O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC
A Organização Mundial do Comércio conta, desde o início de seu funcionamento, em 1º de janeiro de 1995, com mecanismo de solução de controvérsias comerciais. O chamado Sistema de Solução de Controvérsias (SSC) da OMC tem permitido, ao longo dos anos, definir o alcance dos Acordos que compõem o acervo normativo da OMC, contribuindo, dessa forma, para conferir maior segurança e transparência ao funcionamento da Organização. Conheça mais sobre o funcionamento do sistema.
Principais características
O órgão da OMC competente para administrar o SSC é o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC). Somente os Membros da OMC – isto é, Estados, territórios aduaneiros autônomos e determinadas organizações internacionais (no caso, a União Europeia) – podem participar desse mecanismo, sendo o recurso vedado a outros atores, como empresas, pessoas físicas e organizações não-governamentais.
O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC tem as seguintes características:
(i) abrangência: os procedimentos previstos no mecanismo aplicam-se a todas as controvérsias apresentadas com base nos chamados “acordos abrangidos” da OMC, isto é: a) Acordo de Marraqueche; b) acordos multilaterais que cobrem o comércio de bens, o comércio de serviços e os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio (Anexo 1 do Acordo de Marraqueche); c) o próprio Entendimento sobre Solução de Controvérsias (Anexo 2 do Acordo de Marraqueche); e d) acordos plurilaterais (Anexo 4 do Acordo de Marraqueche), em controvérsias nas quais tanto o Membro demandante quanto o demandado sejam signatários do respectivo acordo plurilateral;
(ii) automaticidade: foi estabelecida uma jurisdição “quase obrigatória”, com base na regra do consenso negativo, a qual estabelece que somente não será estabelecido painel se todos os Membros votarem contra o estabelecimento, inclusive o demandante. Do mesmo modo, só não será adotado um relatório se todos votarem contra sua adoção, inclusive o Membro vencedor na disputa;
(iii) duplo grau de jurisdição: criação de um órgão revisor permanente dos relatórios dos painéis, denominado Órgão de Apelação (“OA”), que representa a existência de um duplo grau de jurisdição no âmbito do SSC da OMC;
(iv) exequibilidade: existência de meios específicos para estimular o cumprimento das recomendações dos relatórios adotados pelo OSC. Destaca-se, nesse contexto, a “retaliação”, por meio da qual o Membro vencedor é autorizado a “suspender concessões ou outras obrigações” em relação ao Membro vencido, bem como a possibilidade de oferecimento de compensações pelo Membro perdedor até a implementação total do que foi estipulado no relatório adotado.
O objetivo maior do sistema é reforçar a observância das normas comerciais multilaterais e a adoção de práticas compatíveis com os acordos negociados. Esse objetivo prevalece sobre o propósito de punir Membros pela adoção de práticas consideradas incompatíveis com as regras da OMC. Assim, o sistema permite, a qualquer momento, a solução do conflito por meio de acordo entre as partes em contenda.
Fases e procedimentos do sistema de solução de controvérsias da OMC
Os contenciosos da OMC desenrolam-se em quatro fases principais: (i) consultas; (ii) painel; (iii) apelação; e (iv) implementação.
(i) Consultas: fase inicial do contencioso, momento em que a parte demandante solicita à parte demandada informações sobre sua legislação e suas práticas comerciais, e requer modificações das medidas questionadas, conforme os acordos da OMC. A parte demandada tem o prazo de 10 dias para responder à parte demandante, e as consultas devem ser realizadas em 30 dias. Se as consultas não solucionarem a disputa em 60 dias do recebimento do pedido, a parte demandante pode requerer o estabelecimento de painel.
(ii) Painel: os painéis são constituídos por três membros, que deverão ser escolhidos de comum acordo pelas partes. As partes apresentam ao painel petições escritas e participam de audiências, oportunidade em que podem apresentar e defender oralmente seus argumentos. Ao final de seus trabalhos, o painel emite um relatório sobre a compatibilidade das medidas questionadas em relação aos acordos da OMC. Em teoria, o prazo para a apresentação deste relatório é de até 6 meses, prorrogáveis por mais três. Na prática, a fase de painel tem durado cerca de 12 meses, a não ser em casos de maior complexidade, como, por exemplo, o caso do algodão (DS267), que chegou a durar quase dois anos, e o caso Boeing-Airbus (DS353), que superou os cinco anos.
(iii) Apelação: eventuais apelações dos relatórios dos painéis deverão ser apresentadas ao Órgão de Apelação, órgão permanente que tem a função de revisão de aspectos jurídicos dos relatórios emitidos pelos painéis. O OA é composto por sete membros permanentes, com mandato de 4 anos, renovável uma vez. Apenas 3 desses 7 membros participam de cada controvérsia. O relatório do Órgão de Apelação deverá ser adotado pelo OSC e incondicionalmente obedecido pelas partes, a não ser que o OSC decida, por consenso, pela não adoção desse relatório.
