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Nota à Imprensa nº 271
Discurso do Ministro das Relações Exteriores por ocasião da LXII Reunião Ordinária do Conselho do Mercado Comum (CMC) - Sessão com Estados Partes - Puerto Iguazú, 3 de julho de 2023
Senhores Ministros,
É uma grande alegria estar em Puerto Iguazú participando desta reunião do Conselho do Mercado Comum e, amanhã, da reunião de Cúpula que encerrará os trabalhos da presidência “pro tempore” argentina.
Quero inicialmente agradecer ao meu colega Santiago Cafiero e a toda sua equipe pela condução dos trabalhos ao longo deste semestre. Deixo também registrado meu agradecimento pela calorosa acolhida aqui neste local simbólico da integração regional, a fronteira entre Argentina, Paraguai e Brasil.
Saúdo, igualmente, a presença do presidente do PARLASUL, Mario Colman e aproveito a oportunidade para reafirmar o compromisso do governo brasileiro de reforçar a interlocução com o parlamento do Mercosul. Trata-se de órgão que desempenha um papel central no processo de integração e na promoção de agendas legislativas coordenadas em prol da ratificação e da entrada em vigor de acordos relevantes do bloco.
Esta é a primeira Cúpula do MERCOSUL desde o início desta minha nova gestão no Ministério das Relações Exteriores e, por isso, gostaria de destacar o caráter estratégico que o bloco tem na visão de futuro do Brasil.
O MERCOSUL é o principal resultado do princípio consagrado na Constituição Brasileira que estabelece a busca da integração dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Em nosso Consenso de Brasília, adotado por ocasião da reunião de líderes sul-americanos, no dia 30 de maio último, destacamos nossa visão comum de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, baseada no diálogo e no respeito à diversidade dos nossos povos. Julgo que o MERCOSUL foi uma das principais forças que impulsionaram a consolidação da paz e da democracia em nossa região. Foi essencial para propiciar diálogo político frequente e para que tenhamos uma visão comum sobre nossa inserção no mundo. Essa é uma das conquistas centrais do bloco, embora nem sempre devidamente valorizada.
Gostaria também de lembrar o grande valor econômico do MERCOSUL. O bloco é o quarto maior parceiro comercial brasileiro, após China, União Europeia e Estados Unidos. Nosso comércio é majoritariamente composto por produtos com maior valor agregado, o que beneficia tanto a indústria brasileira quanto a indústria dos nossos sócios. Mais de 70% do que importamos do MERCOSUL pertence à indústria de transformação.
O MERCOSUL é um projeto que nasceu na década de 1990, mas que é cada vez mais importante na atual conjuntura, em que a economia internacional experimenta momento de instabilidade de eixos logísticos e das cadeias de suprimentos, causada pelos efeitos da pandemia e do conflito na Ucrânia. Essas novas condições têm demonstrado a importância estratégica de fortalecer as cadeias regionais de valor como instrumentos capazes de reduzir vulnerabilidades e construir resiliência. O MERCOSUL será uma peça-chave nesse processo.
É claro que qualquer processo de integração é um grande desafio. O exercício envolve a conciliação das necessidades e diferenças de cada sócio a um projeto comum, o que não é uma tarefa simples. É por isso que o Brasil fez questão de retomar a agenda de redução de assimetrias e convergência estrutural. Saldamos, recentemente, nossa dívida com o FOCEM, gesto que, para nós, é uma forma de seguir valorizando esse instrumento.
Caros colegas,
Gostaria de repassar aqui alguns dos principais temas e prioridades do MERCOSUL durante esta presidência pro tempore argentina e também delinear algumas de nossas ideias para o próximo semestre, cuja presidência estará a cargo do Brasil.
Na vertente interna do MERCOSUL, a prioridade do Brasil é concretizar os propósitos estabelecidos no Tratado de Assunção, inclusive com a eliminação de barreiras ao livre comércio e a promoção da harmonização regulatória.
