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A eficiência é o maior, mais barato e mais seguro recurso energético do Brasil
Brasília (DF) ? ?A eficiência é o maior, mais barato e mais seguro recurso energético do Brasil? para o engenheiro Joel Swisher, especialista em energia limpa do Rocky Mountain Institute, um dos conferencistas do primeiro dia dos Diálogos para um Brasil Sustentável, que seguem até 15 de agosto, em Brasília. A promoção é do Ministério do Meio Ambiente, em parceria com Fritjof Capra, Instituto Ecoar e Programa Brasil Sustentável e Democrático.
?O pensamento tradicional defende o aumento do suprimento de energia para atender ao crescimento da demanda sem considerar custos ambientais e sociais. E também não reconhece o potencial para atender às necessidades em termos de serviços de energia melhorando a eficiência?, avaliou Swisher. Segundo ele, o princípio que poderia levar o Brasil na direção da sustentabilidade é o de prestar serviços de energia de uso final a custo mínimo. Economizar energia custa bem menos do que comprar energia importada, não emite poluição e gera emprego local com a instalação de tecnologias mais eficientes.
O especialista do Rocky Mountain Institute reconhece que o país já produz e usa mais energia renovável do que qualquer outro. Mais de 90% do suprimento de energia elétrica vêm de geração hidrelétrica, e mais de um terço do combustível para automóveis vem da cana-de-açúcar. ?No entanto, alguns usos de energia renovável ainda não são sustentáveis no país?, alerta. Para Swisher, o Brasil está sentado em cima de cinco minas de ouro: recursos eólicos, biomassa, barragens hidrelétricas conversíveis em hidrogênio, engenheiros competentes e uma dinâmica cultura empresarial. Ele também defendeu a inclusão do Pró-Álcool no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos termos do Protocolo de Quioto. O engenheiro ressaltou ainda o potencial do Brasil quanto às células de combustível, que funcionam a partir do etanol da cana-de-açúcar e já estão sendo pesquisadas em universidades brasileiras.
Concentração do consumo
Um estudo do Programa de Pós-Graduação da USP revela que a indústria brasileira é responsável por 50% do consumo energético. E metade deste consumo está concentrada em apenas seis setores: metais não-ferrosos (alumínio), metalurgia, siderurgia (aço), papel e celulose, cimento e petroquímica. E 8% do consumo brasileiro são exportados via incorporação de eletricidade de produtos primários como alumínio, aço e celulose, setores de baixo valor agregado, que não incorporam mão-de-obra. Os dados foram apresentados pelo assessor de meio ambiente da secretaria executiva do Ministério de Minas e Energia, Célio Bermann, que debateu com Joel Swisher, do Rocky Mountain Institute, no primeiro dia dos Diálogos para um Brasil Sustentável.
Célio Bermann destacou ainda que o preço destes produtos exportados é definido pelos consumidores, os países desenvolvidos, que acabaram evitando a implantação destas indústrias em seus países, definindo uma reorganização da divisão internacional do trabalho que incorpora o Brasil nesta globalização como produtores de produtos de baixo valor agregado e alto consumo energético. O Planejamento Integrado de Recursos, proposto por Swisher, deve incorporar também os consumos industriais, além do residencial, de comércio e de serviços. Para Célio Bermann, ele deve ser uma ferramenta de análise dos setores industriais e particularmente dos setores intensivos de energia.
?É impossível pensar em formas de assegurar uma demanda energética em bases sustentáveis persistindo neste modelo caótico de concentração de consumo baseado nesta forma equivocada de inserção do nosso País no mercado internacional?, alertou o representante do Ministério de Minas e Energia.
A seguir, a íntegra da apresentação do engenheiro Joel Swisher do Rocky Mountain Institute e de Célio Bermann, assessor de meio ambiente da secretaria executiva do Ministério de Minas e Energia.
Energia Limpa para um Brasil Sustentável
Joel Swisher
O Brasil já produz e usa mais energia renovável do que qualquer outro país no mundo. Mais de 90% do suprimento de energia elétrica vem de geração hidrelétrica, e mais do que um terço do combustível para automóveis é etanol feito de cana de açúcar no Brasil. No entanto, alguns usos de recursos renováveis no Brasil, inclusive energia hidrelétrica e energia de biomassa, não são sustentáveis. Ao mesmo tempo, o Brasil também se está tornando crescentemente dependente de combustível fóssil, muito do qual é importado a preços cada vez mais voláteis, para seus suprimentos de energia.