(iv) Implementação: se o relatório do painel ou do Órgão de Apelação adotado pelo OSC concluir pela incompatibilidade das medidas de um Membro com as regras da OMC, a parte demandada deve modificar aquela medida, a fim de recompor o equilíbrio entre direitos e obrigações no âmbito do sistema multilateral de comércio. O Membro vencido deverá informar a maneira como implementará as recomendações e indicará, se necessário, um período razoável de tempo para fazê-lo.
Expirado o período razoável de tempo, sem o cumprimento das recomendações contidas no relatório adotado, as partes podem chegar a acordo quanto a uma possível compensação da parte vencida à parte vencedora, se esta for a demandante, até o integral cumprimento do relatório. Caso não haja acordo quanto à compensação, a parte vencedora poderá solicitar ao OSC autorização para suspender concessões ou obrigações em relação à parte vencida. A suspensão de concessões ou obrigações poderá passar por avaliação de arbitragem, em que se examinará de que maneira e em que valor incidirá a suspensão. Esse mecanismo visa a conferir maior efetividade ao sistema de solução de controvérsias da OMC e, consequentemente, ao sistema multilateral de comércio.
O Brasil no Sistema de Solução de Controvérsias da OMC
O Sistema de Solução de Controvérsias é um dos eixos centrais da ação do Brasil na área comercial. Com 33 casos como demandante, 16 como demandado e 147 participações como terceira parte em contenciosos sobre os mais variados temas, o Brasil está entre os seis principais usuários do sistema, atrás apenas dos EUA, da União Europeia, do Canadá, da China e da Índia. Atualmente, o Brasil é parte principal em 5 contenciosos, como demandante (veja resumo dos principais casos do Brasil como parte demandante). Essa intensa atuação conferiu ao País uma influência crescente na definição de vários dos compromissos assumidos no âmbito da OMC, tendo-se revelado instrumental para a eliminação de barreiras às exportações brasileiras e para a estratégia de desenvolvimento nacional.
O Itamaraty conta, desde 2001, com equipe dedicada exclusivamente à preparação e acompanhamento dos contenciosos na OMC, com o objetivo de facilitar a participação do Brasil no SSC. Atuando em estreita articulação com o setor privado brasileiro e outras áreas do Governo, a Divisão de Contenciosos Comerciais (DCCOM) é responsável, entre outros, pelo acompanhamento permanente dos casos em andamento (elaboração de petições, participação em consultas e audiências, pesquisa e análise de jurisprudência), como também pela condução das discussões pré-contencioso (receber as ponderações de setores afetados, elaboração de pareceres jurídicos, coordenação com os setores e órgãos governamentais envolvidos) e, não menos importante, o monitoramento da implementação dos contenciosos.
A decisão de iniciar um contencioso na OMC é tomada pela Câmara de Comércio Exterior (“CAMEX”), tendo presente análise preliminar sobre a viabilidade jurídica do caso e parecer de diversas áreas do Governo sobre os interesses econômicos e políticos em jogo.
Contexto atual do sistema: desafios
Desde 2017, desentendimentos entre países sobre o funcionamento do SSC têm levado ao bloqueio da nomeação de novos membros para o Órgão de Apelação. Por isso, desde dezembro de 2019, as atividades deste último encontram-se paralisadas, o que deixará as disputas em um “limbo”, sem perspectivas de resolução, caso se apresentem apelações, no “vazio”, de relatórios dos painéis.
Com vistas a superar o impasse, o Brasil tem atuado em prol de uma solução multilateral de longo prazo, que atenda às preocupações de todos os Membros da OMC, em estrita observância ao Entendimento sobre Solução de Controvérsias e com o objetivo de preservar os direitos e obrigações pactuados no Acordo de Marraqueche, que criou a Organização Mundial do Comércio.
Paralelamente aos esforços multilaterais para uma solução de longo prazo, um grupo de 21 Membros da OMC (dentre os quais o Brasil) acordaram um arranjo provisório plurilateral (“Multi-Party Interim Arbitration Arrangement” – MPIA), no qual sinalizam o compromisso de, enquanto durar a crise do Órgão de Apelação, (i) não “apelar ao vazio” em contenciosos entre os participantes do MPIA; e, (ii) na hipótese de uma das partes em um contencioso desejar apelar das conclusões do painel, recorrer ao Artigo 25 do DSU para efetivar uma “arbitragem-apelação”. O Arranjo está aberto à participação de todos os Membros da OMC.
Petições Brasileiras
Com o objetivo de promover transparência sobre a atuação brasileira no mecanismo de solução de controvérsias da OMC, o Ministério das Relações Exteriores buscará disponibilizar as petições apresentadas pelo Brasil como parte principal em contenciosos. Serão publicadas, num primeiro momento, as petições relativas às fases de painel e, quando houver, de apelação, em contenciosos ocorridos a partir de 2008.
DS382 - US — Orange Juice (Brazil):
- Primeira Petição do Brasil
- Segunda Petição do Brasil
- Peça de Apelação
- Contra-apelação
DS472 e DS497 – Brazil – Taxation:
DS522 – Canada – Commercial Aircraft:
- Primeira Petição do Brasil