Uma frente de ação nesse sentido é a incorporação de setores ainda não integrados ao livre comércio dentro do bloco. No que tange ao comércio de bens, temos interesse em seguir promovendo a discussão sobre a incorporação dos setores automotivo e do açúcar ao livre comércio no MERCOSUL. O Comitê Automotivo do bloco já tem trabalhado para multilateralizar os compromissos hoje existentes a nível bilateral. Esperamos aprofundar esses trabalhos durante nossa presidência pro tempore.
No que se refere ao setor de serviços, os países do MERCOSUL vêm trabalhando intensamente para a expansão do comércio regional. Apoiamos a maior circulação de serviços e de seus prestadores entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Entendemos que os países do bloco devem desfrutar de tratamento igual ou preferencial em relação a terceiros. Consideramos também fundamental seguir avançando para culminar a VIII Rodada de Negociação de Compromissos Específicos em Matéria de Serviços, cuja conclusão proporcionará melhores condições para o desenvolvimento das economias dos Estados Partes e para o aprofundamento da integração do MERCOSUL.
Sabemos que trabalhar para o aprofundamento do livre comércio dentro do bloco também exige a atualização dos arcabouços normativos que já temos, a fim de torná-los mais modernos e alinhá-los às melhores práticas internacionais. Essa atualização contribui para proporcionar uma melhoria do ambiente de negócios e fomentar a realização de investimentos recíprocos.
Um dos grandes esforços atuais nesse sentido é a revisão do Regime de Origem do bloco, que gostaríamos de ver concluída durante este semestre. Esperamos que o novo regime contribua para aumentar a competitividade de nossas economias.
Outro elemento central na agenda interna é o aperfeiçoamento do ambiente regulatório. Consideramos importante que a normativa do bloco possa buscar regras mais simples e transparentes, e ter em conta as boas práticas internacionais. No curto prazo, temos em curso cooperação do MERCOSUL com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, com vistas à capacitação de nossos reguladores. A médio e longo prazos, esperamos alcançar uma maior agilidade na adoção, revisão e revogação de regulamentos técnicos, de forma a evitar barreiras desnecessárias ao comércio e investimentos.
Para além do aperfeiçoamento da livre circulação de bens e serviços e da harmonização regulatória, consideramos importante aprofundar, na agenda interna do bloco, o tratamento de outras pautas que trarão grandes impactos ao nosso comércio exterior.
Um tema que não podemos nos furtar a trabalhar no âmbito do MERCOSUL é a agenda de sustentabilidade. O bloco conta com credenciais únicas no tema. Além de uma matriz energética sustentável, dispomos de relevante biodiversidade, que pode trazer benefícios em termos de segurança alimentar, saúde e avanços tecnológicos. Temos ampla cobertura de vegetação nativa – que, somente no Brasil, supera 60% do território, sendo que quase 40% dessa área está em propriedades privadas, que conjugam produção e conservação.
Considero que deveríamos buscar posicionar o MERCOSUL na vanguarda da bioeconomia e da transição energética global, dando nossa contribuição para conter a mudança do clima e para promover o desenvolvimento sustentável. Ao mesmo tempo, as preocupações internacionais com o meio ambiente que compartilhamos não podem servir de pretexto para adoção de medidas comerciais de caráter protecionista. Por isso, destaco a importância dos trabalhos do Grupo ad hoc sobre Comércio e Desenvolvimento Sustentável, que tem como mandato fazer levantamento das credenciais ambientais do bloco, preparar insumos para nossas negociações externas e analisar medidas impulsionadas por terceiros em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável que possam vir a afetar o comércio do bloco.
