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Governo desmantela quadrilha que atuava há 14 anos no Mato Grosso
Aldem Bourscheit
Brasília (DF) - As ações de combate ao desmatamento na Amazônia desmontaram uma quadrilha que atuava há 14 anos no Mato Grosso fraudando autorizações para exploração de madeira. Desenvolvidas desde setembro de 2003 pelo Ibama, Polícia Federal e Ministério Público Federal, as investigações levaram a Justiça a decretar 168 mandados de busca e a prisão preventiva de 124 envolvidos, responsáveis pela exploração ilegal de 1,9 milhão de metros cúbicos de madeira, suficientes para carregar 76 mil caminhões. Se enfileirados, cobririam a distância entre o Rio de Janeiro e Brasília.
O anúncio foi feito hoje pelos ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, e Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, pelo sub-procurador da República, Antônio Fernando, pelo diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e pelo vice-presidente do Ibama, Luiz Fernando Merico. O presidente do Ibama, Marcus Barros, está no Mato Grosso acompanhando as operações.
Segundo Marina Silva, as denúncias enviadas à Polícia Federal "não protegem ninguém", e procuram quebrar um ciclo de investigações pontuais. "Desbaratinar uma quadrilha que operava há décadas, reduzir o desmatamento em cinco estados na Amazônia frente a um processo histórico de destruição não é sinal de descontrole. É resultado um esforço que nunca foi feito na história do setor ambiental brasileiro", ressaltou.
Até o momento, 74 prisões já foram feitas pela Polícia Federal, no Mato Grosso e no Distrito Federal, incluindo servidores do Ibama e da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Fema) e empresários. Também foram apreendidos R$ 140 mil na residência de um servidor do Ibama, dois carros importados com outro servidor do órgão e uma aeronave. De acordo com Marina Silva, "o processo não se encerra com as prisões, e ajudará a combater a corrupção e também a reduzir os índices de desmatamento ilegal".
Do total de envolvidos na investigação policial, 42 são empresários e 47 são servidores do Ibama - 39 de carreira e oito de cargos comissionados. Desses 39 servidores, 21 já haviam ocupado cargos de confiança na instituição antes de janeiro de 2003. Todos já respondem a processo administrativo disciplinar, e o Diário Oficial da União de hoje publica a exoneração dos oito que ocupavam cargos em comissão, dentre eles o gerente-executivo do Ibama no Mato Grosso. Os servidores de carreira só poderão ser demitidos após a conclusão do processo.
Além da decretação da prisão dos envolvidos e dos processos administrativos, novas medidas estão sendo tomadas imediatamente, começando pela chamada Operação Arribação. Com isso, fica firmado um convênio permanente do Ibama com a Polícia Federal para apuração de denúncias na Amazônia. Conforme Thomaz Bastos, aparentemente a corrupção tem crescido no País. Mas isso, segundo ele, se deve às ações que o governo Lula vem desenvolvendo, que não permitem que a ilegalidade seja jogada "para baixo do tapete". "Pior do que a corrupção é a corrupção impune", disse.
Outras medidas anunciadas hoje são a da intervenção por 60 dias do Ibama do Mato Grosso. O órgão já conta com uma equipe substituta. O interventor é o procurador que liderou as investigações, Elielson Ayres de Souza. O fornecimento de novas Autorizações de Transporte de Produtos Florestais (ATPFs) está suspenso por 30 dias, e todos os servidores que operavam sistemas de controle estão descredenciados. A partir desta data, nenhum dos servidores que atuavam no setor terão acesso aos sistemas de Fluxo de Produtos e Subprodutos da Floresta (Sismad), Integrado de Controle e Monitoramento dos Recursos Florestais (Sisprof) e Integrado de Cadastro e Fiscalização (Sicaf).
Ao mesmo tempo, foi ajuizada uma ação civil pública contra a Fema, para que deixe de autorizar desmatamentos considerando uma reserva legal de apenas 50% em propriedades rurais situadas em áreas de transição entre Cerrado e Amazônia ou de florestas. Além disso, a Justiça Federal no Estado entendeu como necessária a busca e apreensão de processos de autorização de desmatamento expedidos pela Fundação.
O Ibama também ajuizou ações civis públicas por danos ambientais contra empresas e sócios envolvidos nas irregularidades. Em até 60 dias, será realizada uma inspeção industrial nas empresas do setor florestal do Estado para averiguar a autenticidade das informações do cadastramento, cujo prazo expirou em 30 de abril de 2005. Também será realizada, em até 90 dias, uma auditoria em todos os planos de manejo florestal em vigor nas autorizações para desmatamento concedidas pelo Ibama no Mato Grosso.
Durante as investigações, foram suspensos, por tempo indeterminado, 283 planos de manejo florestal e cancelados outros 36, ainda em junho de 2004. Também foram demitidos três servidores de carreira do Ibama e um Procurador Federal da Advocacia Geral da União, entre janeiro e maio de 2005. Além disso, em fevereiro de 2005, houve a exoneração do gerente-executivo e do chefe de serviço do Ibama em Sinop e do chefe de serviço do Ibama em Rondonópolis.
Iniciada em setembro de 2003, a pedido do Ibama, a investigação no Mato Grosso contribuiu com os esforços de combate à impunidade no âmbito do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia. O trabalho durou 20 meses, constatando que o esquema de fraude vinha desde 1990, um ano após a criação do Ibama. O alvo das investigações da Operação Curupira foram as gerências de Cuiabá e de Sinop e os escritórios regionais de Pontes e Lacerda, Cáceres, Alta Floresta, Aripuanã e Juara.
Falsificação de Autorizações de Tansporte de Produtos da Floresta (ATPFs), autorizações preenchidas que passaram por processo de "lavagem" química para serem novamente utilizadas e fraude em fiscalizações, entre outros ilícitos, foram descobertas nas investigações. Também houve vistorias com relatórios falsos ou vistorias não realizadas e corrupção de fiscais. Foram descobertas, ainda 431 empresas "fantasmas" em todo o Estado.
A Operação Curupira foi a segunda grande ação do Ibama contra o desmatamento e a maior operação da Polícia Federal já realizada na Amazônia. A operação contou com 450 agentes da Polícia Federal e 31 do Ibama. Entre as outras ações realizadas pelo Ibama em parceria com a Polícia Federal, estão a Setembro Negro, realizada em Rondônia em julho de 2003, que levou à prisão de 4 servidores e 13 madeireiros, e a Faroeste, no Pará, realizada em dezembro de 2004, que levou à detenção de 18 pessoas, entre elas oito servidores do Incra.