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O Brasil voltou, para fazer a diferença (O Globo, 24/11/2024)
Mauro Vieira
A retomada, pela política externa do presidente Lula, do lugar de relevância do Brasil nas discussões diplomáticas globais — sintetizada na frase “O Brasil voltou” — não é um fim em si mesmo, tampouco um lema vazio de conteúdo. O objetivo desse esforço é beneficiar a população por meio de uma inserção internacional à altura do país. Os ganhos resultam de um diálogo com o mundo que gera mais oportunidades por meio do comércio, dos investimentos e de parcerias nas mais diversas áreas, entre elas a cultural e a científica.
O presidente Lula assumiu seu atual mandato em meio a um cenário externo desafiador. O Brasil estava ausente das discussões relevantes e em atrito com vários de seus principais parceiros, pela imperícia da diplomacia presidencial do governo anterior. Ao convidar-me para voltar ao comando do Itamaraty, o presidente resumiu numa expressão, “reconstruir pontes”, a principal missão inicial no plano externo.
Em pouco menos de dois anos, relações bilaterais com parceiros importantes foram recompostas, e novas frentes de diálogo foram estabelecidas, como nos casos da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean, na sigla em inglês) e dos países do Golfo Pérsico. A triste e inédita condição de “pária orgulhoso” fica para a história como um erro do governo anterior a não ser repetido jamais.
O resgate da credibilidade internacional do Brasil requereu forte engajamento do Itamaraty e da diplomacia presidencial: de janeiro de 2023 para cá, o presidente Lula manteve reuniões com chefes de Estado e de governo de 67 países. Em sintonia com a mesma orientação, já me reuni com 126 chanceleres diferentes. Num desses primeiros contatos, fui saudado por um colega europeu com a frase “como é bom ter o Brasil de volta, sentimos muito a falta de vocês”.
O Brasil voltou e abriu caminhos para seus cidadãos e suas empresas, por meio do bom diálogo diplomático. Em trabalho conjunto do Ministério da Agricultura e Pecuária e do Itamaraty, na atual gestão foi registrada a abertura de 281 mercados no mundo para diferentes setores do agronegócio.
Esse trabalho vem ocorrendo num período histórico de turbulências, de desafios em matéria de governança e de crise do multilateralismo. O sistema multilateral tem sido incapaz de dar respostas eficazes diante dos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio ou da virtual paralisia da Organização Mundial do Comércio, que já dura anos. No atual contexto global, a lei do mais forte tem prevalecido sobre regras básicas do Direito Internacional, em especial do Direito Humanitário.
Para um país como o Brasil, historicamente engajado na promoção da paz, do multilateralismo e da construção de regimes e regras eficazes, o predomínio da lei do mais forte é inaceitável. Tampouco é tolerável a perpetuação de desigualdades e de flagelos como fome e pobreza.
Esse diagnóstico orientou a definição das prioridades da presidência brasileira do G20 — combate à fome e à pobreza, reforma da governança global e enfrentamento da crise climática. Nas três frentes, ao longo do ano e de cerca de 20 reuniões ministeriais, a presidência brasileira foi capaz de articular consensos e oferecer, na cúpula do Rio, o principal legado do país: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Sem jamais perder de vista sua condição de país democrático e seu pertencimento ao Ocidente, o Brasil fez valer seu maior ativo, o canal aberto junto a todos os países e blocos no mundo.
Não é comum que uma reunião das grandes economias mundiais produza um plano concreto de enfrentamento da fome. A partir de agora, experiências brasileiras exitosas, como o Bolsa Família e programas de merenda escolar e de apoio à agricultura familiar, ajudarão a orientar o caminho de países ainda em busca de soluções.
A presidência brasileira do G20, mesmo com o multilateralismo em crise, mostrou que ainda é possível fazer a diferença e construir consensos. As pontes reconstruídas nesses dois anos foram essenciais para o êxito brasileiro nessa tarefa.
*Mauro Vieira é ministro das Relações Exteriores