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IV Reunião Ministerial da Cúpula América do Sul-África (ASA) – Malabo, 24 e 25 de novembro de 2011 – Discurso do Ministro Antonio de Aguiar Patriota
Grande alegria em estar em Malabo, reunido com meus colegas, Chanceleres e Altas Autoridades dos países-membros da ASA, preparatória da 3ª Cúpula.
É uma alegria poder dirigir-me a esse plenário em português, língua oficial de sete dentre os sessenta países que conformam este espaço de coordenação e agora também língua oficial da Guiné Equatorial.
Trago a mensagem de compromisso da Presidenta Dilma Rousseff de engajamento do Brasil com a África. Esse compromisso foi demonstrado na visita, neste semestre, a três países africanos (África do Sul, Moçambique e Angola), em diversos contatos com líderes africanos em visita a Brasília e, recentemente, ao celebrar o Ano Internacional dos Afrodescendentes, em Salvador, na companhia dos Presidentes Alpha Condé, da Guiné, e Jorge Fonseca, de Cabo Verde.
Esse compromisso também se expressa na nossa presença em Malabo para levar adiante o processo de aproximação regional América do Sul – África. Trata-se de exercício que engloba duas linhas fundamentais da política externa brasileira: a) a integração sul-americana, com a transformação do continente em zona de crescimento, desenvolvimento sustentável com justiça social, democracia e paz; b) a incorporação, à nossa atuação externa, do fato de sermos o país com a maior população afrodescendente fora da África e o país do mundo com a segunda maior população de origem africana. Devem ser entendidos nesse contexto os esforços brasileiros em desenvolver a agenda de aproximação com a África em todas as suas vertentes: o diálogo político, o comércio e os investimentos, a cooperação técnica e econômica, a cooperação cultural.
Eu próprio estou pessoalmente engajado nesses esforços. Terei visitado 10 países africanos até o fim do ano. Seguirei empenhado em intensificar nosso relacionamento, buscando tratar de maneira criativa e cooperativa os desafios e as oportunidades existentes, tanto no âmbito bilateral como multilateral.
O Brasil apresenta-se como um exemplo de que hoje é possível reconciliar democracia, crescimento econômico, redução da pobreza e políticas ambientalmente sustentáveis. Em um mundo em que presenciamos o esgotamento de modelos de desenvolvimento concebidos pelo Norte, e em que as próprias economias desenvolvidas enfrentam crises, a América do Sul e a África despontam de décadas de estagnação e conflitos, para um novo ciclo de progresso e emancipação.
Assim como ocorre no Brasil e na América do Sul, identificamos na África experiências bem-sucedidas nos campos econômico, social e político, e isso nos faz crer em processos que levem a realizações do potencial africano em linha com os sonhos de grandes líderes africanos como Nyerere, Mandela e Nkrumah.
Parte desse processo de emancipação envolve a capacidade de superar padrões de relacionamento entre nossas regiões e outras regiões do mundo pelo intermédio do mundo desenvolvido e das ex-potências coloniais. A história nos aproximou através da escravidão e dos laços com ex-potências distantes das nossas realidades materiais e humanas. Hoje, podemos fazer história forjando laços diretos de comércio, cooperação e coordenação político-diplomática.
O Brasil está disposto a assumir sua responsabilidade. Como o país sul-americano de maior diáspora africana, maior número de Embaixadas na África (37), sede do maior número de Embaixadas africanas residentes na América do Sul (33), nos colocamos a serviço de uma agenda de aproximação entre nossas regiões.
Por iniciativa, do lado brasileiro, do ex-Presidente Lula, criamos uma estrutura de reuniões de Cúpula, Ministeriais, Grupos de Trabalho, e vários projetos que desejamos preservar e aperfeiçoar. Mas como países de regiões sem abundância de recursos, precisamos usar nossa imaginação e criatividade para utilizar ao máximo as estruturas já existentes, dentro e fora do mecanismo ASA, para trabalharmos junto em prol de interesses comuns.
A ASA representa quase 1/3 do território mundial; 1/5 da população, com 1,3 bilhão; um crescimento econômico significativo na África de 5% e na América do Sul, de 4,1%; e PIB de 6 trilhões, 10% do PIB mundial.
Todos nós temos missões junto à ONU, em Nova York, missões junto à ONU em Genebra, Embaixadas em Washington por meio das quais dialogamos com o Banco Mundial e o FMI. Junto à FAO, em Roma, onde um brasileiro,o Professor José Graziano, assumirá como Diretor-Geral em janeiro, teremos mais um fórum de coordenação. Poderíamos promover reuniões periódicas, em torno de agendas comuns, de Embaixadores africanos e sul-americanos nessas capitais.
Brasília, com suas 33 Embaixadas africanas e 11 sul-americanas, pode ser também um ponto de encontro; Nairóbi, onde todos temos missões junto ao PNUMA, pode ser um ponto de encontro para a coordenação em temas ambientais, por exemplo.
As presenças entre nós do futuro Secretário-Geral da UNASUL, Ali Rodriguez, e do Presidente da Comissão da UA, Jean Ping, são expressões claras da importância dessas organizações como fatores de convergência em torno de interesses estratégicos das duas regiões.
