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Discurso proferido pela secretária Ana Cecília Sabbá, na formatura da Turma Esperança Garcia, do Instituto Rio Branco
Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva
Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, Embaixador Mauro Vieira
Senhora Secretária-Geral das Relações Exteriores, Embaixadora Maria Laura da Rocha
Senhora Diretora-Geral do Instituto Rio Branco, Embaixadora Mitzi Gurgel Valente da Costa
Senhor Embaixador José Maurício Bustani, nosso paraninfo
Demais autoridades,
Queridos colegas,
Senhoras e senhores,
Não há outra maneira de começar esse discurso senão dizendo o que ouvimos por 2 anos: somos a turma mais diversa e mais representativa da história do Ministério das Relações Exteriores. Somos 42% de mulheres, recorde de pessoas negras e, em particular, recorde de mulheres negras. Todas as regiões do país estão aqui representadas, até a região Norte, tradicionalmente marginalizada dos espaços de poder. O discurso de hoje foi, inclusive, escrito por mim, de Belém do Pará, e pela minha amiga Patrícia, de Porto Velho, Rondônia.
Sim, nós somos a turma mais diversa, e nos enchemos de orgulho disso, mas, apesar dos avanços, não podemos achar que finalmente conquistamos um Itamaraty plural e diverso. Onde estão os indígenas? Conseguimos realmente incluir pessoas com deficiência? Somos uma tendência ou um ponto fora da curva? Há lugar no Ministério para mais mulheres de Belém, Paudalho, São Luís do Maranhão, Porto Velho, Duque de Caxias, João Pessoa e Caçu?
Há lugar, pois ainda somos um ministério majoritariamente masculino e branco. Mantemos um teto de vidro que impede a maioria das mulheres de chegarem aos cargos mais altos e chefiarem os postos mais importantes. Ainda precisamos de mais ações que possibilitem a paridade de gênero na entrada e que permitam que a diplomacia brasileira tenha, de fato, a cara do país, em todos os níveis hierárquicos.
Senhor presidente,
O espaço que ocupamos hoje não é fruto de uma luta somente nossa. Somos filhos da luta de muitas outras que vieram antes de nós. Da luta de Mônicas, de Marielles, de Milenas, de Marias José e de Esperanças.
Escolhemos Esperança Garcia para nomear nossa turma pela sua coragem. Ela, uma mulher negra, escravizada, que, em 1790, reivindicou o direito humano mais essencial – o de existir. Era um tempo em que pessoas negras não eram consideradas pessoas. Um tempo em que uma escravizada como ela nunca poderia ir a uma universidade e alcançar uma tribuna. Ainda assim, Esperança escreveu uma carta ao presidente da província do Piauí, pedindo o fim dos maus-tratos. Essa carta, carregada de teor jurídico, comprova que Esperança Garcia foi a primeira advogada deste país.
Mas ela não entrou para a história como uma heroína. Descobrimos sua existência por um acaso, na nota de rodapé de um livro. Não aprendemos sobre ela na escola, e nenhum jurista dessa turma se debruçou sobre sua carta no curso de graduação.
Hoje, escolhemos levantar a voz de Esperança Garcia como um chamado na luta contra o racismo e a desigualdade de gênero no Brasil. Escolhemos homenageá-la para exaltar a coragem de resistir ao autoritarismo. Coragem, essa, que esperamos levar conosco nos momentos mais difíceis da nossa carreira. Inspirados na sua história, daremos continuidade ao seu pleito por justiça.
Outro exemplo de coragem pautou a nossa escolha para paraninfo. O Embaixador José Maurício Bustani lutou contra o autoritarismo dos países do Norte Global, enquanto o mundo todo se calava. Diante das violações ao Direito Internacional, impetradas após os ataques de 11 de setembro, ele foi a voz da resistência.
Diretor-Geral da OPAQ, enfrentou a pressão para chancelar nova invasão ao Oriente Médio, sem nenhuma prova da existência de armas químicas. Foi espionado e destituído; sua família foi ameaçada e perseguida; mas a sua mensagem, de fazer o que é certo, apesar de qualquer adversidade, inspira toda uma nova geração de diplomatas como nós, que também escolhemos seguir seus passos.
