"Coroação de D. Pedro I pelo bispo do Rio de Janeiro, Monsenhor José Caetano da Silva Coutinho, no dia 1° de dezembro de 1822, na capela do Paço Imperial", de Jean Baptiste Debret
A Coordenação-Geral de Patrimônio Histórico (CGPH) publica neste Espaço da Memória informações sobre as obras pertencentes ao acervo do Itamaraty.
Importante peça do Acervo do Palácio Itamaraty, a pintura a óleo de autoria do pintor francês Jean Baptiste Debret resulta de vários estudos realizados durante sua vinda ao Brasil com a chamada Missão Artística Francesa em 1816, publicados em três volumes como a série Viagem pitoresca e histórica ao Brasil.
Renomado pintor neoclássico, já amplamente conhecido como pintor de história e um dos retratistas de Napoleão Bonaparte, Debret dedicou parte de seus estudos à corte portuguesa, mais tarde convertendo alguns dos esboços em pinturas em tela. Esse trabalho abrangeu desde o reinado de Dom João IV à coroação de Dom Pedro I.
Considerando o contexto histórico que presenciou, e sua formação artística, Debret mantém os ideais da Antiguidade Clássica, reforçando elementos como militarismo e patriotismo, recorrentes também durante a representação imagética napoleônica. Dessa forma, ao enfatizar a exatidão cerimonial da cena histórica, fortalece tais atributos na construção da imagem de Dom Pedro I.
Enquanto D. João IV era retratado seguindo as tradições da Casa de Bragança, e os modelos de monarcas franceses, os diversos retratos de Dom Pedro I apresentavam certa ruptura em comparação à figura do pai, em especial, o uso de dois elementos sempre presentes em seus retratos: as botas e o manto. As botas de cavalaria, itens tão destoantes do traje real, transmitem a imagem de um jovem forte que “viaja por suas terras e conhece o seu povo” (Elaine Dias). O poncho, similar aos usados pelos povos gaúchos e paulistas, bordado em ouro com as insígnias brasileiras e forrado de seda amarela para amenizar o calor, além da mozeta1 feita com plumas de tucano, são elementos que demonstram a busca por uma brasilidade na construção de sua imagem.
“O bordado de estilo largo lembra, pela sua forma, grupos de folhas de palmeira e frutos da mesma árvore; grandes estrelas de oito pontas, semeadas no fundo, completam a riqueza desse manto, cuja execução merece justos elogios” (DEBRET, 1972, p 161)
Desta forma, é possível notar a visão de progresso que Debret via em D. Pedro I, em comparação à corte de D. João IV, retratando-o de forma que o mostrasse como uma figura forte, ativa e de intenso temperamento.
Ao fundo é possível notar características barrocas na arquitetura, estilo até então presente nas construções religiosas brasileiras, o que remonta à prática comum de conferir santidade aos monarcas.
“No Brasil, os imperadores passam a ser ungidos e sagrados numa tentativa de dar sacralidade a uma tradição cuja inspiração era antiga, mas a realização datada. Nesse movimento, ao mesmo tempo em que os monarcas ganham santidade, os santos, quando muito adorados, ganham realeza no Brasil. [...] De qualquer modo, mantos imperiais convivem com mantos divinos, e o imaginário da realeza acaba permeando fortemente o catolicismo brasileiro”
(SCHWARCZ, 1999, p.16)
Assim, a figura de Dom Pedro I, sentado ao trono, recebendo as honrarias de Lúcio Soares Teixeira de Gouveia, então presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, que se ajoelha perante ao imperador, recebe um caráter que beira o sagrado. Assim, os meios usados para a composição unem a tradição religiosa com a promissora liderança independente de Portugal.
Para a publicação de seu álbum sobre o Brasil, entre os anos 1834 e 1839, Debret enfrentou resistência por parte de alguns gravuristas em relação às representações. As botas de cavalaria usadas junto ao manto provocaram estranhamento nos gravuristas parisienses, visto que um elemento tão destoante da vestimenta real parecia um trabalho artístico medíocre. Quando contextualizadas, no entanto, a dúvida sobre o talento do artista desaparecia, para isso colaborando a fama de paraíso natural, de Éden misterioso, que o Brasil possuía à época entre os europeus.
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[1] A mozeta ou murça é uma capa curta que cobre os ombros, parte das costas e dos braços. Ela é usada sobre a sobrepeliz como parte da roupa coral de alguns dos clérigos da Igreja Católica, entre eles o Papa, cardeais, bispos, abades, cônegos e superiores de ordens religiosas (Wikipedia).
Jean-Baptiste Debret (18 de abril de 1768 - 28 de julho de 1848, Paris - França)
Referências Bibliográfica:
DEBRET, J.-B. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Tomo II, v. III. São Paulo, 1940.
DIAS, Elaine. A representação da realeza no Brasil: uma análise dos retratos de D. João VI e D. Pedro I, de Jean-Baptiste Debret. Anais do Museu Paulista. São Paulo. n. sér. v 14. n 1. p. 241-261. Jan-jun, 2006.
TREVISAN. A. R. Debret e a Missão Artística Francesa de 1816: aspectos da constituição da arte acadêmica no Brasil. Plural, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, nº14, 2007, p. 9-32.
SCHWARCZ, L. M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.