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Extrativistas se unem pelo meio ambiente
RENATA MELIGA (texto e fotos)
Enviada especial a Baía do Tubarão, Arapiranga-Tromaí e Itapetininga (MA)
Raquel, José Raimundo, Terezinha, Paulo Sérgio, José Carlos. Em comum, essas pessoas carregam em si a certeza de que para manter e perpetuar seu modo de vida tradicional precisam de um grande aliado: a conservação do meio ambiente.
Em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado hoje, o Ministério do Meio Ambiente publica matéria especial sobre a criação de três unidades de conservação federais, as Reservas Extrativistas (Resex) Baía do Tubarão, Arapiranga-Tromaí e Itapetininga, todas no Maranhão. Juntas, essas unidades somam 425 mil hectares. Além de conservação da área, a criação das reservas tem como objetivo a melhoria da qualidade de vida e produção sustentável para milhares de famílias que vivem do extrativismo no país.
"A cada dia que passa eu vejo o mar avançar para cima da mata. Sempre sofri muito com a derrubada dos mangues e percebi que precisávamos de apoio”, afirma a pescadora e agricultora Varilene Raquel Santos Barbosa, 49 anos, do Quilombo Papagaio, no município de Icatu, Maranhão. O povoado é um dos 13 que fazem parte da Resex Baía do Tubarão, maior reserva extrativista marinha do país e uma das principais áreas de ocorrência de peixe-boi marinho no Brasil.
A casa de Raquel fica a poucos metros do mar. E é do quintal de casa que ela tira o sustento da família. A extrativista conta que sempre participou ativamente das discussões e reuniões locais para a criação da Resex. Ela diz que foi em uma dessas reuniões que aprendeu que a derrubada do mangue interfere diretamente no desenvolvimento de algumas espécies na região. "É o que está acontecendo hoje com o carangueijo, por exemplo. Antigamente catávamos bem pertinho de casa. Hoje a gente vai buscar distante por causa do impacto da derrubada dos mangues”, esclarece.
A percepção de que os recursos estão ficando cada dia mais escassos é compartilhada por pescadores artesanais de toda a região. Raimundo Nonato Mulato Cabral, 65 anos, começou a pescar ainda na infância, aos 11 anos. Ele conta que há mais de 20 anos, a região tinha muito peixe e camarão. "Não dava a preocupação que dá hoje. Não dá nem para comparar. Atualmente, a gente trabalha muito mais pra conseguir muito menos”, revela. Morador da comunidade de Sertãozinho, também no município de Icatú, o pescador tem a esperança de que com a criação da Resex, as coisas comecem a mudar.
E a esperança de que essas mudanças cheguem logo é notável em todas as comunidades. Terezinha Soares, 57 anos, de Mamuna, no município de Icatú, acredita que após a implementação das reservas, os pescadores terão mais consciência. "Eu acredito que a reserva vem para melhorar a vida do pescador e da comunidade. Concordo e luto por ela. Eu lembro que há 20 anos a gente pegava uns peixes que hoje não existem. Isso é impacto da exploração sem consciência, com os meios errados. O próprio pescador ainda não tem consciência que está prejudicando a ele mesmo”, afirma.
PRESSÕES
As preocupações com escassez de recursos, devastação, invasão de terras, mudança no nível do mar e diversificação da economia local fizeram com que associações de moradores, sindicatos, colônias de pescadores e comunidades começassem a se unir em busca de alternativas. E foi nessa busca que descobriram que poderiam pleitear que as áreas onde vivem fossem transformadas em Reservas Extrativistas, modelo de unidade de conservação federal que permite que povos e populações tradicionas possam continuar a extrair os recursos naturais para a subsistência, minimizando o impacto no meio ambiente.
