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Oficina discute as águas dos Abrolhos
LUCIENE DE ASSIS
Brasília (25/01/18) – Pelo menos 60 mil famílias de pescadores retiram seu sustento das águas doce e salgada que banham a Região dos Abrolhos, uma área de 56 mil quilômetros quadrados localizada entre o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo. As soluções para os problemas e desafios enfrentados por essas comunidades em relação à escassez de água, de alimentos e à poluição estão em discussão nestas quinta e sexta-feiras, no Ministério do Meio Ambiente (MMA), em Brasília, durante o seminário Diálogos sobre as Águas dos Abrolhos , promovido pelo Projeto TerraMar.
Nos dois dias de evento, representantes do governo federal e dos estados da Bahia e do Espírito Santo, da academia, de instituições e de parceiros locais buscam, juntos, soluções para problemas que afetam essa parte da região costeira. Entre as preocupações estão os eventos extremos de estiagem severa ou de chuvas intensas, e as consequências da poluição descarregada nas águas dos rios das bacias que cercam a região e desaguam seus dejetos no mar, a exemplo da lama e dos metais pesados carreados para o oceano depois do desastre ambiental de Mariana (MG), ocorrido há pouco mais de dois anos.
CONTAMINAÇÃO
A Reserva Biológica (Rebio) de Comboios, no norte do Espírito Santo, pertence ao Banco de Abrolhos e foi afetada pela contaminação que desceu pelo rio Doce. “A lama continua impactando essa área, porque toda vez que chove forte ou venta muito a sujeira volta à superfície”, reclama o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Antônio de Pádua Almeida, chefe da Rebio de Comboios.
Mas os problemas das águas são históricos e vêm de longa data, explica Antônio de Pádua. Segundo ele, “as regiões alagadas e úmidas estão secando por causa da pastagem e da ocupação humana desordenada e, por causa disso, deixam de abastecer os lençóis freáticos. E a poluição vem a reboque, afetando os rios perenes. Ainda bem que, nesse processo de recuperação das águas, o TerraMar vem cumprido um papel muito importante”, afirma.
Antonio de Pádua Almeida, do ICMBio: impactos do desastre de Mariana (Foto: Elisa Malta/GIZ)
A crise hídrica que atinge a Bahia e o Espírito Santo, há algum tempo, está entre os pontos críticos do debate produzido nos Diálogos sobre as Águas dos Abrolhos . E a analista ambiental Larissa Godoy, coordenadora do Projeto TerraMar (MMA), aponta como uma das causas do flagelo o desastre que atingiu boa parte do leito do rio Doce. “Esse fato aconteceu em cima de uma crise hídrica que vem se agravando por causa da ocupação humana e dos projetos de drenagem das áreas alagadas na região da planície costeira do rio Doce”, descreve Larissa.
MOBILIZAÇÃO
Por isso mesmo, o TerraMar apoiou a realização de um seminário, em outubro de 2017, para discutir a falta de água na planície costeira do rio Doce. “Apoiamos a mobilização liderada por atores e instituições locais para discutir problematica da planície costeira. Essa mobilização pode ser o início de um processo de construção de pactos de gestão visando corrigir esses processos, que continuam acontecendo por conta do uso e ocupação sem critério que ainda se faz do solo”, diz a coordenadora do TerraMar.
Seguindo esse mesmo curso, a Agência Nacional de Águas (ANA) realizou estudos sobre a situação das águas no Brasil e no sul da Bahia, motivada pela grave seca registrada na região em 2016. O especialista da ANA em Geoprocessamento, Marcus Fuckner, confirma que a dura realidade está intimamente ligada ao uso intensivo do recurso na irrigação, no abastecimento humano e na indústria de papel e celulose. “As bacias dos rios Doce, Pardo e São Mateus foram duramente afetadas pelo assoreamento, uso irregular das águas e pelas atividades produtivas, sem mencionar as consequências do desastre de Mariana”, esclarece ele.
Os dados descritos pelo especialista em Geoprocessamento estão no relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos , produzido pela ANA em 2017 e que analisa a circunstância atual da crise da água, inclusive abrangendo a região do Banco de Abrolhos. Com base nos elementos da pesquisa, Marcus Fuckner quer saber: “Como será o futuro, com base na redução na precipitação de chuvas, no aumento dos usos da água e na falta de investimentos na construção de reservatórios”.
