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É hora de dar voz aos que querem a paz na Ucrânia (O Estado de S.Paulo, 24/2/2023)
Um ano após a invasão do território ucraniano por forças russas, que deu início à guerra, o impasse armado no terreno, a retórica triunfalista de ambas as partes e as informações de inteligência sobre a perspectiva de novas ofensivas militares predominam. A cobertura da mídia reflete essa realidade, a de um conflito cujas perspectivas de solução imediata são – é preciso reconhecer – escassas.
O presidente Lula tomou posse neste contexto internacional desafiador, e desde então tem deixado clara a posição do Brasil, fiel à nossa tradição diplomática. Como ponto de partida, é inequívoca a condenação da invasão russa e da violação territorial de um Estado soberano, a Ucrânia.
Mas, um ano depois, a compreensão do governo brasileiro é a de que, em meio ao coro mais estridente, e de vozes poderosas, focadas na guerra e na sua forte dimensão geopolítica, chegou a hora de também dar voz aos que querem falar em caminhos para a construção da paz. O presidente Lula fez uma opção clara e pública nesse sentido.
O atual governo não desconhece que esforços anteriores em favor de um entendimento lograram apenas avanços pontuais, em questões humanitárias ou na possibilidade de retomada de exportação de grãos a partir dos portos ucranianos. O Brasil não chega para o debate em curso, portanto, com a pretensão de apresentar uma solução pronta. Chega, sim, para ouvir e para dialogar com os países e blocos dispostos a explorar o caminho do entendimento – e há vários países relevantes entre eles. Estou convencido de que a busca de novos avanços, ainda que pontuais, é passo necessário para iniciativas mais ambiciosas em matéria de paz.
A eventuais críticas internas a essa posição brasileira, em geral por um alegado excesso de protagonismo no cenário internacional a esta altura do conflito, respondo com fatos: seja nos contatos mantidos até agora pelo presidente Lula com 15 Chefes de Estado e de governo, seja nas mais de 40 reuniões que mantive com chanceleres, dirigentes de organismos internacionais e com outros chefes de Estado e de governo, a posição brasileira no conflito é bem compreendida. E vários desses interlocutores chegam a sugerir que ela é bem-vinda a esta altura, ainda que sejam pessimistas quanto ao fim do conflito no futuro mais imediato.
Da minha recente participação na Conferência de Segurança de Munique, na semana passada, à margem da qual mantive 21 encontros bilaterais em dois dias, trouxe – e transmiti ao presidente Lula – a convicção de que países relevantes como o Brasil, que não estão diretamente envolvidos no conflito, têm um papel construtivo a desempenhar no debate a partir de agora. Em nenhum dos encontros citados, entre eles com os chanceleres da Ucrânia e de vários outros países, ouvi qualquer crítica à disposição brasileira de explorar, em conjunto com outros interlocutores, caminhos que busquem criar as condições para o fim do conflito. Nossa atuação na deliberação sobre a mais recente resolução da Assembleia Geral da ONU sobre a guerra foi nesse sentido, o de conclamar as partes a cessarem hostilidades, termo que aparece pela primeira vez nos debates, por sugestão do Brasil.
Essa linha de atuação não perde de vista, em nenhum momento, o drama humano que chega diariamente às casas de todos, em especial das comunidades de imigrantes ucranianos e russos e de seus descendentes aqui radicadas. E tampouco ignora o impacto macroeconômico nacional e global da guerra, em particular no que se refere à elevação de custos de insumos para a produção agrícola e dos alimentos.
O Brasil continuará a perseverar nesse caminho, já a partir da reunião ministerial do G-20 em Nova Délhi, na semana que vem, da qual farei parte. E conta, neste momento, com suficiente massa crítica na comunidade internacional para que as vozes em favor do entendimento ganhem maior poder de influência nos movimentos e conversações capazes de evitar, no futuro, novas datas sobre a duração da guerra, como a triste marca de um ano completada hoje.