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Pronunciamento do Ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota, em debate sobre Responsabilidade ao Proteger na ONU – Nova York, 21 de fevereiro de 2012
“Minhas calorosas boas-vindas a todos para esta reunião em que, creio, estamos todos - países, organizações e indivíduos - genuinamente comprometidos tanto com o multilateralismo quanto com a proteção de civis. Tenho o prazer de convidá-los a este debate informal sobre a "Responsabilidade ao Proteger".
Como se sabe, trata-se de uma idéia mencionada pela primeira vez pela Presidenta Dilma Rousseff em seu discurso de abertura da Assembléia Geral da ONU no último mês de setembro. Em novembro, o Brasil circulou uma nota conceitual que discute a noção de que a comunidade internacional, quando exerce sua responsabilidade de proteger, deve demonstrar um alto nível de responsabilidade ao proteger. Ao longo dos últimos meses temos notado um apoio significativo a este debate. Creio termos hoje uma oportunidade de intercambiar de maneira franca e frutífera ideias sobre as várias dimensões desta questão.
As mudanças políticas de nosso tempo representam um desafio à comunidade internacional. A relação entre a manutenção da paz e da segurança internacionais e a proteção de civis evoluiu significativamente desde a criação das Nações Unidas em 1945. Novos marcos conceituais foram desenvolvidos para lidar com os desafios que enfrentamos.
O trabalho sobre a proteção de civis tem avançado consideravelmente desde os anos 1990, quando as discussões sobre essa questão começaram a receber mais atenção. O sofrimento de civis inocentes e a necessidade de evitar a impunidade dos autores dos crimes mais graves levaram a comunidade internacional a criar o Tribunal Penal Internacional.
Em seu sexagésimo aniversário, a Organização das Nações Unidas adotou o conceito da "responsabilidade de proteger". Este conceito estabeleceu a responsabilidade dos Estados de protegerem suas populações em casos de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. Decidiu-se também que a comunidade internacional deveria encorajar e ajudar os Estados a exercerem essa responsabilidade. Além disso, estabeleceu-se a responsabilidade da comunidade internacional de agir coletivamente, por intermédio da ONU, caso as autoridades nacionais deixassem de proteger suas populações.
O reconhecimento de que existe uma responsabilidade de proteger foi um marco. Ressalte-se que o mesmo Documento Final da Cúpula Mundial de 2005 que estabeleceu uma fórmula de consenso acerca do conceito da "responsabilidade de proteger" também afirmou claramente que essa responsabilidade deve ser exercida, em primeiro lugar, por meio do uso de meios diplomáticos, humanitários e outros meios pacíficos, e que apenas nos casos em que os meios pacíficos se revelam inadequados deveriam ser cogitadas medidas coercitivas.
Ao longo desse processo, é essencial distinguir entre responsabilidade coletiva - que pode ser plenamente exercida através de medidas não-coercitivas - e segurança coletiva - que envolve uma avaliação política caso-a-caso por parte do Conselho de Segurança.
Antes de se empenhar em uma ação militar, espera-se que a comunidade internacional realize uma análise abrangente e criteriosa de todas as consequências que daí podem decorrer. O uso da força sempre traz consigo o risco de causar mortes involuntárias e de disseminar violência e instabilidade. O fato de que ela seja utilizada com o objetivo de proteger civis não faz das vítimas colaterais ou da desestabilização involuntária eventos menos trágicos.
É por isso que, em nossa opinião, é necessário dar um passo conceitual adicional para lidar com a responsabilidade de proteger, e eu gostaria de aproveitar esta oportunidade para propor uma nova perspectiva sobre esta questão, uma perspectiva que acreditamos tornou-se essencial na busca de nosso objetivo comum.
A Presidenta Dilma Rousseff, em seu discurso na Assembléia Geral em setembro passado, se referiu a um fato preocupante: o mundo de hoje sofre as dolorosas conseqüências de intervenções militares que agravaram os conflitos existentes, permitiram ao terrorismo penetrar em lugares onde não existia, deram origem a novos ciclos de violência e aumentaram a vulnerabilidade das populações civis.
Na ocasião ela acrescentou: "muito se tem dito sobre a responsabilidade de proteger, mas muito pouco sobre a responsabilidade ao proteger”.