O Brasil é observador na UA; felicitamos o Equador por ter também se tornado observador recentemente. Queremos aprender mais com a UA; há várias experiências e estruturas, como o Conselho de Paz e Segurança da organização, que sevem de exemplos valiosos para a construção de nosso próprio esforço de integração na América do Sul. De nosso lado, permanece forte o interesse em compartilhar com a África experiências exitosas
Identifico três grandes áreas em que precisamos trabalhar de forma coordenada:
1) Economia e comércio
Nosso intercâmbio birregional quase quadruplicou desde 2003, chegando a US$ 32,2 bilhões em 2010. Mesmo assim, temos que encontrar maneiras de estimular nossos setores privados a se conhecerem melhor e a desenvolverem mais e melhores ligações entre nossos continentes. Interessa ao Brasil participar nos esforços de: a) desenvolvimento industrial, mineral e agrícola (FAO); b) exploração de energias limpas: não temos porque repetir padrões de consumo e desperdício do mundo desenvolvido. O desenvolvimento da economia verde não significa, necessariamente, dependência tecnológica dos países desenvolvidos. Existem técnicas e práticas “low tech” de baixo custo e fácil adoção, em temas como saneamento básico, tratamento do lixo, etc. (RIO + 20)
2) Paz e segurança
É preciso reconhecer a interdependência entre progresso econômico e social e paz sustentável (Haiti). Temos que soar um alerta contra a ideologia que procura estabelecer elo automático entre a proteção de civis, as intenções humanitárias e a intervenção militar. Questionamos a sabedoria de eleger os acontecimentos recentes como exemplos bem-sucedidos da aplicação da responsabilidade de proteger. É preciso atentar para a responsabilidade ao proteger.
O uso da força, quando autorizado pelo CSNU, exige monitoramento cuidadoso pela comunidade internacional, de maneira a evitar que o remédio aplicado não cause mais danos do que a doença.
Acompanhamos atentamente, na América do Sul, o trabalho das operações de paz. O Brasil tem 33 militares em missões na Côte d’Ivoire, na Libéria, no Saara Ocidental, no Sudão e no Sudão do Sul. O Uruguai é um grande contribuidor da MONUSCO, com 1.297 militares e 2 policiais.
É chegada a hora, porém, de virarmos a página dos conflitos herdados da era colonial e das rivalidades interreligiosas e interétnicas. Os exemplos de Angola e Moçambique nos mostram que isso é possível.
Muito se fala no Oceano Atlântico nos aproximando: de fato, no que se refere ao Brasil, vemos o Atlântico, nas palavras de um grande escritor moçambicano e de um grande historiador brasileiro, crescentemente como um rio.
Temos representações diplomáticas em quase todos os países que margeiam o Atlântico Sul. Estamos engajados em manter a região como uma zona de paz e cooperação; com essa finalidade, estamos dando curso a processo de atualização e aprofundamento da iniciativa ZOPACAS. Não nos esquecemos, por outro lado, que a América do Sul também está aberta para o Pacífico e o Caribe; a África, para o Índico e para o Mediterrâneo. Nossa associação não se estrutura em contraposição a nenhuma região do globo; defendemos a preservação de todos os laços que nos enriqueçam, e o diálogo com as demais regiões com base em percepções comuns em temas como a situação política no Oriente Médio, não proliferação e desarmamento, mecanismos para o financiamento do desenvolvimento, etc.
3) Democracia e governança
Acreditamos que o caminho para o desenvolvimento econômico com justiça social passa pela construção de instituições verdadeiramente democráticas. Nesse quadro, importa construirmos Poderes fortes e independentes, darmos espaço para a atuação livre da imprensa, respeitarmos o marco jurídico estabelecido e adotarmos melhores práticas de gestão pública (identificadas pela OCDE). No Brasil, estamos passando, neste momento, por processo de buscar garantir que os recursos do pré-sal sejam utilizados para objetivos específicos identificados pelo Estado (educação, saúde). Uso esse exemplo com a consciência dos desafios semelhantes enfrentados pelos países africanos, tão privilegiados com riquezas minerais.
Muito se fala sobre o surgimento de um mundo multipolar. África e América do Sul são regiões que podem contribuir para que essa multipolaridade não seja a da ruptura, do “clash of civilizations”, mas sim a multipolaridade da sabedoria de um Kofi Annan, da cooperação nos mecanismos multilaterais em sintonia com as realidades (financeiras, econômicas, ambientais, de paz e segurança) de nossos continentes. Uma multipolaridade com membros permanentes da África e da América do Sul em um CSNU reformado.
Queremos preparar o caminho para uma nova geração de sul-americanos e africanos que, tendo familiaridade com as realidades das duas regiões, sejam capazes de usar as boas experiências, evitar os equívocos e aproveitar as oportunidades que surgirão. Entre os fatores que nos ajudam, temos nossa história, interesses, gostos e práticas culturais compartilhadas.
À frente da Chancelaria brasileira, manifesto forte comprometimento em levar adiante essa agenda de aproximação e desenvolvimento das relações entre América do Sul e África.
Muito obrigado.