Um sistema de energia sustentável no Brasil deverá atingir os seguintes objetivos gerais:
§ Continuar a depender primordialmente de fontes renováveis de energia
§ Gerir Os recursos renováveis do Brasil com vistas á sustentabilidade
§ Usar combustíveis fósseis de maneira eficiente para melhorar a confiabilidade e a economia de suprimento de energia
§ Melhorar a eficiência de da conversão e do uso da energia, em toda a economia
§ Criar empregos e economizar capital através de programas de eficiência energética com alvos locais
§ Tornar os produtos brasileiros mais competitivos, reduzindo as faturas de energia e as necessidades em termos de capital
O principal princípio que poderia levar o Brasil na direção da sustentabilidade é o de prestar serviços de energia de uso final a custo mínimo. Os serviços de energia de uso final incluem iluminação, comunicação, conforto térmico nos edifícios, a mobilidade de pessoas e bens, saneamento, produção industrial e agrícola, processamento de alimentos e seu armazenamento, etc. A prestação desses serviços a custo mínimo significa minimizar os custos totais públicos e privados desses serviços, inclusive os custos de capital, os custos sociais e ambientais.
O pensamento tradicional com relação a custos mínimos envolvia o aumento do suprimento central de energia, doméstico ou importado, para atender ao crescimento projetado em demanda, sem considerar custos ambientais ou outros custos sociais. A outra omissão chave do pensamento tradicional relativo à energia é que ele não reconhecia o potencial para atender às necessidades em termos de serviços de energia melhorando a eficiência do uso da energia. Hoje em dia, a eficiência em termos de energia é o recurso energético brasileiro maior, mais barato, mais seguro. Isso porque a eficiência se baseia em tecnologia avançada, que se está tornando mais abundante - e na abundância de cérebros e de mãos do Brasil para implementar essa tecnologia - em vez de no combustível fóssil, que está sendo exaurido.
Economizar energia normalmente custa bem menos do que comprar energia importada, não emite qualquer poluição, e tem um conteúdo muito maior de valor adicionado local, assim, a economia de energia apoia o emprego local e os multiplicadores econômicos. Ou seja, a eficiência em termos de energia aumenta o emprego local ao criar e instalar tecnologias mais inteligentes, em vez de comprar energia de longe. A eficiência também pode beneficiar desproporcionadamente os pobres, para quem a energia absorve uma maior fração da renda disponível do que para os mais bem aquinhoados pela fortuna. Noventa por cento da iluminação residencial e metade da comercial no Brasil ainda é feita com lâmpadas incandescentes, principalmente por clientes que não podem pagar as lâmpadas eficientes, que são mais caras. Um dos principais serviços públicos dos Estados Unidos da América achou que valia a pena dar mais de um milhão de lâmpadas fluorescentes compactas de eficiência quintuplicada simplesmente para economizar em suas usinas de eletricidade existentes - sem falar no fato de evitar investimentos em novas usinas. A tecnologia eficiente em termos de energia pode também favorecer a consecução de objetivos sociais. Uma experiência em Curitiba mostrou que instalar "prateleiras de luz" baratas nas janelas de salas de aula economizava 75% de uso de eletricidade, o que permitia à escola comprar mais livros. Também, os estudantes aprendem até 26% mais rápido em salas de aula bem iluminadas com a luz do dia.
A maior vantagem da eficiência, muitas vezes desconsiderada, pode ser o estímulo macroeconômico oriundo da re-alocação de capital, que totalizará dezenas de bilhões de reais ao longo das próximas poucas décadas. Essas tecnologias localmente desenvolvidas, como as lâmpadas fluorescentes compactas e janelas que bloqueiam o calor podem exigir até mil vezes menos investimento de capital por quilowatt, e podem reembolsar mais rápido esse capital, do que fornecer mais eletricidade para prover a mesma luz e o mesmo conforto. Escolhendo primeiro as melhores aquisições poderia transformar o setor energético de um buraco negro para capital numa fonte líquida de capital para financiar outras necessidades em termos de desenvolvimento.