A cooperação em Saúde entre nossos países também tem se mostrado de elevada importância. Nesse marco, saúdo a realização da 52ª Reunião de Ministros da Saúde do Mercosul nos dias 22 e 23 de junho. Na ocasião, foi reiterado o compromisso comum no sentido de promover melhora dos índices vacinais, o fortalecimento dos sistemas nacionais para futuras pandemias, a assistência no âmbito da saúde mental e a avaliação do impacto das mudanças climáticas na assistência aos povos do subcontinente. Além disso, foram debatidos o estímulo a pesquisas conjuntas, a autossuficiência da produção de insumos na região, a incorporação de novas tecnologias, entre outros temas.
Todos esses desafios exigem integração regional e cooperação com outros organismos internacionais. Receberão, por isso, atenção especial da parte da presidência de turno brasileira.
Outra pauta com grandes desdobramentos para o comércio no MERCOSUL é a de integração financeira, que deve ser fortalecida. Considero que o principal caminho, a curto prazo, deve ser a ampliação do uso da opção de que já dispomos: o Sistema de Pagamento em Moeda Local do MERCOSUL (SML), que possibilita aos exportadores e importadores dos países sócios transacionarem em suas respectivas moedas locais. O Brasil tem simplificado os procedimentos de operacionalização do SML e ampliado a cobertura de instituições elegíveis a operar o sistema. Seguiremos engajados nos trabalhos da Comissão de Sistemas de Pagamentos Transfronteiriços, que iniciou seus trabalhos durante esta PPTA – comissão que, recordo, foi criada com o objetivo de trabalhar para o aprimoramento do SML.
Queremos que todos os avanços na agenda econômica do MERCOSUL ocorram de forma transparente e em contato com o setor privado e a sociedade civil. Por isso, parabenizo a presidência argentina pela realização do Fórum Empresarial do MERCOSUL, que reuniu entidades dos setores privado e público para tratar de temas de grande relevância ao futuro do bloco, como o aprofundamento de cadeias regionais de valor em setores diversos e a participação decisiva de mulheres empresárias no comércio exterior do MERCOSUL. Durante a presidência do Brasil, daremos continuidade aos trabalhos do Fórum e buscaremos promover amplo engajamento do setor privado.
Senhoras e senhores,
No âmbito das negociações comerciais regionais, contamos com uma plataforma consolidada em matéria comercial: a América do Sul constituiu uma área de livre comércio de fato desde 2019, graças aos acordos celebrados com nossos vizinhos, no âmbito da ALADI.
Essa plataforma nos ajudará a enfrentar as circunstâncias atuais de relocalização de investimentos em escala global, por motivos geopolíticos ou empresariais. Com sentido de urgência, devemos aproveitar essa oportunidade para ampliar e aprofundar esse acervo de acordos comerciais com a região, sob pena de ficarmos para trás perante outras regiões e países extrazona.
Não se trata apenas de procurar melhor acesso para nossas exportações, mas, igualmente, de fomentar o desenvolvimento e o fortalecimento de cadeias regionais de valor com base numa confluência de fatores, desde medidas sanitárias e facilitação do comércio, passando por investimentos, serviços e economia digital, até compras públicas e medidas de convergência regulatória. Isso implica transcender a visão estritamente comercial para abranger temas como desenvolvimento sustentável e gênero, em consonância com as aspirações legítimas de nossas sociedades.
Ao longo da PPTB neste segundo semestre, em parceria com os sócios do MERCOSUL, haveremos de priorizar o aprofundamento e a ampliação temática dos acordos comerciais com nossos vizinhos sul-americanos. Permitam-me aproveitar esta oportunidade para apresentar algumas linhas de ação que tencionamos abordar.
Dando seguimento aos trabalhos da PPTA, avançaremos com a modernização do regime de origem com o Chile. Buscaremos finalizar o mecanismo de solução de controvérsias e a atualização da nomenclatura do acordo comercial com a Colômbia. Pretendemos, com isso, melhorar o acesso ao mercado colombiano para os setores automotivo e agropecuário.
Com relação ao Peru, há espaço para aperfeiçoarmos o acesso ao mercado peruano para produtos agropecuários e de zonas francas. Com o Equador, renovaremos gestões para a negociação de um novo acordo de complementação econômica, que proporcione um quadro institucional revigorado e impulsione a integração produtiva entre as partes.
