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Nota de esclarecimento - Projeto de Lei sobre Gestão de Florestas Públicas
No dia 17 de fevereiro, o Presidente da República enviou ao Congresso o Projeto de Lei 4776/2005 que trata da Gestão de Florestas Públicas. O Projeto de Lei tem três objetivos: definir o marco regulatório da gestão de florestas públicas; criar o Serviço Florestal Brasileiro e estabelecer o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal.
Nas semanas seguintes surgiram questionamentos sobre alguns aspectos do Projeto de Lei incluindo: (i) a falta de discussão do PL; (ii) a possibilidade do projeto promover a privatização das florestas públicas e internacionalização da Amazônia; (iii) a possibilidade de regularização de terras publicas expropriadas por grileiros; (iv) a possibilidade de hipotecar as florestas brasileiras; (v) a possibilidade de fragmentação de competências e esvaziamento do IBAMA.
Esta nota visa esclarecer os senhores deputados e senadores a respeito de importantes pontos:
1. Quanto ao processo de elaboração do PL de Gestão de Florestas Públicas
O Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas foi elaborado num processo que começou em Dezembro de 2003. Um grupo de trabalho envolvendo 90 participantes representando governo federal, governos estaduais, ONGs, movimentos sociais, setor privado e instituições de ensino e pesquisa estiveram reunidos em 4 oportunidades em reuniões de 2 dias para estruturar o projeto de lei.
Como subsídio para o trabalho deste grupo foram realizados estudos aprofundados dos sistemas de gestão de florestas públicas de dezenas de países, bem como analisada a experiência brasileira com regulação de diversos setores como petróleo, energia, transportes, mineração, água e comunicações.
Um Seminário Internacional sobre gestão de florestas públicas foi realizado em fevereiro de 2004 em Belém contando com 250 participantes, com apresentação de especialistas de diversos países que utilizam o sistema de concessão, um especialista em agência de regulação e representante do IBAMA sobre as dificuldades enfrentadas na Gestão das Florestas Nacionais por falta de mecanismos que incorporem as peculiaridades das atividades florestal e de sustentabilidade na legislação vigente.
Foram elaboradas 4 versões estruturais do projeto de lei, que tiveram mais de 20- revisões e passaram por um extenso processo de consulta. Foram envolvidas no processo de consulta mais de 1200 representantes de instituições. Aproximadamente duas dezenas de reuniões setoriais de consulta envolvendo ONGs, movimentos sociais, setor privado e governos estaduais foram realizadas. Mais de 700 emendas foram recebidas e analisadas, uma a uma, pela equipe do Programa Nacional de Florestas.
O projeto de lei foi analisado pela Comissão Coordenadora do Programa Nacional de Florestas1 (CONAFLOR) em três oportunidades, inclusive uma reunião extraordinária convocada especificamente para discussão do Projeto de Lei.
Após a consulta o Projeto de Lei passou por um extenso processo de discussão e internalização dentro do Governo2 que preservou toda a estrutura central da proposta construída através do processo de consulta com a sociedade. Finalmente, em fevereiro de 2005 o projeto foi encaminhado ao Congresso Nacional.
2. Quanto à possibilidade privatização das florestas públicas e internacionalização da Amazônia
Historicamente, as florestas públicas vêm sendo geridas através de um mecanismo desfavorável ao bem público e ao meio ambiente, em que se entrega, por meio de documentos de posse e transferência da titularidade, as terras públicas a particulares. Estas pessoas levam a floresta e podem tomar a decisão de como utilizá-las, sem pagar pela floresta ou seu uso e sem qualquer compromisso com a sua manutenção como floresta. Neste sistema, as terras podem ser adquiridas por estrangeiros. Atualmente, a privatização é usual. União, Estados e Municípios podem transferir e utilizam esta possibilidade até pela venda de imóveis por leilão.
O PL 4776/2005 propõe uma mudança expressiva de gestão deste patrimônio nacional que são as florestas públicas. Para tanto, três formas de gestão das florestas públicas para produção sustentável são propostas:
(i)Criação de unidades de conservação, que permitem a produção florestal sustentável (ex. Florestas Nacionais);
(ii)Destinação para uso por comunidades, como assentamentos florestais, reservas extrativistas, áreas quilombolas, PDS Projetos de Desenvolvimento Sustentável); e
(iii)Concessões Florestais pagas, feitas por meio de processo de licitação pública.
Portanto, as florestas públicas permanecerão sob o domínio público e não serão submetidas ao corte raso, impondo assim o fim da privatização das áreas de florestas públicas.
Desta forma, a aprovação do PL 4776/2005 implica na manutenção das Florestas Públicas como florestas e públicas.
