Jardins do espelho d’água, de Roberto Burle Marx (1966)
O paisagista, arquiteto, desenhista, pintor, gravador, litógrafo, escultor, tapeceiro, ceramista, designer de joias e decorador Roberto Burle Marx (São Paulo, 1909 – Rio de Janeiro, 1994) elaborou, entre 1965 e 1966, o projeto paisagístico do espelho d'água do Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores. Os jardins circundam quase a totalidade do Palácio e, no interior do edifício, há outras obras do artista.
O espelho d’água contém diversos canteiros, de alturas distintas, e cerca de 80 espécies de plantas, que representam a diversidade da natureza brasileira. Apesar de não serem parte do projeto original, também vivem no espelho d’água peixes e tartarugas. Não é incomum, além disso, a presença de garças e de outros pássaros.
Burle Marx e o uso de plantas nativas brasileiras
Roberto Burle Marx, ainda jovem, viajou para Berlim, na Alemanha, para estudar pintura. Lá as visitas ao Jardim Botânico da cidade apresentaram-lhe, curiosamente, as possibilidades artísticas das plantações tropicais. Quando retornou ao Brasil, em 1930, para estudar arte na Academia Nacional de Belas Artes, Burle Marx passou a experimentar, em sua casa, ideias de criações que uniam arte com plantações nativas. Esse trabalho chamou atenção de seu professor, o arquiteto e urbanista Lúcio Costa, que propôs a Burle Marx que projetasse o jardim de sua família. Lúcio Costa foi o autor do projeto do Plano Piloto de Brasília. Burle Marx tornou-se um expoente na transformação do paisagismo em arte.
O projeto paisagístico do Itamaraty
Burle Marx foi chamado a elaborar o projeto paisagístico do Palácio Itamaraty, nova sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Desenvolvido entre os anos de 1965 e 1966, o projeto original, que envolve a totalidade dos jardins do Palácio do Itamaraty, representa uma área de aproximadamente 44.812,46 m², sendo seus jardins internos e externos pensados a partir da representação da natureza brasileira. O jardim aquático externo contorna o palácio, e o espelho d'água realça a majestade de seus arcos. Um fato singular é que o espelho d'água não constava no projeto original do arquiteto Oscar Niemeyer, e surgiu de observações feitas pelo diplomata Wladimir Murtinho, presidente da Comissão de Transferência do MRE e do Corpo Diplomático para Brasília (1963-1969), e pelo arquiteto do Itamaraty, Olavo Redig de Campos, quantos às medidas de segurança necessárias a uma chancelaria. A ideia original era de um jardim contínuo, rodeando todo o edifício até as colunas.
O paisagismo proposto por Burle Marx é formado por conjuntos de bases de canteiros localizados dentro do espelho d´água, com formatos retangulares e circulares, de diferentes alturas, que apresentam delineados precisos e dão movimento ao grande espelho d’água retangular. Nestes conjuntos, há ainda uma relação interna entre o volume, textura e altura das plantas utilizadas, que complementam as composições com diferentes tons de verdes e tamanhos de folhas. Há também conjuntos de vitória régias ao longo do espelho d´água, em canteiros mais baixos, que ficam submersos.
Trinta e seis buritis – palmeira que alcança 30 metros de altura, sendo muito comum no cerrado brasileiro, bioma nativo da região onde se localiza Brasília – também foram colocados no lado leste, pelo então Departamento de Plantas e Jardins do Ministério das Relações Exteriores. O encontro entre o jardim interno do térreo e o jardim do espelho d'água resulta na interação harmoniosa entre o ambiente interno e externo do palácio.