Para atingir o objetivo de prestar serviços de energia de uso final a custo mínimo, pode-se aplicar as ferramentas de planejamento integrado de recursos, que integra recursos do lado da oferta e do da demanda públicas, com ações privadas, e da sociedade com custos privados. Embora alguns considerem qualquer tipo de planejamento contrário aos princípios de liberalização do mercado de energia, fica claro a partir da experiência nos Estados Unidos da América, no Reino Unido, no Brasil, e alhures que o mercado é "um bom servo mas um mau patrão." As ferramentas de planejamento integrado de recursos podem ser aplicadas a mercados liberalizados com comércio atacadista competitivo de energia, por exemplo. Onde a formação de preços de varejo é regulada, pode-se estruturar essa prática de forma a emular resultados eficientes de mercado, portanto, a solução do menor custo para o cliente é também a mais lucrativa para o prestador.
Se o Brasil aplicar o princípio de prestar serviços de energia a custo mínimo e utilizar as ferramentas de planejamento integrado de recursos para alinhar as recompensas empresariais e institucionais com os objetivos sociais em base nacional, vários objetivos de política surgirão:
§ Melhorar a eficiência do uso da energia na totalidade da economia para reduzir os custos da energia, conservar capital, criar empregos, melhorar a segurança energética, e restaurar o meio ambiente. PROCEL, o braço e eficiência em termos de energia da Eletrobrás, é o responsável pela redução da demanda por eletricidade em cerca de 3% durante 1985-2000. Embora esse esforço tenha economizado bilhões de reais em suprimento de energia a uma fração de seu custo, ele ainda não captou muito do potencial em termos de efetividade-custos pára a eficiência em termos de energia no Brasil: o uso eficiente ainda é bem mais barato do que novos suprimentos, e devemos comprar eficiência até o limite do custo do suprimento. É necessário um esforço nacional exclusivo, em concertação com grande uso dos serviços de energia e de distribuição de eletricidade, para combinar as vantagens econômicas e ambientais. O alvo chave deve ser novos edifícios, fábricas e veículos. Em razão do crescimento econômico do Brasil, novos equipamentos acrescentariam um compromisso para com a futura demanda por energia a menos se tornasse altamente eficiente, e sua eficiência pode ser melhorada por uma maior quantidade e a muito mais baixo custo do que tentando-se adaptar equipamento ineficiente já em uso (ainda que isso também muitas vezes valha a pena). Alguns alvos específicos incluem a redução do uso da energia em novos automóveis, em edifícios industriais e comerciais através de empresas de serviços de energia, e em residências, através da busca de substitutos para o chuveiro elétrico. (Cada chuveiro que custa R$20 pode comprometer o sistema de eletricidade com investimentos que totalizam cerca de R$1,800-3,000. Substituindo esses chuveiros por aquecedores de água solares, a gás butano ou a gás natural mais eficientes, e instalar um fusível permanente que evite a reinstalação do chuveiro elétrico economizaria dinheiro e liberaria até pelo menos 10% da capacidade de geração nacional)
§ Retomar uma função de planejamento no nível do serviço de distribuição. O planejamento integrado de recursos local pode ser usado para reunir o melhor mix de geração central e distribuída, eficiência em termos de energia e programas de gerenciamento de peak load, incentivos de formação de preços, e projetos locais de transmissão e distribuição. A energia distribuída e os programas do lado da demanda podem ser direcionados para áreas de alto custo, para aumentar as vantagens econômicas para a rede. O principal obstáculo é que os serviços de distribuição agora são recompensados por vender mais energia ao mais baixo preço de commodity por kWh, em vez de por minimizar as faturas dos clientes - que são o produto de preço vezes o uso. Em vez disso, recompensar o que nós queremos - melhor serviço a mais baixo custo - exige separar os lucros dos serviços das vendas, mais incentivos no sentido de diminuir as faturas dos clientes, mantendo parte das economias como lucro do serviço. É também sábio permitir que todas as tecnologias compitam de maneira justa, se elas produzem ou economizam eletricidade, e independentemente de qual é o seu tipo, qual é seu tamanho ou quem as possui. Os geradores independentes devem portanto poder "ligar e operar" equipamento aprovado em termos de segurança, e devem receber o valor total da energia que fornecem. E os mercados e políticas de eletricidade devem poder captar as "vantagens distribuídas" que podem dar a recursos com as dimensões certas bastante mais valor do que geralmente se reconhece.