O PL de Gestão de Florestas Públicas prevê que no modelo de concessões será licitado não a posse da terra, mas sim o direito de manejar a floresta, sem qualquer direito de posse ou domínio sobre a área. Desta forma, mesmo que parte das concessões seja manejada por empresas com participação de capital estrangeiro, estará assegurada a total soberania brasileira sobre as florestas públicas, o que não é assegurado no modelo atual.
3. Quanto à possibilidade de regularização de terras públicas expropriadas por grileiros
O Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas não abre qualquer possibilidade de regularização de terras públicas expropriadas por grileiros. Pelo contrário, em suas disposições transitórias, especificamente no art. 75, o PL reafirma que todas as florestas públicas com Planos de Manejo Florestal aprovado são propriedade pública, cuja posse deverá retornar ao poder público, havendo processo de licitação pública sem qualquer vantagem para o detentor atual do Plano de Manejo.
Esta disposição transitória foi estabelecida porque até 2002 o IBAMA aprovou Planos de Manejo em áreas públicas, em que o proponente tinha apenas documentos de posse da área e não o título. A partir de agosto de 2003, o IBAMA suspendeu a aprovação de planos de manejo em terras públicas e revisou todos os planos existentes suspendendo ou cancelando todos os que não cumpriam com as regras ambientais.
Como os planos de manejo florestal são compromissos de gestão da floresta a longo prazo, o Projeto de Lei prevê um mecanismo para fazer a transição do Planos de Manejo mantendo seu funcionamento. Os detentores dos planos de manejo poderão dar continuidade ao Plano de Manejo até que se complete o processo de licitação e assinatura de contrato de concessão, retirando a possibilidade de qualquer requisição de direito de posse ou domínio e com a obrigação de pagar o valor vencedor do processo de licitação pelos uso dos recursos.
Portanto, o PL não abre qualquer possibilidade de regularização de grilagem em terras públicas.
4. Quanto à possibilidade de hipoteca
Hipoteca é colocar bens móveis e imóveis como garantia de pagamento de uma dívida. O devedor detém a propriedade e a posse do imóvel, que poderá ser tomado pelo credor por meio de execução judicial ou execução extrajudicial.
O PL prevê (art. 30) que os direitos emergentes da concessão, ou seja, a exploração de produtos e serviços sob condições previstas em contrato, podem ser utilizados como garantia para contratos de financiamento até o limite que não comprometa a operacionalização e a continuidade da execução do plano de manejo florestal sustentável.
Como os mecanismos de gestão de florestas públicas previstos não permitem transferência de domínio ou posse da áreas de florestas públicas para o concessionário não existe qualquer possibilidade do ente privado hipotecar as florestas públicas.
A palavra hipoteca sequer é mencionada no PL de Gestão de Florestas Públicas.
5. Quanto à acusação de fragmentação de competências e esvaziamento do IBAMA com a criação do Serviço Florestal Brasileiro
O Projeto de Lei prevê a criação do Serviço Florestal Brasileiro que terá três funções básicas: (i) atuar como órgão gestor do sistema de concessões; (ii) fomentar o desenvolvimento florestal sustentável no Brasil e (iii) gerir o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal.
As funções de órgão gestor do sistema de concessões e a do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal eram inexistentes e serão criadas a partir do PL. A função de fomento ao desenvolvimento florestal sustentável é atribuída à Diretoria do Programa Nacional de Florestas do MMA1. Portanto, o Serviço Florestal Brasileiro não assume qualquer atribuições do IBAMA.
A função de gestor do sistema de concessões precisa ser realizada por um órgão independente. Não é possível que o mesmo órgão atue na gestão da concessão florestal e seja responsável pelo licenciamento das atividades florestais. Há um um enorme conflito de interesses entre tais funções. Raciocinando pelo absurdo, seria o mesmo que atribuir ao IBAMA as funções da ANA, ANP, DNPM, entre outros órgão reguladores e gestores.
Vale notar que no processo de formulação do PL se reconheceu ser fundamental o fortalecimento do IBAMA para que esteja capacitado e estruturado para atender as demandas oriundas dos processo de concessão. Neste sentido, o Programa Nacional de Florestas, gerido pela Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA, dobrou o orçamento destinado à Diretoria de Florestas do IBAMA para o ano 2005. Além disso, ainda no primeiro trimestre deste ano será aberto concurso público para o preenchimento de 900 vagas no IBAMA, quando pretende-se contratar 150 engenheiros florestais num claro processo de fortalecimento do setor florestal do IBAMA.
Esperamos que estes esclarecimentos possam contribuir para o importante e urgente debate em desenvolvimento no Congresso Nacional na apreciação do projeto de lei de gestão de florestas públicas.
Diretoria do Programa Nacional de Florestas
Secretaria de Biodiversidade e Florestas
Ministério do Meio Ambiente
Obs.:
1 - Conaflor foi estabelecida pelo Decreto Presidencial 4.864/2003 com objetivo propor e avaliar diretrizes para o Programa Nacional de Florestas. Ela é composta por 37 membros representando o governo federal, governos estaduais, setor privado, ongs, movimentos sociais, trabalhadores, pesquisadores e cientistas, estudantes e profissionais florestais.
