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Texto-base para a intervenção do ministro Aloysio Nunes Ferreira na abertura do seminário Brasil-China promovido pela Folha de S. Paulo – 6 de setembro de 2018
Importância da relação Brasil-China
As sólidas relações entre o Brasil e a China se fundam no reconhecimento de grandes complementariedades comerciais e econômicas e de significativas convergências entre as políticas externas dos dois países, ciosos de sua independência e autonomia.
Essas convergências, que se ampliam nesse momento de questionamento, e mesmo de ameaça, ao multilateralismo que defendemos, permitiram a criação de diversos grupos relevantes integrados por Brasil e China, com destaque para os BRICS e o BASIC. As relações bilaterais se beneficiam também da ausência de irritantes mais difíceis de contornar (como disputas territoriais e rivalidades geopolíticas)
Com a China, precisamos garantir relações simétricas e equilibradas, a despeito da crescente disparidade entre o tamanho das duas economias.
A agenda do Seminário Brasil-China, organizado pela Folha, com o patrocínio da APEX, trata da essência do que temos a refletir sobre a relação entre o Brasil e a China, pautada nos seguintes pontos:
• Como ampliar a pauta exportadora;
• Como incentivar um número maior de empresas brasileiras a chegar ao mercado chinês e também a investir na China;
• Como maximizar os ganhos derivados da presença do investimento chinês no Brasil;
• O que podemos fazer juntos, os dois países, em matéria de inovação.
Os debates sobre a realidade chinesa e a relação entre a China e o Brasil têm-se multiplicado nos últimos anos. Isso reflete não só a relevância que a China adquiriu no cenário internacional, mas também sua visibilidade crescente no nosso país. Nossa relação está fadada a se ampliar, dada a sinergia de nossas duas economias, a identidade entre brasileiros e chineses em matéria de empreendedorismo e a empatia natural entre os nossos povos. Eu me arriscaria a dizer que se olharmos o quadro das grandes economias de renda média, poucos países terão um potencial para a cooperação bilateral tão elevado como o potencial da cooperação Brasil-China. Precisamos saber aproveitá-lo com eficiência, bom senso, entusiasmo e realismo.
O número de think tanks, universidades e instituições brasileiras que acompanham o desenvolvimento da China também se ampliou recentemente. Há alguns anos, a maioria dessas instituições olhava a China apenas com o propósito de avaliar o crescimento de sua economia e o impacto desse crescimento para nossas exportações. Hoje há um conjunto de atores, empresas e instituições no Brasil que buscam entender o país de uma forma mais profunda. Não só entender os fatores que levaram a China a se tornar segunda maior economia mundial e a contribuir com 30% do crescimento do produto no globo, mas também lançar um olhar para o futuro. É sempre mais simples explicar o passado do que buscar avaliar o alcance do que vem pela frente. Mas é necessário pensar adiante.
A China, com seus múltiplos programas apontando para o futuro, como o Made in China 2025, o One Belt One Road, a meta de chegar a ser, nas palavras do próprio presidente Xi Jinping, uma sociedade moderadamente próspera em 15 anos e um grande país socialista moderno a partir de 2035, de alguma maneira força os seus parceiros a pensarem sobre o longo prazo. Meu propósito esta manhã, no entanto, é menos ambicioso. Gostaria de lhes dar um brevíssimo relato do que pudemos fazer nos dois últimos anos e formular algumas reflexões sobre a rota adiante.
A relação com a China no período 2017-2018
Nos últimos dois anos, a relação com a China desenvolveu-se de forma muito positiva:
Recuperamos o Diálogo Estratégico de Chanceleres, que estava interrompido havia algum tempo.
Realizamos duas visitas presidenciais, além de um encontro entre os presidentes Temer e Xi Jinping à margem da reunião do BRICS.
Ampliamos a agenda econômica, nela integrando novos temas como serviços e cooperação em tecnologia digital.
Revisamos a estrutura dos vistos, passando a dar vistos de cinco anos e múltiplas entradas e começando a operar na China através dos Visa Centers.
