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Discurso de despedida do Embaixador Fernando Simas Magalhães do cargo de Secretário-Geral das Relações Exteriores
Senhor Ministro de Estado, Embaixador Mauro Vieira,
Senhor Embaixador Celso Amorim, Assessor Especial da PR,
Senhora Secretária-Geral, Embaixadora Maria Laura da Rocha,
Senhora e Senhores Secretários,
Presidentes das associações de classe,
Prezados colegas diplomatas, oficiais de chancelaria, assistentes de chancelaria e demais funcionários,
Amigos e amigas,
Perdoem-me por começar com um lugar comum. Vivemos nossas carreiras na mesma Casa. Pode parecer piegas, mas neste momento isso tem um significado muito especial.
Membros de uma carreira de Estado, treinados e capacitados ao longo de décadas, dedicamos nossas vidas ao Itamaraty, a serviço dos interesses da Nação e por amor ao Brasil. Em nossa essência, agimos orientados pela experiência acumulada, conscientes de nossas tradições, e abertos às adaptações que a realidade imponha. São os traços principais que nos diferenciam de outras carreiras: a memória e a inovação.
No Itamaraty percorremos uma trajetória que não é apenas profissional, estrito senso. Pela condição própria de nosso ofício, também há parte significativa da vida pessoal e familiar que devemos entregar em sacrifício, por vezes com um custo elevado para os entes queridos.
Recorro à figura da Casa justamente para dar relevo ao sentido de pertencimento e de convivência colaborativa, valores essenciais e constitutivos de nossa instituição e que transmitimos de geração em geração, nossa maior fortaleza. Cuidado, não obstante, com tomar essas características únicas como garantidas, ou invariáveis. Sempre haverá situações de incerteza e mesmo ameaças, das quais deveremos defender-nos.
Prezados Ministro de Estado e Secretária-Geral,
Não poderia deixar passar este momento sem reconhecer, de público, o apoio incondicional do Ministro França às iniciativas da Secretaria-Geral. Sem o seu engajamento pessoal e decidido em momentos críticos, não teríamos alcançado muitos dos resultados de nossa gestão.
Em meu período como Secretário-Geral, de pouco mais de ano e meio, procurei guiar minha atuação pelos valores fundamentais de nossa política externa, inscritos na Constituição Federal. Com os secretários e minha equipe imediata, trabalhamos incansavelmente para honrar os valores da Casa de Rio Branco com ações concretas e de real impacto sobre o trabalho quotidiano dos diplomatas.
Em meu discurso de posse, em junho de 2021, dirigi-me à Casa com propósitos muito claros, convergentes com a visão de que a Secretaria-Geral deve ter como fim último garantir os meios adequados para a melhor atuação diplomática possível, em linha com a política externa determinada constitucionalmente, e legitimada eleitoralmente. Em suma, com respeito tanto à tradição, como ao estado democrático de direito.
Nosso propósito mais imediato foi restabelecer a unidade e a coesão institucional. Adotei uma política de portas abertas na Secretaria-Geral e estimulei o diálogo franco e respeitoso, o livre intercâmbio de opiniões e o compartilhamento de boas práticas, para o que contei com a colaboração irrestrita dos secretários, que atuaram, como deve ser, como instâncias irradiadoras das instruções e orientações das mais altas chefias.
Tivemos êxito também em restaurar a função precípua da Secretaria-Geral como centro de articulação entre o Gabinete e as Secretarias. Isso foi possível graças à excelente sintonia e afinidade de propósitos entre todas nossas equipes.
Enfrentamos os piores momentos da pandemia de COVID-19, que nos impôs métodos de trabalho essencialmente incompatíveis com a atividade diplomática. Com a cautela necessária, um toque de coragem e ousadia, sempre priorizando a saúde e o bem-estar dos funcionários, operamos um retorno seguro ao trabalho presencial, que permitiu a normalização plena de nossas rotinas após o fim da prevalência da emergência de saúde pública.
Caros colegas,
Não pretendo usar a ocasião de minha despedida para fazer uma enumeração exaustiva de nossa curta, mas intensa gestão. Isso foi registrado nas últimas circulares telegráficas do ano passado e em memorando detalhado que elevei ao Ministro Carlos França.
