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A presidência brasileira do CSNU (O Estado de S.Paulo, 6/10/2023)
O Brasil assumiu por um mês, no dia 1.º de outubro, a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Trata-se de enorme responsabilidade em momento difícil de crise do sistema multilateral.
O atual mandato brasileiro como membro do conselho (2022-2023) coincidiu com a eclosão da guerra na Ucrânia, o que provocou acentuada polarização no órgão. As consequências desse conflito são sentidas em várias partes do mundo, sobretudo por suas pressões adicionais sobre a segurança alimentar e energética dos países em desenvolvimento que sofrem com altas taxas de juros e os efeitos da pandemia de covid-19.
Não podemos nos esquecer, ademais, dos outros desafios à paz e à segurança internacional existentes. O período tem sido marcado, entre outros, pelo agravamento da violência no Haiti, pelo recrudescimento das tensões na península coreana, pela deterioração de crises na África e pelo prolongamento de conflitos no Oriente Médio. O povo palestino aguarda há 75 anos a concretização de seu inalienável direito à autodeterminação e sofre com a escalada de violência, que registra, em 2023, o maior número de mortes de civis na Cisjordânia desde 2005.
Como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da 78.ª Sessão da Assembleia-Geral da ONU, o Conselho de Segurança vem perdendo progressivamente sua credibilidade. Contribui para tanto, como sublinhou o presidente, a ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas à revelia do Direito Internacional. Frustrando um quarto da humanidade, que vive em áreas hoje afetadas por conflitos, o CSNU tem-se mostrado frequentemente incapaz de atuar, em razão de rivalidades geoestratégicas.
Estou convencido, entretanto, de que o sistema de segurança coletiva instituído pela Carta das Nações Unidas permanece nossa melhor opção. É imperativo reformar o Conselho de Segurança, de modo a torná-lo mais representativo da diversidade de vozes que hoje compõem as Nações Unidas. Somente com mais países em torno da mesa de negociações a lógica de rivalidade que paralisa o conselho poderá ser superada. Ganha o CSNU. Ganha o mundo.
Na presidência do conselho, o Brasil dará ênfase à necessidade de retomar o diálogo sobre a paz, conforme preconiza a Carta da ONU em seu capítulo VI. Não há solução duradoura que não esteja baseada na negociação e ancorada no desenvolvimento. E, sem espaço para diálogo, não há caminhos para a paz, somente o abismo da guerra.
É preciso revitalizar o papel do Conselho de Segurança como promotor de soluções pacíficas e preventivas. Por isso, o Brasil organizará debate de alto nível com vistas a trocar experiências sobre prevenção, mediação e construção de confiança, a partir de arranjos regionais, sub-regionais e bilaterais. O debate refletirá a tradição diplomática brasileira de privilegiar vias políticas e diplomáticas para a solução de conflitos.
A busca pela paz sustentável é um compromisso da diplomacia brasileira. E não há paz sustentável sem o pleno envolvimento das mulheres. Por essa razão, o Brasil organizará, ainda, o debate anual sobre a Agenda de Mulheres, Paz e Segurança, com foco na participação efetiva das mulheres em todas as etapas de formulação e de implementação do processo de paz. Estudos indicam que a participação das mulheres aumenta a probabilidade de que negociações de paz cheguem a bom termo e amplia a durabilidade dos acordos alcançados. Na ocasião, lançaremos a primeira etapa do II Plano Nacional de Ação sobre Mulheres, Paz e Segurança, conforme recomendado por resolução do CSNU.
O programa de trabalho para o mês de outubro não termina com os dois eventos promovidos pelo Brasil. Constam da agenda do conselho, entre outros temas para consideração, as situações no Iêmen e na região dos Grandes Lagos, além das revisões dos mandatos das missões da ONU na Colômbia, na Líbia, no Saara Ocidental e na Somália. Estão previstos, ainda, o debate sobre a questão israelo-palestina e a reunião anual entre o CSNU e o Conselho de Paz e Segurança da União Africana.
No primeiro dia da presidência brasileira, o conselho autorizou a Missão de Apoio Multinacional à Segurança (MSS) do Haiti, por um período de um ano. Trata-se de um exemplo claro de ação construtiva no âmbito do órgão, cujo resultado decorre de bem-sucedido esforço de diálogo e convencimento da diplomacia brasileira com os demais integrantes nas últimas semanas. O acesso do Brasil a todos os interlocutores da comunidade internacional revela-se, em contextos como o da decisão sobre o Haiti, um ativo capaz de romper impasses e superar resistências.
Promover a paz e construir um mundo mais justo para todos são objetivos da ONU e também do Brasil. A presidência brasileira do CSNU no mês de outubro busca valorizar a diplomacia como ferramenta para a obtenção da paz. Se é verdade que o fracasso da diplomacia pode levar à guerra, também é verdade que sem a diplomacia não haverá paz.