Fortalecemos a cooperação "pessoa a pessoa", para utilizar um termo apreciado pelos chineses, com os acordos de produção cinematográfica e de cooperação esportiva e a realização de eventos culturais verdadeiramente inovadores.
Em outras palavras, pudemos implementar uma agenda abrangente e, em larga medida, inovadora, num contexto em que os programas tradicionais continuaram funcionando. A corrente de comércio cresceu 44,5% – enquanto a corrente Brasil-mundo cresceu apenas 25,8% – e os investimentos chineses no Brasil ampliaram-se consideravelmente. Entre 2003 e 2017, estima-se um montante de investimentos de cerca de U$ 55,4 bilhões, em um total de 102 projetos. O Brasil é o país com maior diversificação de investimentos chineses, não apenas em projetos para garantir o fornecimento de commodities, mas em projetos de longo prazo.
Tivemos, é verdade, nesses dois anos alguns problemas e divergências, que são naturais entre dois países com agenda tão intensa: a crise da carne fraca; as salvaguardas impostas pelos chineses à importação de açúcar; o anti-dumping preliminar contra o frango.
Estamos dialogando sobre os temas de defesa comercial. Tenho me empenhado pessoalmente nesse diálogo, junto com os ministros Blairo Maggi e Marcos Jorge.
O olhar para o futuro
Quando olho adiante, creio que temos as bases necessárias para ampliar o relacionamento. Há confiança mútua entre nossos dois países, uma coincidência de visões consolidadas sobre vários temas da agenda internacional, participamos do processo intenso de aprofundamento de nossas relações nos mais variados setores no âmbito do BRICS – a agenda do BRICS é, de fato, vastíssima – e estamos juntos no G20.
A interação econômica entre o Brasil e a China continuará a ser dinâmica e robusta.
Para além da pauta tradicional, precisamos, nós mesmos, brasileiros, fazer esforços para chegar ao mercado chinês nos vários segmentos de produtos processados ou itens industriais em que somos competentes. Há potencial na China para exportarmos muito mais se soubermos – governo e empresas – formular as estratégias corretas e se formos mais ambiciosos.
No mais recente encontro entre o presidente Temer e o presidente Xi Jinping, foi o próprio mandatário chinês que sugeriu chegarmos, em breve prazo, a uma corrente comercial de US$ 100 bilhões. Estamos caminhando nessa direção. Nesse contexto, estou entusiasmado com o interesse das empresas brasileiras em participar da feira de importações de Xangai, em novembro próximo.
Eu mesmo pretendo estar presente à feira.
Os investimentos chineses têm-se ampliado muito no Brasil. Nos mais variados setores: agricultura, mineração, manufatura, finanças, serviços em geral, tecnologia digital, infraestrutura, óleo e gás. Creio que isso se deve a vários fatores: a dimensão do nosso mercado, a tradição que temos em incorporar investidores estrangeiros em absoluto pé de igualdade com os nacionais, o fato de termos uma realidade econômica onde vigoram a regra da lei e o poder dos contratos. Tenho observado com satisfação que muitas empresas chinesas que operam em infraestrutura hoje conhecem bem as oportunidades que se abrem no Brasil e estão preparadas para participar de nossas licitações. Também vejo com satisfação a cooperação entre a Petrobras e as empresas chinesas tanto na exploração de óleo, como, mais recentemente nas operações downstream.
A presença de investimentos expressivos chineses e de outras nacionalidades em setores como o energético, por exemplo, vai exigir, do lado brasileiro, um trabalho permanente de aprimoramento da regulação e supervisão. Também vai exigir da diplomacia um maior acompanhamento dos temas de infraestrutura, mesmo de alguns aspectos técnicos. A experiência até o momento tem sido positiva e, em minha opinião, devemos prossegui-la.
O enriquecimento recente da nossa pauta cultural, sobretudo na indústria cinematográfica e, proximamente, na audiovisual, também é um fator a ser celebrado. Os frutos começam a ser visíveis e o interesse de produtores, artistas e profissionais da cultura é crescente, tanto aqui, como na China.
