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Horta urbana envolve voluntários do MMA
WALESKA BARBOSA
Tinha uma pedra no meio do caminho, diz o famoso poema de Carlos Drummond de Andrade. Mas para quem passa pela quadra 505 Norte na altura do prédio Marie Prendi Cruz, em Brasília, onde funciona uma unidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), no meio do caminho há um jardim. E uma horta. E bancos. O espaço, hoje acolhedor, nem sempre foi assim.
“Isso aqui era lixo puro quando eu cheguei, muita sujeira, muita terra batida”, conta Miralda Araújo, que trabalha no gabinete da Secretaria de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental (SMCQ/MMA). Para quem nasceu na roça e teve a infância marcada pelos ensinamentos da mãe sobre como lidar com o verde, o espaço degradado foi um convite, mais ainda para quem mora em apartamento.
Veja fotos da horta
Com grande poder mobilizador, que já começa no sorriso largo, ela decidiu mudar a paisagem do lugar. A ideia original era fazer um jardim. Mas com o apoio do Governo do Distrito Federal, da Associação dos Funcionários do MMA e de um grupo de voluntários, o espaço se ampliou e se transformou em uma horta urbana.
O primeiro mutirão de trabalho aconteceu há um ano. E hoje a já conhecida horta do MMA recebeu um café da manhã colaborativo para comemorar o primeiro aniversário. “A horta urbana mostra que o espaço público deve ser ocupado de forma coletiva e ecológica. A colheita aqui é livre”, explica o analista ambiental Lúcio Costa Proença, que atendeu ao convite de Miralda para se engajar na causa.
DESTAQUE NA CIDADE
As hortas urbanas estão ganhando destaque no cenário da cidade. De acordo com o Grupo de Trabalho de Agricultura Urbana ligado ao Movimento Nossa Brasília, a cidade é propícia para esse tipo de ocupação, graças à abundância de espaços ociosos, cobertos apenas por gramados. “Também temos um momento favorável devido ao apoio do poder público a essas iniciativas”, completa uma das coordenadoras do GT, a engenheira florestal Layse Ennes.
Até o ano passado o Nossa Brasília tinha catalogado 27 espaços do gênero em todo o Distrito Federal. “Essas iniciativas podem ter o objetivo de produção para subsistência ou apenas o apelo estético. Podem ser um canteiro, um jardim, uma horta. O importante é que façam o resgate do contato com a terra e fomentem a consciência para um outro tipo de consumo, de relação com o meio ambiente e com o convívio com o próximo”, afirma Layse.
De acordo com ela, o GT tem trabalhado rumo à regulamentação das hortas urbanas, para que a atividade se enquadre nas políticas públicas do DF, e na formulação de uma plataforma colaborativa que georreferencie os espaços verdes.
VIZINHANÇA ENGAJADA
O auditor fiscal aposentado Fábio Teixeira Alves, 83 anos, ajuda a cuidar da horta do MMA, que pode enxergar de sua janela. Faz parte da sua rotina descer, ler os jornais nos bancos e pôr água em algumas espécies. Ele, que também nasceu na zona rural, vê ali uma forma de continuar se relacionando com a natureza, mesmo morando em um prédio.
Fábio gosta de frequentar a horta bem cedo, quando ainda não há ninguém. E tem seus xodós: mirra, babosa e ipê, plantados por ele. “Está vendo o ipê? Como está verdinho mesmo na seca? Estou cuidando dele”, mostra.
O manejo das espécies tem sido um outro ganho para os cuidadores voluntários. “Fomos aprendendo a plantar de acordo com o local e já tivemos que fazer algumas substituições”, diz Lúcio. A preferência é para aquelas mais resistentes à seca do Cerrado ou que possam passar até três dias sem água, por causa dos finais de semanas ou feriados.
“Estamos trabalhando com o conceito de sucessão ecológica, equilibrando aquelas plantas que gostam de sol com as que precisam de sombra”, acrescenta Diego Souza, do Departamento de Patrimônio Genético do MMA. Ele se tornou voluntário para driblar o fato de morar na zona urbana e relembrar os tempos em que morava perto da terra, no interior de São Paulo.
Além das plantas ornamentais, Diego destaca o interesse do grupo em testar plantas não tradicionais que servem de alimento. “Como a folhinha conhecida como lambari, que a gente passa no ovo e na farinha de rosca e come frita, como se fosse o peixe”, diz.
Ele se refere às PANCS, as plantas alimentícias não convencionais. Facilmente encontradas na natureza, elas podem trazer produtos da biodiversidade ao prato dos brasileiros, de acordo com o sítio Teia Orgânica, um buscador que colabora com o processo de compra e o consumo de alimentos orgânicos.
DIVERSIDADE
“Hoje temos, no mínimo, trinta tipos de PANCS e a mesma quantidade de ornamentais”, enumera Lúcio. Ele conta que há um esforço para incluir na horta espécies diferenciadas, como milho crioulo e mandioca, ou mais perenes, como mamão e banana. “Estamos desafiando o conceito de paisagem urbana. Por que não podemos ter essas coisas na cidade?”, pergunta.
Além da paisagem, o que atrai Pedro de Castro – ou Pedro Poeta, como é conhecido – ao local é a possibilidade de interagir com outros colegas. Há seis meses no protocolo do MMA, ele acredita que visitar a área é fazer “terapia ambiental”. “Isso aqui é um ponto de encontro. Uma forma de fazer amizades com os colegas de trabalho e com a população em geral, gerando colaboração entre as pessoas”, afirma.
Pedro Poeta também transformou sua admiração em rima: “Com a horta na cabeça e o povo no coração. Plante sempre mais hortas, minha gente, que a horta é a solução. Se você quer ter mais alimento, mais diversão, mais um meio ambiente organizado, plante a horta e seja mais educado”.
TRABALHO COLETIVO
É a troca inspirada pela manutenção da horta que inspira João Batista Alves Ribeiro, 38 anos. Agricultor orgânico e associado de uma cooperativa de assentados em Padre Bernardo (GO), há quase dez anos ele vende a produção na 505 Norte e se lembra muito bem de como o lugar era antes. “Agora melhorou o ambiente até para trabalhar. É uma parceria boa para todos”.
João doou três cestas de orgânicos para os participantes do lanche comemorativo e sempre que pode fornece adubo, mudas e sementes aos voluntários. “As melhorias aqui foram feitas coletivamente e eu também faço parte deste coletivo”.
Ao agradecer pelo engajamento das pessoas, o que não apenas ajudou a realizar mas melhorou o seu sonho de revitalizar a área, Miralda lembrou que ninguém faz nada sozinho. Como em “Tecendo a manhã”, de João Cabral de Melo Neto, ela sabe que “um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos”.
Dicas de Lúcio Costa Proença para montar uma horta urbana:
• Escolher um local com ponto de água;
• Optar por espécies nativas e mais rústicas;
• Ocupar espaços públicos não aproveitados;
• Engajar a comunidade.
SERVIÇO:
Mais informações sobre agricultura urbana:
Fotos: Gilberto Soares/MMA
Assessoria de Comunicação Social (Ascom/MMA): (61) 2028-1227