crescimento econômico e oportunidades adicionais, sobretudo para os jovens, que são o tema desse ano dos afrodescendentes e do Dia da África.
O outro acontecimento que figurará com destaque nas análises futuras sobre 2011 é a criação de um novo Estado africano, do Sudão do Sul, por meio de consulta popular. O Brasil saudou as partes envolvidas pelo bom encaminhamento do processo, e vem acompanhando os preparativos para a implementação das decisões, o que envolve a superação de alguns pontos ainda controversos, em particular a situação de Abyei. Há importantes empreendimentos agrícolas com participação brasileira no Sudão, e esperamos ter também presença no Sudão do Sul. Os dois países têm potencial para tornarem-se verdadeiros celeiros para a região nordeste da África.
Senhoras e Senhores,
Queridos colegas africanos,
Nesse contexto de importantes mudanças, o Brasil pretende continuar a ser percebido pela África como um amigo para o desenvolvimento. Temos objetivos comuns, amplos recursos humanos e naturais, e muita disposição. Nossos laços, tanto os históricos como os recentemente constituídos, representam a trama que nos dá segurança para pensar com ousadia e agir com otimismo.
Muito obrigado.