2 - Em recente nota circulada pela internet a Associação dos Servidores do Ibama (ASSIBAMA) afirma que o PL não foi com os servidores do IBAMA. A este respeito vale ressaltar que: (i) Servidores do IBAMA estiveram presentes em todas as reuniões do Grupo de Trabalho; (ii) o Seminário Internacional sobre Gestão de Florestas Plantadas foi promovido conjuntamente pelo MMA e IBAMA e teve participação de mais de 20 servidores do IBAMA; (iii) em junho de 2004 o IBAMA, ASIBAMA e o MMA promoveram uma debate sobre o PL no auditorio do IBAMA em Brasília; (iv) durante todo o processo de desenvolvimento a Assibama teve acesso a cada uma das versões do PL, inclusive com a entrega em mãos de uma das versões, apesar disso em nenhum momento apresentou emendas ao PL;
3 - Art. 9º do Decreto nº 4.755, de 20 de junho de 2003, e art. 7º da Portaria nº 255, de 9 de julho de 1999, nos seguintes termos:
Art. 7º O Programa Nacional de Florestas tem por objetivos:
I - formular políticas, subsidiar e propor instrumentos e normas ambientais e coordenar ações que objetivem assegurar o uso sustentável dos recursos florestais;
II - promover e incentivar medidas que garantam a integração das ações para o uso sustentável dos recursos florestais;
III - formular políticas, subsidiar e propor instrumentos e normas ambientais e coordenar ações que objetivem assegurar o reflorestamento e a recuperação de áreas degradadas.
IV - promover e incentivar medidas e coordenar ações que garantam a prevenção e o controle de queimadas e incêndios florestais;
Notas:
(a) O PL 4776/2005 regulamenta o processo de concessão com os seguintes passos:
Inclusão das florestas no Cadastro Nacional de Florestas Públicas.
Preparação do Plano Anual de Outorga Florestal (PAOF) que define anualmente as áreas que poderão ser objeto de concessão. Para fazer os Plano Anual de Outorga são excluídas as áreas destinadas a conservação e ao uso comunitário.
O Plano Anual de Outorga passará por consulta pública e será submetido a aprovação do Conselho Gestor de Florestas Públicas que conta com representantes do governo e sociedade civil, incluindo pesquisadores, setor de produção, ONGs, movimentos sociais e governos estaduais.
Aprovado o PAOF cada gleba será estudada em detalhes e dividida em Unidades de Manejo para a licitação. Toda gleba que for submetida a licitação terá Unidades de Manejo pequenas (até 10 mil ha), médias (até 40 mil ha) e grandes (até 200 mil ha) para garantir que o acesso a pequenos, médios e grandes produtores.
Antes do processo de licitação as Unidades de Manejo deverão ser submetidas a autorização prévia do IBAMA que garante que estas áreas são aptas para manejo florestal e que define as atividades que podem ser incluídas (ex. turismo, extração de produtos não madeireiros como óleos e resinas ou manejo de uso múltiplo incluindo madeira).
A licitação será feita para cada Unidade de Manejo e o vendedor será definido com base em dois critérios: (i) o melhor preço e (ii) a proposta de menor impacto ambiental e maior benefício socioeconômico.
As concessões não implicam em qualquer direito de domínio ou posse sobre as áreas. Apenas autorizam o manejo para exploração de produtos e serviços da floresta.
Os contratos de concessão estabelecerão as regra para utilização da área bem como as regras para atualização de preços dos produtos e serviços explorados. Os contratos de concessão serão estabelecidos por prazos de 5 a 60 anos dependendo do manejo a ser implementado. O prazo estará estabelecido no edital de licitação.
Os ganhadores da licitação após a assinatura do contrato deverão preparar um Planos de Manejo Florestal Sustentável, de acordo com a legislação vigente, que deverá ser apresentado ao IBAMA para aprovação antes do inicio das operações.
(b) O Monitoramento e fiscalização das concessões contará com 3 frentes:
O IBAMA fará a fiscalização ambiental da implementação do Plano de Manejo Florestal Sustentável.
O Serviço Florestal Brasileiro fará a fiscalização do cumprimento dos contratos de concessão.
Adicionamente será obrigatória uma auditoria independente das práticas florestais a pelo menos cada 5 anos.
(c) Em dez anos, a área máxima total sob concessão planejada é de 13 milhões de hectares (cerca de 3% da área da Amazônia), com uma receita anual direta (taxas pagas pelo uso do recurso florestal) de R$ 187 milhões e arrecadação de impostos da cadeia de produção de R$ 1,9 bilhões anuais. Serão gerados 140 mil empregos diretos.