A analista ambiental Anna Karina Araújo Soares, 36 anos, é uma das responsáveis pelos estudos socioambientais para a criação das três reservas. Ela explica que, no caso da Baía do Tubarão, são dois os principais tipos de pressão: "o primeiro ponto, como é notório, é a questão da pesca predatória. O segundo é a questão de território. Quando sai o decreto de uma Resex, o ganho imediato é a garantia de território. Algumas comunidades estavam sendo invadidas e as populações retiradas porque vivem muito próximas ao mar, área com grande potencial turístico. Então a pressão turística e a especulação imobiliária estavam fazendo com que essas comunidades saíssem dos seus territórios”, explica a analista.
PEIXE-BOI MARINHO
O peixe-boi marinho está entre os mamíferos aquáticos costeiros mais ameaçados do Brasil. A espécie, que há vários anos habitava toda a costa Norte e Nordeste do Brasil, desapareceu de alguns estados e, atualmente, tem distribuição restrita. Estima-se que existam apenas 500 indivíduos em toda a costa brasileira.
E é na Ilha do Gato, localizada no município de Humberto de Campos (MA), que estão as maiores colônias do animal. Com isso, em 2001, foi implantada no Maranhão uma base avançada do Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA) do Intituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que funcionou até 2015. Nesse período, o CMA priorizou ações como campanhas educativas, monitoramento do peixe-boi e resgate de mamíferos aquáticos.
Referência até hoje na região, o pescador Paulo Sérgio Silva dos Santos, 50 anos, foi convidado em 2003 pelo CMA para fazer a coleta de dados e observação dos peixes-bois marinhos na ilha. Sérgio conta que até 2012 era praticamente impossível sair para a área de observação e não ver nenhum animal. “Naquela época, cheguei a avistar 14 animais de uma só vez. Mas, atualmente, tem dia que é difícil avistar pelo menos um", lamenta.
Sérgio ( foto acima ), além de vestir até hoje a camisa de preservação do peixe-boi marinho, também é um entusiata da criação da Resex Baía do Tubarão. “Tenho certeza de que com a criação da reserva, a questão de conservação do peixe-boi vai melhorar e muito. Vai ser 1000% porque, a partir de agora, vamos ter acordos de pesca e fiscalização. Aí os pescadores que vem de fora e não têm consciência vão respeitar as regras antes de entrar na nossa reserva”, prevê o pescador.
O trabalho de sensibilização da população local sobre a importância de preservação do peixe-boi foi tão efetivo que, até hoje, mesmo com o fim do CMA no estado, a comunidade da Ilha do Gato se une para conscientização local da importância da preservação do animal. Todo ano, no mês de julho, é realizado o Festival do Peixe Boi. Além de palestras educativas o mamífero aquático, também são realizados mutirões de limpeza, concurso de beleza, apresentações culturais, atividades esportivas, entre outros. O evento é realizado pela União dos Moradores do Povoado da Ilha do Gato, com apoio da Prefeitura de Humberto de Campos.
No dia 4 de abril deste ano, um dia antes da publicação do Decreto de Criação da Baía do Tubarão, o ICMBio publicou portaria que autoriza o Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação do Peixe-boi marinho. O plano tem previsão de cinco anos e tem como objetivo, entre outras coisas, melhorar a qualidade do habitat, ampliar a fiscalização e proteção da espécie e itensificar ações de educação ambiental na área de ocorrência.
ARAPIRANGA TROMAÍ
Os manguezais da costa amazônica, distribuídos por Amapá, Pará e Maranhão, ocupam uma área de quase 9 mil km2 e correspondem a cerca de 80% dos manguezais do Brasil. Os 679 km de linha de costa entre os estados do Pará e do Maranhão formam o maior cinturão contínuo de manguezais do mundo. E é nessa região que está inserida a Reserva Extrativista Arapiranga-Tromaí, entre os municípios de Carutapera e Luís Domingues, área caracterizada por baías, enseadas, ilhas e manguezais.
Segundo a coordenadora do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT/ICMBio), Gabriele Soeiro, Arapiranga-Tromaí já começa à frente de várias unidades porque já há uma cooperativa de pesca consolidada dentro da unidade, além de uma colônia de pescadores ativa. “A cooperativa existe há 18 anos. Hoje que estão começando a nascer cooperativas dentro das nossas Resex, estamos trabalhando com isso. Então eles já estão um passo à frente. Além disso, discussões e preocupação com as questões ambientais acontecem na região desde a década de 1980, período que nem o ICMBio existia ainda”, comenta a coordenadora.
