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Guerra comercial pode trazer mais lixo europeu para o Brasil
Aldem Bourscheit
Brasília (DF) - O governo brasileiro é contrário à importação de bens usados para consumo ou uso como matéria-prima, direito previsto na Convenção de Baziléia, da qual o País é signatário. O Brasil havia proibido a importação de pneus usados ou recauchutados em 2000. No entanto, acabou acatando a decisão do Tribunal Arbitral do Mercosul, que, em 2003, obrigou o Brasil a aceitar a importação de até 130 mil pneus remoldados do Uruguai a cada ano. Questões ambientais não foram observadas no julgamento do tribunal.
Com a decisão no Mercosul, produtores de países como Itália, Espanha e Reino Unido apelaram à Comissão Européia contra supostas barreiras à importação de seus pneus usados, alegando prejuízos comerciais com a queda nas exportações para o Brasil. A disputa pela importação desses pneus, que seriam usados para abastecer a indústria e o mercado internos de remoldados, pode acabar na Organização Mundial do Comércio (OMC). "Esse debate envolve o posicionamento do Brasil no mercado e nas questões globais, onde os temas saúde e meio ambiente têm muito peso", disse o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Claudio Langone. Ele participou hoje de audiência pública conjunta das comissões de Meio Ambiente e de Assuntos Sociais do Senado.
De acordo com Langone, dar um fim adequado a pneus é um desafio em todo o mundo, mas muitos países tentam resolver seus problemas enviando seus resíduos como "ajuda humanitária" ou como "solução ambientalmente adequada" para nações pobres ou em desenvolvimento.
Segundo ele, a questão se acirrará em 2006, quando a Europa proibirá o descarte de pneus em aterros. "A região terá que dar um fim a cerca de 80 milhões de pneus usados. Mas o Brasil não pode ser a solução para os resíduos de outros países", defendeu. A importação de pneus usados foi questionada por todos os representantes do governo brasileiro durante a audiência pública.
Apesar de proibida no País, a importação de pneus usados para remoldagem (recauchutagem) de outros países tem ocorrido com base em liminares concedidas pela Justiça. O número de pneus que tem entrado no Brasil desta maneira é crescente, e deve chegar a 11 milhões em 2005.
A principal alegação da indústria de remoldados para a importação seria a baixa qualidade do pneu usado nacional. A qualidade das estradas, o descarte inadequado e o baixo poder aquisitivo da população seriam a causa da má qualidade dos pneus usados no Brasil. O País tem seu sistema de transporte baseado nas rodovias e no amplo consumo de pneus.
Para o Inmetro, no entanto, o pneu usado nacional é totalmente viável para remoldagem. De acordo com Alfredo Lobo, diretor de qualidade do instituto, "a carcaça nacional é semelhante à importada". O diretor avisou que a partir de 1º de julho de 2006 a certificação das carcaças para reforma será obrigatória. "Confiamos que o pneu reformado e avaliado é perfeitamente seguro", disse.
Os pneus são resíduos de difícil eliminação. Não são biodegradáveis e seu volume tornam o transporte e o armazenamento complicado. Apesar de não serem considerados perigosos, sua queima libera substâncias tóxicas e cancerígenas, como dioxinas e furanos. Quando jogados em rios e arroios e até nas cidades, os pneus obstruem a passagem da água, podenco causar alagamentos e transtornos à população. Além disso, servem como criatório para mosquitos transmissores de doenças tropicais.
As milhares de carcaças abandonadas no Brasil são uma das principais causas da proliferação da dengue. Como os ovos do mosquitos transmissor sobrevivem até um ano sem água, a importação de pneus de outros países pode trazer novas variedades do vírus transmissor da dengue ou de outras doenças.
Projeto de Lei - A importação de pneus usados pode acabar sendo oficializada no País se o Projeto de Lei 216/2003, do senador paranaense Flávio Arns, for aprovado pelo Congresso. O texto exige "contrapartida ambiental pela colocação de pneus no mercado interno, importados ou fabricados no Brasil", mas também abre as porta do País para pneus usados, de qualquer outra nação.
Além dos pneus importados usados, o Brasil tem o desafio de dar destino ambiental adequado a cerca de 100 milhões de pneus usados. Cerca de 40 milhões de carcaças são descartadas a cada ano. A Resolução 258/1999 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) prevê o recolhimento e a destinação gradativa de pneus usados. No entanto, o texto não tem se mostrado suficiente para reduzir ou eliminar a quantidade de pneus velhos no País.
De acordo com o diretor de Qualidade Ambiental do Ibama, Márcio de Freitas, a dificuldade de coleta e de destinação de pneus usados tem dificultado o cumprimento da resolução, tanto por empresas nacionais como estrangeiras. Além disso, conforme Freitas, existe a dificuldade do Ibama em identificar o que são pneus usados de inservíveis na importação.
Para auxiliar na solução do passivo de pneus usados, o Ibama propõe o recolhimento e o uso das carcaças nacionais para remoldagem, a ampliação da inspeção veicular e a criação de um sistema de coleta nos postos de troca de pneus. "Isso acabaria com a guerra comercial de pneus usados e ajudaria a reduzir os acidentes de trânsito", disse o diretor.
Segundo a coordenadora de Integração Regional do Ministério da Indústria e Comércio, Eliane Fontes, o Brasil sempre foi contra a importação de bens usados de consumo, e o uso de liminares para importação de pneus usados tem afetado a indústria nacional de pneumáticos. Além disso, a importação traria novos custos econômicos, sociais, ambientais e à saúde. "O Projeto de Lei do senador Flávio Arns é um precedente perigoso para a indústria nacional", disse.
Empresas - Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip), o paranaense Francisco Simeão, a proibição da importação de pneus usados estaria "penalizando quem lucra com a atividade", e criticou os fabricantes de pneus novos, que estariam descumprindo a legislação sobre recolhimento e destinação adequada de pneus usados. Simeão também é presidente da BS Colway, empresa de remoldagem de pneus homônima a uma indústria inglesa.
O governador do Paraná, Roberto Requião, também defendeu a importação de pneus usados. Segundo ele, que se disse "governador de um estado verde", a importação de carcaças para remoldagem não traz prejuízos ambientais para o Brasil. Essa medida, conforme o governador, teria elevado a uma maior concorrência e à redução de preços no mercado.
De acordo com o presidente da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), que reúne multinacionais e empresas brasileiras, Vilien Soares, a importação de pneus usados estaria prejudicando a economia do setor, trazendo resíduos de países desenvolvidos para o Brasil e estimulando a concorrência desleal e o consumo enganoso. Segundo ele, existem pelo menos 10 milhões de pneus no Brasil em condições de serem recauchutados.
Ainda conforme Soares, existiriam um excesso de importações, já que as empresas de remoldados estariam usando 2,5 milhões de pneus usados por ano, enquanto as importações já teriam ultrapassado as 10 milhões de unidades. Além disso, entre 30% e 40% dos pneus usados importados seriam inservíveis, não poderiam ser remoldados. "Não entendemos o excesso de importações", disse. De acordo com Simeão, esse excesso serviria para manter estoques nas indústrias de remoldagem e também seria usado em indústrias de cimento e de siderurgia.
Depois de mais de quatro horas de debate, os senadores decidiram formar um grupo de trabalho e continuar a discussão sobre o destino da importação de pneus usados para o Brasil.