Além disso, com base no compromisso inalienável do Brasil com a integração regional, questão reiterada constantemente pelo Presidente Lula, daremos continuidade ao processo de aproximação do MERCOSUL com a América Central e o Caribe, na busca de novas oportunidades de negócios para nossos operadores econômicos.
Além de buscar acordos comerciais com países da região, temos grande interesse em promover uma ampliação do MERCOSUL, por meio da adesão de novos Estados da região. Neste semestre, retomamos, em conjunto com a Bolívia, os trabalhos do Grupo de Adesão de Novos Estados Partes, que não se reunia desde 2019. Durante a presidência do Brasil, o grupo dará sequência aos trabalhos técnicos para continuar as tarefas previstas no Protocolo de Adesão do Estado Plurinacional da Bolívia ao MERCOSUL. Quanto ao processo de ratificação do Protocolo, ainda em curso no Brasil, reitero nosso compromisso de atuar positivamente para completar o processo de adesão da Bolívia ao MERCOSUL.
Nossa agenda extrarregional procurará refletir os desafios do atual contexto mundial, que sofreu significativas transformações nos últimos anos com a pandemia, as tensões geopolíticas e geoeconômicas, sem falar na intensificação da emergência climática. Mas, acima de tudo, buscaremos fazer com que os acordos comerciais sejam benéficos para todos, além de preservar a capacidade do Estado de zelar pelos mais vulneráveis – algo que se mostrou vital no enfrentamento global da pandemia. Na PPTB, pretendemos trabalhar intensamente com aqueles parceiros cujas negociações se encontram em etapa avançada, como com a U.E, para explorar a oportunidade de fechar acordos que estejam em sintonia com as demandas do atual contexto mundial. Em alguns dias, pretendemos apresentar para exame de todos uma contraproposta de reação à carta adicional da União Europeia, com o intuito de destravar a negociação birregional.
Caros colegas,
Para além da agenda comercial e econômica, queremos fortalecer a agenda social e cidadã do MERCOSUL. Nesse sentido, destaco a realização da Cúpula Social do MERCOSUL, no dia 1º de junho passado. O evento, havia sido descontinuado em 2016, tem o importante papel de aproximar a sociedade civil e movimentos sociais às dinâmicas do bloco. É uma agenda necessária, pois possibilita o incremento da participação de atores sociais, o que reforça a legitimidade e a transparência do processo de integração no âmbito do MERCOSUL.
É um passo concreto no fortalecimento do quadro de acordos do MERCOSUL social e político, que visam a ampliar os benefícios garantidos aos seus cidadãos. Durante a PPTB, pretendemos dar continuidade a essa agenda.
Nesse contexto, também gostaria de renovar o compromisso do governo brasileiro com o Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos e o Instituto Social do MERCOSUL, os quais vêm enfrentando restrições financeiras ao longo dos últimos anos. Estamos comprometidos a fortalecer as suas capacidades e a assegurar maior previsibilidade financeira, para que ambos os institutos possam seguir e ampliar as suas importantes atividades na agenda social e cidadã do MERCOSUL.
Também instruí minha equipe a iniciar discussões com vistas à uma futura reinstalação do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul, que como a Cúpula Social, também foi suspenso alguns anos atrás. É preciso trabalharmos juntos para tornar o MERCOSUL ainda mais democrático e relevante para nossas sociedades, e isso também passa por incluir nossos prefeitos e governadores nas deliberações do bloco.
Caros colegas, senhoras e senhores,
Em nossa presidência pro tempore, daremos prioridade a esses grandes desafios do MERCOSUL. Contem com o Brasil para trabalhar pelo fortalecimento do bloco. Agradeço novamente o meu amigo Santiago Cafiero pelo trabalho realizado durante o semestre.
Muito obrigado.