Um desafio importante para os próximos anos será lidar com o tema das novas tecnologias. A China tem surpreendido positivamente o mundo com seus programas determinados e com os resultados alcançados por diversas de suas empresas. Este é um campo em que devemos procurar dialogar com maior intensidade. Nossa embaixada relata-me que há um crescente número de empresas brasileiras e chinesas no campo da tecnologia digital que procuram entender o que está ocorrendo no outro país, buscam parcerias e a formação de joint ventures. Esse é um dado auspicioso. Mostra como o relacionamento bilateral evolui de forma dinâmica e como o sucesso que temos obtido na cooperação em setores mais tradicionais contagia o meio empresarial mais contemporâneo.
A relação política
De uma maneira geral, minha impressão é que a interação econômica entre o Brasil e a China caminha rapidamente e de forma positiva e que o maior desafio da relação política é não ficar para trás. Ao contrário, buscar antecipar-se aos fatos, dar aos agentes econômicos um sinal de que os Governos dialogam bem. Acho que conseguimos isso nos dois últimos anos, mas manter o diálogo político aceso e ativo é um tema de atenção permanente. Torna-se ainda mais importante num contexto de mudança de Governo no Brasil. Não tenho qualquer dúvida de que o relacionamento Brasil-China nas suas múltiplas vertentes terá que ocupar posição de destaque na agenda do futuro Chanceler.
Nossa moldura institucional das relações bilaterais, a chamada Comissão de Alto Nível, COSBAN, é abrangente, mas talvez algo pesada. Há um número excessivo de comitês, subcomitês e grupos. Reuni-los regularmente não é simples e quando as instâncias de nível mais baixo não se reúnem, as instâncias de nível mais elevado ficam paralisadas. Temos que preservar a COSBAN mas, ao mesmo tempo, renová-la. Essa é uma tarefa para o futuro próximo e que não deve ser adiada. Mencionei essas ideias diversas vezes a meus contrapartes chineses, inclusive à autoridade máxima chinesa na COSBAN, o vice-presidente Wan Qishan, com quem tive o prazer de me reunir em minha última visita a Pequim.
O quadro internacional que hoje se apresenta traz uma série de incertezas sobre o futuro. É impossível não se referir a elas, mesmo quando o tema central de hoje é o relacionamento bilateral Brasil-China. Até porque a China, pelos resultados de sua estratégia econômica, pela exposição internacional que tem hoje e pelos múltiplos laços econômicos que estabeleceu com praticamente todos os países passou a estar no centro das atenções.
Vivemos hoje uma mudança de paradigma, resultante de um processo acelerado de inovação tecnológica que impacta os processos produtivos, a oferta de emprego, as decisões de investimento e que terá efeitos por longo tempo adiante. Ao mesmo tempo, há, neste momento, um movimento de releitura de muitos aspectos das relações internacionais. Primordialmente no terreno econômico-comercial, mas não exclusivamente nele.
Nossa expectativa é de que as relações econômico-comerciais em esfera global continuem a ser guiadas pelos princípios básicos da transparência nas políticas e nas ações, acesso a mercados, condições equitativas de apoio à produção, proteção de direitos legítimos, num ambiente de cooperação, concertação e entendimento.
Temos acompanhado com preocupação as controvérsias de natureza comercial entre as grandes economias. O Brasil espera que possamos recuperar o mais brevemente possível um ambiente de previsibilidade e de harmonia no comércio internacional, que garanta aos países bases suficientemente sólidas para formular políticas e às empresas um ambiente saudável para tomar decisões de investimento. Nossa visão também – e nisso coincidimos substantivamente com a visão chinesa – é de que a comunidade internacional precisa saber preservar o valor e o papel das instâncias multilaterais. Parece banal dizê-lo, mas não há alternativa possível ao multilateralismo, ao diálogo e a entendimentos que levem em conta a pluralidade e diversidade das nações.
Quero concluir sublinhando que nossa relação com a China é excelente e continua a oferecer espaços para ampliação, inovação e criatividade. Espero que deste seminário possam sair ideias, comentários e propostas que nos permitam abrir novas portas.