Como a Organização das Nações Unidas pode autorizar o uso da força, ela tem a obrigação de conscientizar-nos dos perigos envolvidos em sua utilização e de criar mecanismos que possam fornecer uma avaliação objetiva e detalhada de tais perigos, bem como formas e meios de evitar danos aos civis.
Nosso ponto de partida em comum deve basear-se no princípio de "primum non nocere" que os médicos conhecem muito bem. Em primeiro lugar, não causar danos - esse deve ser o lema daqueles que são obrigados a proteger os civis. Também seria lamentável, em última análise inaceitável, se uma missão estabelecida sob mandato das Nações Unidas com o objetivo de proteger civis causasse maiores danos do que aqueles que justificaram sua própria criação.
Temos de almejar um maior nível de responsabilidade. Uma vítima civil já é uma vítima em demasia.
Acredito que os conceitos da “responsabilidade de proteger” e da “responsabilidade ao proteger” devem evoluir juntos, com base em um conjunto acordado de princípios fundamentais, parâmetros e procedimentos, dos quais menciono alguns:
- prevenção é sempre a melhor política. É a ênfase na diplomacia preventiva que reduz o risco de conflito armado e os custos humanos a ele associados. Nesse sentido, saudamos a iniciativa do Secretário-Geral Ban Ki-moon de estabelecer o ano de 2012 como o ano da prevenção, que conta com o total apoio do Brasil. Outras iniciativas, como "Amigos da Mediação", podem ser vistas como parte do espírito de promoção do exercício da responsabilidade coletiva na busca da paz, por meio da diplomacia, do diálogo, da negociação, da prevenção;
- a comunidade internacional deve ser rigorosa em seus esforços para exaurir todos os meios pacíficos disponíveis nos casos de proteção de civis sob ameaça de violência, em consonância com os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas e conforme incorporado no Documento Final da Cúpula Mundial de 2005;
- o uso da força deve produzir o mínimo possível de violência e de instabilidade. Sob nenhuma circunstância podem-se gerar mais danos do que se autorizou evitar;
- no caso de o uso da força ser contemplado, a ação deve ser criteriosa, proporcional e limitada aos objetivos estabelecidos pelo Conselho de Segurança;
- são necessários procedimentos aprimorados no Conselho para monitoramento e avaliação da maneira como as resoluções são interpretadas e aplicadas, para assegurar a responsabilidade ao proteger.
O estabelecimento desses procedimentos não deve ser entendido como meio de impedir, ou atrasar indevidamente, a autorização de ações militares nas situações estabelecidas pelo Documento Final da Cúpula Mundial de 2005. A iniciativa do Brasil deve ser vista como um convite a um debate coletivo sobre a forma de garantir, quando o uso da força for cogitado como alternativa justificável e estiver devidamente autorizado pelo Conselho de Segurança, que seu emprego seja responsável e legítimo. Por essa razão, faz-se necessário assegurar a prestação de contas daqueles autorizados a fazer uso da força.
O Brasil iniciou uma série de discussões com países de todas as regiões, bem como com organizações não-governamentais e especialistas sobre o assunto. Queremos contribuir para um debate crucial para a comunidade internacional sobre a manutenção da paz e da segurança internacionais e a proteção de civis. Em recentes eventos sobre a "responsabilidade de proteger", tivemos a oportunidade de ampliar esse diálogo. O Brasil aprecia o fato de o Secretário-Geral da ONU dar as boas-vindas à iniciativa da "responsabilidade ao proteger".
O evento de hoje é uma oportunidade para o aprofundamento e a ampliação dessa discussão.
Deixe-me brevemente descrever o planejamento do debate informal de hoje. Estamos honrados em ter o professor Edward Luck como co-presidente do evento. O Assessor Especial do Secretário-Geral sobre a "responsabilidade de proteger" é um interlocutor-chave. Prezamos enormemente sua contribuição, em consulta com os Estados-Membros, para o desenvolvimento conceitual, político e operacional da "responsabilidade de proteger". Suas idéias serão muito bem-vindas hoje.
A discussão estará então aberta aos participantes. Convidamos todos os Estados-Membros, bem como ONGs e especialistas que trabalharam nesse tema. Gostaria de encorajar os oradores a serem concisos e a limitarem suas declarações a três minutos, para que possamos nos beneficiar da mais ampla participação.
Concluiremos o debate de hoje com as observações dos co-presidentes.
Dou a palavra ao Professor Edward Luck.”