Gostaria apenas de destacar algumas iniciativas a que me comprometi em meu discurso de posse, que reputo merecedoras de uma palavra neste momento, por terem efeitos sistêmicos ou impacto relevante sobre nosso trabalho.
Começo por alguns problemas complexos de longa data, que tivemos a coragem de enfrentar. O primeiro deles foi a incidência do abate-teto, que afetou centenas de colegas, de todas as carreiras do Serviço Exterior Brasileiro, que viram seus salários subtraídos por uma leitura equivocada da realidade dos servidores públicos no exterior. Mobilizamos nosso pessoal, em todos os níveis, para fazer valer a perspectiva do Itamaraty junto ao Tribunal de Contas da União. Nossa vitória, conquanto em sede provisória, poderá vir a ser confirmada já em 2023, graças ao extenso e minucioso relatório deixado em mãos do TCU.
O segundo é a questão dos gargalos da progressão na carreira, que tanto aflige, com toda razão, os diplomatas mais modernos. No pouco tempo que tivemos, pudemos tomar medidas infralegais para mitigar o problema. Foram remanejadas vagas do quadro especial, permitindo a abertura de número considerável e constante de vagas para a promoção no ano passado.
Negociamos, ainda, com o Ministério da Economia, o provimento de 95 das 400 vagas criadas em 2012, por lei, que estarão disponíveis nos próximos quatro anos, a fim de adicionar número razoável de vagas em cada classe e conferir previsibilidade e fluidez ao ritmo das promoções. O primeiro “lote” de vagas para este ano foi incluído no orçamento da União e abre precedente que facilitará a previsão nas leis orçamentárias nos próximos três anos.
Estamos cientes da necessidade de outras medidas, de natureza estruturante de nossa carreira, que exigirão aprovação de lei pelo Congresso Nacional. Conjunto de recomendações e ideias nesse sentido, além de diagnóstico completo sobre o estado de situação, foram oferecidos no relatório de gestão apresentado pelo Embaixador Gilberto Moura, que presidiu com grande dedicação e competência grupo de trabalho instituído especialmente para esse propósito.
Outro problema que enfrentamos e se arrastava há anos foi a lacuna na regulamentação do auxílio-moradia, que deixou o Itamaraty em situação jurídica precária, o que culminou, como todos sabem, em delicada ação judicial no ano de 2021. Conseguimos, nos últimos dias, aprovar decreto com os critérios para cálculo do valor do auxílio-moradia. Agora, temos a segurança jurídica necessária para a aplicação do sistema de pagamento de nossa residência funcional.
Além disso, também estabelecemos nova metodologia para a concessão do auxílio-moradia, a fim de corrigir distorções que tornavam certos postos inviáveis para alguns servidores. Também expandimos a lista de critérios de cálculo da RF para ajustá-la às necessidades específicas de servidores com dependentes e das pessoas com deficiência.
Atender às necessidades dos servidores, em uma perspectiva centrada nas pessoas, foi preocupação que perpassou todas as iniciativas que desenhamos e implementamos.
Em meu discurso de posse, também assumi o compromisso com todos os colegas, de todas as classes e carreiras, de avançar em medidas de estímulo ao talento humano e à criação de ambiente de trabalho saudável e participativo.
Procurei enfatizar medidas para aperfeiçoar a saúde dos servidores, incluída a saúde mental. Criamos a Divisão de Saúde e Segurança do Servidor para melhor organizar as iniciativas nesse campo e implementar o Programa de Qualidade Vida no Trabalho, que tive a honra de anunciar no Dia Mundial da Saúde Mental, em 10 de outubro de 2021. Destaco, igualmente, a assinatura do convênio para uso da creche do Ministério da Saúde, antiga reivindicação dos funcionários.
Também realizamos a primeira pesquisa sobre qualidade de vida no Itamaraty, em abril de 2022, que servirá de importante insumo para políticas na área de saúde e bem-estar dos servidores.
Tenho a convicção de que todos devem ser ouvidos e ter suas justas demandas atendidas. Não descuidamos das necessidades dos funcionários do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, conhecidos como PGPEs. Com o empenho pessoal do Ministro França e meu, e da equipe da Administração, após meses de intensas tratativas com o Ministério da Economia e a Presidência da República, finalmente pudemos alterar decreto para incluir plenamente os PGPEs no rol de servidores com direito ao plano de saúde do Itamaraty também no Brasil.
