Bacia de Lava-pés
A Coordenação-Geral de Patrimônio Histórico (CGPH) publica neste Espaço da Memória informações sobre as obras pertencentes ao acervo do Itamaraty.
A bacia de lava-pés pertencente ao acervo do Palácio Itamaraty é confeccionada em prata de lei, com formato circular e decoração fitomorfa nas bordas e no centro. Peça datada do século XVIII, revela a prática do lava-pés, considerada, na maioria das vezes, como tendo sentido espiritual, além de religioso. É símbolo da tradição cristã de acordo com a narrativa bíblica em que Jesus, na Santa Ceia, teria, numa lição de humildade a seus discípulos, lavado os pés de todos eles. No concílio de Toledo, em 694 d.C., a Igreja Católica Ocidental reconheceu um caráter sacramental na cerimônia de lava-pés, que seria realizada na quinta-feira santa, por ser o dia em que foi realizada a Última Ceia. Tal fato descrito na bíblia como parte da Santa Ceia tornou-se, também no Brasil Imperial, motivo de representação na Quinta-Feira Santa e nos batizados. Robert Walsh descreve as celebrações da Quinta Feira Santa do século XIX no Rio de Janeiro, com destaque para a Cerimônia do Lava-Pés, executada pelo próprio Imperador:
A Quinta de Endoenças, ou Quinta-Feira Santa, distingue-se por uma cerimônia realizada com grande humildade e absoluta regularidade pelo falecido rei e mantida pelo atual imperador com a mesma devoção com que ele participava das outras, seguindo o exemplo dado pelo pai. Essa cerimônia consiste na lavagem dos pés de mendigos. No dia anterior, alguns pobres, escolhidos com esse propósito, eram vestidos decentemente e levados a diversas igrejas, onde grandes bacias de prata se achavam colocadas nos degraus do altar, em preparação para a cerimônia. Quando os pobres chegavam, eram colocados em bancos com assentos em três níveis diferentes. Eles se sentavam no mais alto, descansavam os pés no do meio e o imperador se ajoelhava no mais baixo e fingia executar esse ato de humildade. Dom João tinha trazido consigo de Portugal uma magnífica baixela de prata antiga, que era sempre exibida nessa ocasião. (WALSH, 1985:174)
A historicidade da bacia lava-pés traz consigo a possibilidade de pensar o rito no espaço e tempo histórico, as atribuições de sentido conferidos e ele, e a percepção de como a bacia lava-pés pertence e é instrumentalizada em contextos socioculturais que se transformam ao longo da história. Atualmente a bacia lava-pés permanece ainda como uma das mais fortes e duradouras simbologias guardada pelo cristianismo, com a preservação da cerimônia na Quinta Feira Santa.
Referências:
WALSH, Robert. Notícias do Brasil [1828-1829]. Belo Horizonte/ São Paulo: Editora Itatiaia/ Editora da Universidade de São Paulo, 1985.
O épico e o popular n’As Cenas da Paixão Segundo Congonhas / Junia Cristina Pereira. - 2009