FUTURO
Parte da resposta ao questionamento de Fuckner pode estar no esclarecimento da coordenadora-substituta de Gerenciamento Costeiro do MMA, Angelita de Souza Coelho, que aponta a iniciativa do TerraMar como “um projeto-piloto de gestão ambiental e costeiro do que pode ser feito no futuro, um modelo do que o MMA quer para a zona costeira”.
Esse debate é apontado como um exercício de aproximação, gerado pelos Diálogos , como sugere o diretor de Recursos Hídricos do MMA, Sérgio Gonçalves: “Precisamos unir esforços para encontrar a melhor solução e construir um caminho usando os instrumentos do MMA, como leis, portarias, resoluções, instruções normativas, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos e a Câmara Técnica de Gerenciamento Costeiro”. Gonçalves reforça: “Vivemos um momento fundamental, com eventos extremos de seca e chuva que afetam os rios e o mar, colocando em risco as populações e as unidades de conservação”.
Região de Caravelas, na Bahia, área de atuação do projeto Terramar (Foto: Elisa Malta/GIZ)
GESTÃO
Professor de gerenciamento costeiro na Universidade Federal do Espírito Santo, Gilberto Fonseca Barroso garante que o maior problema da água está na má gestão dos recursos hídricos e terrestres disponíveis: “Boa parte das situações adversas que geram efeito negativo no ambiente marinho decorre das ingerências humanas no continente, além das variações climáticas, como secas e inundações”. Barroso concorda que parte da solução está na revitalização das bacias hidrográficas, no ordenamento dos usos da água e da terra, no monitoramento socioambiental, no “empoderamento” e na articulação das instituições e da sociedade civil, bem como na gestão integrada dos recursos.
Do ponto de vista do gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) Ponta da Baleia/Abrolhos, o baiano Benevaldo Nunes, servidor do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), Abrolhos é, hoje, um polo de integração entre o setor produtivo, a comunidade tradicional e o meio ambiente.
E destaca o motivo: “O Banco de Abrolhos possui a maior representação de banco de corais do Atlântico Sul, razão pela qual podemos afirmar que a questão das águas passa, obrigatoriamente, pela gerência pública, levando-se em conta as necessidades sociais e a base econômica”. Nunes lembra: “Hoje, estamos aqui, no mesmo espaço, pensando num problema que é de todos e se não for assim vamos todos perder”.
DANOS
Vale destacar, segundo denuncia o coordenador da Comissão Nacional dos Extrativistas Costeiros e Marinhos (Confrem), Carlos Alberto Pinto dos Santos, que os pescadores das comunidades tradicionais da região dos Abrolhos estão com dificuldades para pescar e ter acesso à água limpa. Santos explica: “Eles estão sendo impedidos pelos grandes empreendimentos, que cercam as áreas e não deixam a comunidade usufruir dos recursos”.
E enumera os danos: perda das matas ciliares, assoreamento e construção de barragens que impedem a navegação nos rios, “como ocorre hoje com o Jequitinhonha”. Carlos Alberto destaca o rio Doce como fonte de preocupação da Confrem, pois, ali, os pescadores foram proibidos de pescar: “Eles estão sem futuro, com água e peixes contaminados”.
Vizinho do Doce, na parte norte do Espírito Santo, outro rio pede socorro, alerta a bióloga Márcia Lederman, da Sociedade Amigos por Itaúnas (Sapi). Ela contou aos participantes dos Diálogos que a entidade já propôs à comunidade a realização de um pacto para salvar o rio Itaúnas. “Já existem áreas, antes banhadas pelo rio, em acentuado processo de desertificação”, lamenta a bióloga.
As discussões prosseguem nesta sexta-feira (26), no Ministério do Meio Ambiente, em Brasília.
SERVIÇO:
Diálogos sobre as Águas dos Abrolhos
25 e 26 de janeiro
Horário: 9h às 17h30
Acesse a programação
Local: Auditório do Ministério do Meio Ambiente (SEPN 505, Bloco B, Ed. Marie Prendi Cruz), Brasília-DF.
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