Trecho de carta de Roberto Burle Marx a Conrad Hamerman, de 17 de março de 1967, sobre a proposta paisagística do espelho d'água do Palácio Itamaraty:
[...] ontem vim de Brasília, onde terminei o jardim do Ministério das Relações Exteriores. É um jardim que, na minha carreira, tem uma importância enorme. É um jardim aquático, no qual há um grande número de plantas da região. A solução como jardim aquático é nova, sobretudo se estabeleço um paralelo com o jardim aquático de Casa Forte, em Pernambuco, meu primeiro jardim aquático. Os volumes distribuídos no lago ou tanque que circunda o Ministério das Relações Exteriores estão ligados ao ritmo dos arcos que caracteriza o prédio. Naturalmente, este jardim só vai mostrar as intenções depois que as plantas crescerem. O jardim interno se liga ao jardim externo. Cobri tubos com xaxim e plantei filodendros, antúrios e outras plantas epífetas. É verdade que o efeito é de primeira qualidade e Oscar Niemeyer gostou muito. Isso faz com que muita gente sem opinião definida e que encontrou uma série de erros ache agora tudo extraordinário. O jardim do terraço foi um problema difícil, pois não havia como dispor muita terra nos canteiros e, devido a isso, utilizei uma série de plantas saxícolas e com capacidade de adaptação a pouca terra. Quero ver se faço fotografias dos planos, a fim de que você possa inserir no futuro livro; creio que será um marco na minha obra. As plantas foram fornecidas por nós, o que nos deu a possibilidade de empregar o material que dispúnhamos no sítio. Plantas aquáticas foram coletadas e selecionadas especialmente para este jardim. |
Além dos jardins
Além dos jardins, uma outra obra, criada especialmente para o Palácio Itamaraty, se destaca no acervo: a tapeçaria “Vegetação do Planalto Central”, que homenageia a natureza da região onde foi instalada Brasília. A obra, com cerca de 25 metros de largura, é exposta na Sala Brasília, um dos principais espaços cerimoniais do Itamaraty.
É possível agendar visitas para conhecer o interior do Palácio. O roteiro normalmente inclui visita à Sala Brasília e à tapeçaria “Vegetação do Planalto Central”.
Quer saber mais sobre o trabalho de Roberto Burle Marx?
Veja episódio do programa "Caminhos da Reportagem", da TV Brasil, filmado no Sítio Burle Marx, no Rio de Janeiro. O sítio é onde o paisagista morou e foi reconhecido como Patrimônio Mundial pela UNESCO, em 2021.
O Sítio Burle Marx é uma unidade especial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Veja episódios do curso "Ampliando sentidos para a mediação", sobre o artista:
- Influências no paisagismo de Burle Marx, com Eduardo Barra.
- Burle Marx e a arquitetura, com Andrey Schlee.
- Burle Marx, o modernista, com Vera Siqueira.
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Referências:
ACERVO. Instituto Moreira Salles. Disponível em: Search result for "all assets" (190555) (ims.com.br). Acesso em: 05 de julho de 2024.
AREMI MATSUDA, Karen. Um palácio em formação: Estudos sobre o desenvolvimento do projeto do Palácio Itamaraty entre 1959 e 1970. 2020. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2020.
Burle Marx: o artista que transformou o paisagismo em arte. Laart, 30 de julho de 2019. Disponível em: Burle Marx: o artista que transformou o paisagismo em arte (laart.art.br). Acesso em: 05 de julho de 2024.
CARDOSO, Marianna Gomes Pimentel. O jardim como patrimônio: a obra de Burle Marx em Brasília. 2012. 189 f., il. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)—Universidade de Brasília, Brasília, 2012.
DOURADO, Guilherme Mazza. Espelhos de si: Burle Marx a partir de suas cartas. Paisagem e Ambiente, n. 39, p. 15-39, 2017.
Instituto Moreira Salles. Disponível em: Instituto Moreira Salles (ims.com.br). Acesso em: 05 de julho de 2024.
10 anos do tombamento: como estão os jardins de Burle Marx em Brasília?. Correio Braziliense, Brasília, 27 de setembro de 2021. Disponível em: 10 anos do tombamento: como estão os Jardins de Burle Marx em Brasília? (correiobraziliense.com.br). Acesso em: 05 de julho de 2024.