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Safra 2023
Pescadores de lagosta em estado de emergência
Dirigentes do MPA e representantes dos pescadores presencialmente e remotos discutiram o ordenamento da pesca da lagosta em 2023 - Foto: Ugo Braga/MPA
Em reunião de emergência com mais de 60 lideranças de pescadores artesanais de lagosta, na tarde de hoje (18), o Ministério da Pesca e Aquicultura recebeu um pedido formal para o adiamento por mais um ano das regras da portaria SAP/MAPA 221, de 8 de junho de 2021.
Essa portaria impõe o limite mínimo de 14 centímetros ao comprimento da cauda da lagosta pescada no Brasil e ainda obriga os pescadores a trazê-las vivas da pescaria. O período do defeso acaba daqui a 12 dias, em 1º de maio, e os pescadores e pescadoras artesanais estão aflitos com a vigência da norma às vésperas do início da safra – que vai até 31 de outubro.
Em caso de revisão, a portaria precisa ser assinada em conjunto pelo MPA e pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Uma reunião entre as duas pastas sobre o tema está marcada para amanhã.
“Se ficar desse jeito, vão acabar com a pesca aqui no Ceará”, disse, indignado, Tobias Soares, presidente do Sindicato de Pescadores de Icapuí. “Essa regra foi imposta sem ouvir os pescadores e ela não é biológica, é mercadológica”, acusou.
Até o ano passado, o ordenamento da lagosta vermelha, que é a mais comum no Brasil, permitia caudas de no mínimo 13 centímetros de comprimento. A partir deste ano, segundo a portaria, esse limite sobe para 14cm. O problema do centímetro a mais, segundo os pescadores e pescadoras, é que um exemplar com esse tamanho costuma estar em águas mais profundas durante a safra.
“As jangadas só vão até 20 milhas da costa. Até 20 milhas, não tem lagosta de 14cm. Vieram com essa decisão de cima para baixo, é um jeito de nos excluir”, explicou Maria Martilene de Lima, coordenadora do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais. Segundo ela, só barcos maiores e mais estruturados serão capazes de pescar, se as regras não forem mudadas.
Martilene explicou que, para os pescadores, o comércio de lagosta viva agrega mais valor. “Um quilo dá de oito a nove caudas. Ou três lagostas vivas”, explicou. “Então, por esse ponto de vista, trabalhar com ela viva é melhor, melhorou a produtividade.” O problema, conforme disseram os pescadores, é que a medida foi tomada de forma abrupta. Muitas embarcações não tem estrutura para o transporte correto dessa lagosta. Por isso, são contra a obrigatoriedade neste momento.
“Foram dez anos de estudo para a gente conhecer o ciclo de vida da lagosta. Agora numa canetada eles mudaram para 14 centrímetros”, complementa Edivando Soares de Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores (CNPA). Ele critica a forma como a decisão foi tomada, no ano passado, segundo afirma, arbitrariamente.
O presidente da Colônia de Pescadores Z-8, de Marataízes, no Espírito Santo, Marcoli Marvila, também criticou a obrigatoriedade de trazer a lagosta viva do mar. “Em primeiro lugar, se a gente deixa a lagosta dentro da água depois de pescar, vem o polvo, a lula, e chupa a carne dela. Quando a gente puxa, só tem a casca. Mesmo assim, digamos que a gente consiga trazer a lagosta. Quando o barco chega, não tem ninguém lá no ponto de desembarque. A lagosta tem que ficar armazenada no gelo, na casa do pescador, que mora longe da cidade. Então pra nós, ou é em cauda ou morta.”
Presente na reunião, o secretário-executivo do Ministério da Pesca e Aquicultura, Carlos Mello, elogiou o fato de todos estarem à mesa, com direito a voz, e o governo reagir ao estímulo do setor primário. "Vamos construir juntos esse ordenamento, democraticamente", frisou. O secretário Nacional de Pesca Artesanal, Cristiano Ramalho, responsável pela mediação do encontro, lembrou que a participação da sociedade na construção das políticas públicas foi negada nos últimos quatro anos. "Mas agora estamos num momento novo da história do nosso país e os movimentos sociais terão suas vozes ouvidas e respeitadas."
ENTENDA
A pesca da lagosta no Brasil é feita quase que em sua totalidade por pescadores artesanais. Eles usam jangadas ou barcos pequenos e lançam no mar as armadillhas feitas com madeira ou palha, chamadas de manzuá.
As jangadas vão e voltam do mar até aproximadamente 20 a 30 milhas da costa – ou seja, mais de 60 quilômetros mar adentro, no mesmo dia. Alguns barcos artesanais conseguem passar vários dias no mar.
A estatística pesqueira da lagosta é falha no Brasil porque os mapas de bordo costumam ser entregues preenchidos a mão nas superintendências federais de pesca e aquicultura. Mas dados do comércio exterior registram que o país exportou 1,6 mil toneladas em 2020, 1,49 mil toneladas em 2021 e mil toneladas em 2022.
No Brasil, há 2.950 embarcações registradas para a pesca da lagosta. Se consideramos que cada embarcação em média leva 4 pescadores, são 11.800 pescadores impactados diretamente pelas normas. Os maiores produtores são Ceará, Pará e Rio Grande do Norte, nesta ordem.
Veja aqui a apresentação feita pelo diretor do Departamento de Pesca Industrial, Amadora e Esportiva, Édipo Cruz, na reunião com os representantes dos pescadores.