Senhor presidente,
A maioria de nós estudou para o concurso de admissão à carreira durante a pandemia. Durante um período muito difícil para a política externa brasileira. No entanto, não nos faltou coragem e resiliência para continuar a estudar e acreditar que tempos melhores para o Brasil viriam. E vieram. Hoje, nós estamos aqui, sendo parte da retomada da política externa que esperamos do nosso país.
Em 6 meses de carreira, somamos nossos esforços à organização da maior posse presidencial desde a redemocratização. Trabalhamos na retomada da atenção aos nossos vizinhos, contribuindo para o sucesso da Reunião de Presidentes da América do Sul, da Cúpula de Belém e da Cúpula do Mercosul ano passado. Atendendo à nossa natural vocação africana, fizemos estágio em diversos postos da África, inclusive, em todos os países de língua portuguesa. Agora, estamos engajados em entregar ao mundo o G20 que o Brasil prometeu. Temos um orgulho imenso de fazer parte dessa retomada. A coragem foi, sim, recompensada.
Aliás, é impossível falar dessa parte da nossa história sem fazer menção ao nosso chefe, líder e amigo, o Conselheiro Francisco Fontenelle, o nosso Chicão. Obrigada pela coragem de nos defender sempre que foi preciso.
A verdade é que o tempo que passamos no Rio Branco nos trouxe várias experiências inesquecíveis. Fomos a todos os Estados da federação, do Oiapoque ao Chuí, convidar à carreira diplomática jovens afastados dos grandes centros. Uma verdadeira aproximação do Itamaraty à sociedade civil, em iniciativa pioneira da nossa querida ex-Diretora, Embaixadora Maria Glivania de Oliveira, a quem somos muito gratos.
Aos nossos mestres, aqui representados pelos três professores homenageados, obrigada pela paciência, tempo e dedicação para nos tornar diplomatas mais completos. Yulia, Nasser e Laoshi, apenas vocês poderiam fazer parecer fácil e tornar prazeroso aprender línguas tão difíceis.
Agradecemos também ao nosso funcionário homenageado, Francisco Rodrigues, por estar sempre com um sorriso no rosto e nos tratar tão bem, mesmo nos momentos mais estressantes. O afinco com que fazia o seu trabalho nos incentivava a fazer bem o nosso.
Por fim, e não menos importante, agradecemos aos nossos familiares e amigos, especialmente, aos que já se foram, por terem acreditado que era possível estarmos aqui, muitas vezes, quando nem nós acreditávamos. Se conseguimos, foi por causa de vocês.
Senhoras e senhores,
Falei da coragem da nossa patrona, ao lutar por direitos humanos quando nem era considerada uma pessoa. Falei da coragem do nosso paraninfo, ao defender o certo diante da força.
Agora, permito-me esses momentos finais para falar da coragem dessa turma.
Nós também deixamos um legado. Até 2023, a classificação final dos alunos para a primeira lotação obedecia a um critério particularmente danoso aos alunos cotistas, pois levava em conta também a nota do concurso. Todo ano, em toda turma, pessoas negras e pessoas com deficiência eram as últimas colocadas nessa classificação. Sendo assim, eles não podiam escolher áreas com as quais gostariam de trabalhar no Itamaraty. Essa turma teve a coragem de lutar para que isso mudasse. Hoje, temos orgulho de dizer que inauguramos um novo capítulo, no qual apenas as notas do Curso de Formação são levadas em consideração, sendo dadas, assim, oportunidades mais iguais a todas as pessoas.
É, o nosso Rio Branco foi intenso. Foi corajoso. E, como o de cada uma das 75 turmas que já passaram por lá, foi único. Somos um passado de resiliência, superação, luta e Esperança.
Quanto ao futuro, cabe dizer que entramos com a coragem necessária para continuar o legado dos que fizeram diferente.
É o nosso compromisso.
Muito obrigada.