O presidente da Cooperativa de Pescadores Artesanais de Carutapera, José Carlos Diniz, afirma que em 1980 que ele começou a trabalhar na direção da Colônia de Pescadores Candido Loureiro e que, desde então, os pescadores têm se preocupado em mater a pesca artesanal e explorar, de forma mais sustentável, os recursos na região. “Temos a consciência e preocupação de que os recursos são finitos e a manutenção desses recursos vai depender da forma como vamos coletá-los”, explica Diniz.
Outra grande preocupação dentro da unidade é a preservação da pescada amarela. O peixe possui um grande valor agregado, não somente pela carne, mas, principalmente, pela comercialização da bexiga natatória, conhecida entre os pescadores como “bucho”, matéria-prima para sutura cirúrgica. A “iguaria” é retirada dos peixes ainda em alto mar e colocada para secar. Em Carutapera, o quilo do “bucho” pode chegar a mais de mil reais.
“Temos grandes possibilidades com a criação da Resex. Entre elas construir um plano de manejo e fazer os acordos de pesca. Eu sei que teremos uma tarefa muito difícil. Temos que conversar e convencer os pescadores de que eles têm na mão um instrumento de construção social e de cidadania muito grande. Se cada pescador entender que a reserva é um espaço que ele pode construir a política, ele vai se empoderar”, destaca Diniz.
ITAPETININGA
Aos 14 anos, o líder comunitário e ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Bequimão, José Raimundo Rodrigues, hoje com 71 anos, teve que começar a trabalhar na lavoura. Raimundo é o mais velho de nove irmãos e desde cedo aprendeu a importância do coletivo em sua vida.
O agricultor, ainda na juventude, percebeu que os trabalhadores precisavam se unir para realizar grandes conquistas. E a primeira delas foi a criação do Sindicato de Agricultores. Foi a partir da organização social que a comunidade começou a pleitear direitos e melhorias.
José Raimundo ( foto abaixo ) conta que com o tempo, começou a observar que a evolução das comunidades e da população impactava diretamente na natureza, com o aumento da destruição dos manguezais e da pesca desordenada. “Isso trouxe grande preocupação para o sindicato e para a colônia de pescadores. Começamos a pensar em alternativas para preservar a natureza e, ao mesmo tempo, manter o bem-estar das comunidades que vivem nas proximidades do rio Itapetininga”, destaca o líder comunitário.
A ideia de criação de uma Reserva Extrativista na região foi sugerida por Edmilson Pinheiro, atual Secretário Adjunto de Meio Ambiente do Município de Bequimão. “A partir de um trabalho de grupo surgiu essa ideia da criação de uma reserva para proteger os mangues de Bequimão e, a partir daí, levamos essa ideia para frente. Fizemos um abaixo assinado e não demorou muito para o pessoal do ICMBio começar a aparecer por aqui”, informa Pinheiro.
Com a confirmação da criação da Reserva Extrativista Itapetininga, que abrange aproximadamente 23 mil hectares envolvendo 15 comunidades ribeirinhas e cerca de 800 famílias que vivem no entorno do Rio Itapetininga, a comunidade começa a se perguntar quais são os próximos passos.
A coordenadora do CNPT/ICMBio explica que o mais importante a partir de agora é a criação de um conselho. “Ele é o instrumento de maior força dentro de uma Reserva Extrativista. O conselho é formado por todos os entes: federal, estadual e municipal e, principalmente, representantes das comunidades. É o conselho que manda. Toda unidade de conservação tem um gestor, mas tudo é pactuado com o conselho”, explica Gabriele.
“Já conseguimos envolver o município. Vencemos esta primeira parte para a criação da Resex. Agora depende muito de nós. Da gente começar a criar essa comissão da própria reserva e ir à luta, como sempre”, finaliza Edmilson.
Comunidade da reserva extrativista Itapetininga
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