Marco Regulatório
O primeiro marco legal do biodiesel no Brasil sucedeu esse lançamento, em 13 de janeiro de 2005, por meio da promulgação da Lei nº 11.097/2005. Esse ato visou à introdução do biodiesel na matriz energética nacional e alterou a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997 (Lei do Petróleo), a Lei nº 9.847, de 26 de outubro de 1999 (Lei de Penalidades), e a Lei nº 10.636, de 30 de dezembro de 2002 (Lei da CIDE).
No âmbito da Lei nº 11.097/2005, estabeleceu-se que o biodiesel é um biocombustível derivado de biomassa renovável para uso em motores a combustão interna com ignição por compressão ou, conforme regulamento, para geração de outro tipo de energia, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil. Foi designado que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), assumisse a atribuição de regular, contratar e fiscalizar as atividades econômicas integrantes da indústria do biodiesel. Em termos normativos, essa nova competência da ANP se consubstanciou na inserção, na Lei do Petróleo, de alterações nos seguintes dispositivos:
- Art. 1º, inciso XII; art. 2º, inciso IV; e art. 6º, incisos XXIV e XXV: os quais, em seu conjunto, inseriram os biocombustíveis e o biodiesel na matriz energética nacional; e
- Art. 7º; e art. 8º, incisos I, VII, IX, XI, XVI e XVIII: os quais incorporaram a regulação dos biocombustíveis no rol de competências da ANP, entre eles o biodiesel.
O biodiesel, inserido na matriz energética brasileira, possui, atualmente, três usos principais:
- Atendimento à mistura obrigatória (mandato) de biodiesel ao óleo diesel fóssil;
- Realização de mistura voluntária ao óleo diesel fóssil; e
- Uso experimental.
A comercialização do biodiesel para atendimento à mistura obrigatória
A necessidade de regulamentação da mistura do biodiesel ao óleo diesel fóssil levou à criação do Decreto nº 5.448/2005, que autorizou a mistura de 2% do volume total de biodiesel ao óleo diesel fóssil, inicialmente em caráter voluntário e, posteriormente, mandatório. A obrigatoriedade do teor de 2% (B2) entrou em vigor a partir de janeiro de 2008, percentual este que foi sendo incrementado ao longo dos anos através da edição de atos normativos específicos, sejam leis ou resoluções do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
O teor de mistura obrigatória evoluiu do mandato de 2% em janeiro de 2008 até o mandato de 13% em março de 2021. Ao longo desse período, as elevações dos percentuais seguiram a seguinte sucessão normativa:
- Resolução CNPE nº 6/2009: estabelece em 5% o teor da mistura obrigatória;
- Lei nº 13.033/2014: estabelece o escalonamento do percentual de mistura obrigatória até 7%; e
- Lei nº 13.263/2016, que alterou a Lei nº 13.033/2014, determinando o aumento gradual do teor até 10%;
- Resolução CNPE nº 11/2016, que regulamentou a Lei nº 13.263/2016 por meio da fixação da data de 1 de março de cada ano para que ocorresse a evolução de cada ponto percentual do teor até o limite de 15%.
Deve-se mencionar que a Lei nº 13.263/2016, em seus artigos 1º A e 1º B, autoriza o CNPE a elevar o percentual, desde que sejam realizados os devidos testes em motores, para legitimar a utilização da mistura. Posteriormente, em 2018, a Resolução CNPE nº 16/2018 dispôs sobre a evolução da adição obrigatória de biodiesel ao óleo diesel vendido ao consumidor final, em qualquer parte do território nacional, autorizando a ANP a fixar o percentual de adição de até 15%, em volume. Porém, indicou como condição a prévia realização de testes e ensaios em motores, exigindo que estes concluíssem satisfatoriamente pela possibilidade técnica de utilização do biodiesel, nos termos da Resolução. Para viabilizar a realização dos testes supramencionados, foi editada a Portaria MME nº 262, de 17 de junho de 2016, que instituiu o Grupo de Trabalho encarregado da formulação, implantação e acompanhamento de ações direcionadas à realização de testes e ensaios em motores e veículos para validar a utilização de misturas de biodiesel ao óleo diesel em percentual superior aos 7%, vigentes à época.
No âmbito do trabalho desse Grupo de Trabalho, foi publicado, em maio de 2019, o Relatório de Consolidação dos Testes e Ensaios para Validação da Utilização de Biodiesel B15 em Motores e Veículos, contendo condicionantes à implantação da mistura B15 em todo país. O principal deles foi a definição do parâmetro de estabilidade à oxidação para a mistura de biodiesel/diesel, prevista na Resolução ANP nº 45, de 25 de agosto de 2014.
O modelo de comercialização de biodiesel: dos leilões públicos ao novo modelo da Resolução CNPE nº 14/2020
A comercialização de biodiesel seguiu, entre 2007 e 2021, o modelo dos leilões públicos, sendo, a partir de 2022, substituído por um novo modelo de comercialização baseado na contratação direta entre as partes.
A escolha dos leilões públicos como mecanismo para a comercialização do biodiesel destinado ao atendimento da mistura obrigatória foi determinada pela Resolução CNPE nº 05/2007, a qual estabeleceu as diretrizes gerais para a sua realização. A motivação para a escolha desse mecanismo foi justificada pela necessidade de desenvolvimento da capacidade produtiva de biodiesel para atender à exigência da sua mistura obrigatória ao óleo diesel fóssil.
A implementação dessa modalidade de comercialização foi, conforme mencionado anteriormente, desdobrada à ANP, havendo a Resolução CNPE nº 05/2007 estabelecido, nos seus arts. 2º a 5º, os critérios balizadores para a regulação da Agência. Além disso, estabeleceu, em seu art. 6º, a data de 1º de janeiro de 2008 para o início de vigência da mistura obrigatória. Com vistas à execução dessa diretriz, a ANP publicou a Resolução ANP nº 33/2007.
De 2007 a 2012, os normativos supramencionados regeram as regras de comercialização do biodiesel, as quais passaram por aprimoramento com a publicação da Portaria MME nº 476/2012. Essa Portaria introduziu diretrizes a serem observadas pela ANP na organização dos leilões, válidas até sua substituição pela Portaria MME nº 311/2018, a qual vige atualmente.
Com o advento da Resolução CNPE nº 14/2020, foi determinada a substituição dos leilões públicos por um novo modelo de comercialização a ser regulamentado pela ANP. A transição para o novo modelo de comercialização teria duração de doze meses a contar da entrada em vigor do modelo de comercialização a ser regulado. Durante o período de transição, o produto deve ser oriundo somente de unidades produtoras autorizadas pela ANP, sendo vedada a importação de biodiesel, exceto se autorizada excepcionalmente pela ANP, conforme o art 1º, § 4º da Resolução. Após o período de transição, ou seja, a partir de 2023, a importação estaria autorizada, cabendo à ANP retirar as restrições regulatórios à importação de biodiesel.
A ANP, para atender às medidas estabelecidas pela Resolução CNPE nº 14/2020, instaurou grupo de trabalho interno através da publicação da Portaria ANP nº 292/2020, que designou o prazo de 90 dias para ser apresentada à Diretoria Colegiada da Agência a proposta de regras para o novo modelo de comercialização do biodiesel em substituição aos leilões públicos. Nesse sentido, foi autorizada pela Diretoria Colegiada da ANP a realização da Consulta e Audiência Públicas n° 12/2021, visando à apreciação de minuta de Resolução para regulamentar o novo modelo de comercialização, processo que culminou com a realização da audiência pública no dia 08/10/2021 e com a publicação da Resolução ANP nº 857, de 28 de outubro de 2021.