Ao relembrar essa realização, que tanta felicidade me trouxe, desejo aqui deixar registro da contribuição desses servidores ao Itamaraty, sempre dispostos a servir nos postos mais difíceis e desafiadores da carreira. Em nome deles, estendo o meu apreço e admiração por todos os funcionários administrativos, que merecem o reconhecimento de todos nós.
Queria fazer uma menção especial ao extraordinário trabalho da Corregedoria, vinculada à Secretaria-Geral, que concentrou seus esforços no desenho e implementação de medidas de conscientização e prevenção, como a criação do Núcleo de Prevenção e Mediação de Conflitos; o estabelecimento de palestras e aulas no Instituto Rio Branco sobre liderança e inteligência emocional; a proposta de reuniões com futuros chefes de posto com os titulares das áreas de controle do ministério; e proposta de guia de conduta dos servidores do serviço exterior, nos moldes daqueles adotados por outros ministérios.
Nossa gestão também expandiu a rede de Postos, para melhor atender a crescente comunidade brasileira no exterior. Hoje, mais de quatro milhões de compatriotas residem fora do País. Mesmo diante das conhecidas dificuldades, foi possível criarmos os consulados-gerais em Marselha, em Edimburgo e em Chengdu, além dos vice-consulados em Orlando e Cusco.
Ao reconhecer a relevância do serviço consular brasileiro e a ampliação de suas atividades de representação, decidimos restituir as residências oficiais dos Consulados-Gerais, valorizando os postos consulares e restabelecendo a necessária isonomia de tratamento institucional entre os titulares de representações diplomáticas e consulares.
Não poderia deixar de mencionar também o enorme esforço de sensibilização de nossa administração para regularizar os compromissos do Estado brasileiro com o pagamento a organismos internacionais. Após décadas de constrangimentos, nos últimos dias de nossa gestão pudemos quitar a quase totalidade das dívidas acumuladas.
Por fim, quero mencionar as inúmeras medidas de modernização do Itamaraty, das quais destaco a aprovação do novo Guia de Administração dos Postos e do Regulamento Consular Brasileiro.
Queridos colegas,
Despedida é momento de agradecimento. E eu quero agradecer a confiança que o Ministro França depositou em mim, ao convidar-me para chefiar a Secretaria-Geral das Relações Exteriores, maior honra a que pode almejar qualquer diplomata.
Aceitei sem hesitar o chamado e não me arrependo, naturalmente. Deixei prematuramente o posto que sempre sonhei chefiar para viver na Secretaria-Geral momentos gratificantes de minha carreira, que já ultrapassa quatro décadas e se encaminha agora para sua etapa final.
Dos secretários, guardarei a convivência sempre franca e colaborativa, as impecáveis recomendações de ação, o sólido e preciso conhecimento de seus respectivos temas de atuação.
À minha equipe, a começar pelo talentosíssimo Embaixador Gabriel Boff Moreira, não tenho palavras para expressar o quanto devo, em muitos planos. Sempre contei com a pronta disposição e a eficiência de todos e todas para encarar os desafios e encontrar soluções criativas. Agora nos separamos e cada um segue seu caminho. Desejo a todos vocês uma carreira e uma vida pessoal repletas de êxitos e realizações.
Por fim, quero agradecer a Matilde, companheira inseparável, e a meus filhos Felipe, Julia e Antonia, que sempre tiveram a paciência e compreensão infinitas com as peripécias de minha vida como diplomata. Em nome deles, um agradecimento especial a todos os cônjuges e nossas famílias, fonte permanente de amor e força ao nosso lado.
Senhora Secretária-Geral,
Discursos de despedida não devem ser longos. O meu, encerro por aqui, certo de que o interesse natural de todos hoje é com o futuro, em ouvi-la. Para mim, é uma imensa alegria ver a SG em mãos de funcionária com sua trajetória e capacidade de trabalho.
Fico honrado e emocionado em ter o privilégio único de entregar o cargo de Secretário-Geral das Relações Exteriores à primeira mulher a ocupá-lo na história de nossa instituição. Todos os diplomatas e funcionários, homens e mulheres, celebram sua chegada. Sucesso Laurinha!
Muito obrigado.