§ Reformar o setor de eletricidade para beneficiar-se da concorrência do mercado ao mesmo tempo em que se melhora a eficiência da energia no uso final e se preserva valores ambientais e sociais. O Sistema brasileiro de energia passou de superávit para aguda escassez e voltou a apresentar superávit nos últimos poucos anos, e as novas estruturas de mercado não aliviaram em nada esta instabilidade. O que parece ser necessário é 1) um mercado robusto e competitivo de atacado que proporcione pagamentos de capacidade para incentivar nova geração Quando necessário assegure a confiabilidade do suprimento mesmo durante anos secos; e 2) preços de varejo que reflitam os verdadeiros custos do suprimento mas que não se espere que por si mesmo ofereçam níveis ideais de eficiência. Uma adequada formação de preços é importante, mas a capacidade dos clientes de reagir aos preços é ainda mais importante para assegurar um investimento eficiente do lado da demanda.
§ Gerir os recursos brasileiros em matéria de energia hidrelétrica, vento e água para a saúde ambiental de longo prazo do Brasil. Muito do vasto potencial hidrelétrico do Brasil já foi desenvolvido, mas permanecem alguns grandes projetos em potencial. Esses projetos devem ser desenvolvidos somente de maneiras que minimizem o prejuízo social e ambiental, e alguns grandes projetos com impactos inaceitáveis devem ser cancelados. Enquanto isso, mais esforços devem ser feitos para desenvolver pequenas fontes hídricas, inclusive projetos privados. Também, a grande capacidade hidrelétrica do Brasil pode ser usada para proporcionar energia confiável de outras fontes intermitentes, tais como o vento, que é agora plenamente econômica. A energia hidrelétrica pode suplementar a energia eólia, posto que essa varia, e os recursos eólios que são mais fortes na seca podem melhor suplementar a energia hidrelétrica. O gerenciamento do sistema hidrelétrico deve ser melhor integrado com o recurso água e com o planejamento da qualidade da água. Por exemplo, melhorar a tecnologia de tratamento da água em São Paulo poderia permitir o recomeço do funcionamento da usina de Henry Borden.
§ Aumentar o uso de co-geração industrial para produzir eletricidade onde quer que a biomassa ou combustível sejam consumidos para produzir energia para aquecimento. Quando o combustível fóssil é usado na indústria para produzir calor para processos e vapor, há oportunidades paras a co-geração de eletricidade também, usando o mesmo aporte de combustível. Isto é altamente eficiente, evita investimentos mais caros em eletricidade de finalidade única - somente geração na capacidade da rede, e pode tornar os suprimentos mais confiáveis. Ao mesmo tempo, o combustível de biomassa que já está sendo queimado nas indústrias de madeira, papel, açúcar e outras indústrias poderia ser usado de maneira mais eficiente a fim de aumentar a co-geração. O aumento potencial em co-geração na indústria do açúcar é imenso, especialmente se for implementada uma tecnologia avançada de colheita de e de processamento dos dejetos da cana.
§ Revitalizar o Programa Proalcool para produzir combustível etanol para motores, e combinar esse programa com iniciativas para melhorar a economia de combustível nos novos veículos vendidos no Brasil. O programa de etanol combustível existente gerou impressionantes ganhos de produtividade ao longo do tempo, e o programa é altamente rentável para o Brasil quando os preços do petróleo estão altos. No entanto, sempre que os preços do petróleo estão baixos, há pressões políticas no Brasil para reduzir ou eliminar o programa. Combinada com maior economia de combustível para veículos, a continuação e a expansão do programa Proalcool programa é provavelmente o único passo maior que o Brasil pode dar para limitar suas futuras emissões de CO2, e proporciona proteção vital contra importações de petróleo a volatilidade dos preços internacionais (que poderia também talvez ser protegida em mercados financeiros). Por causa da importância do programa na limitação das emissões de CO2, bem como para o emprego regional, o Brasil deve trabalhar com a comunidade internacional para certificar o Proalcool como um mega projeto para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos termos do Protocolo de Kyoto e usar os pagamentos de créditos de carbono como receita para ajudar a manter o programa viável.
§ Explorar seriamente uma estratégia de energia de mais longo alcance baseada numa transição do petróleo e da eletricidade para o hidrogênio, como o provedor chave de energia. Os abundantes recursos hidrelétricos do Brasil, parcialmente liberados pelo uso eficiente e pela co-geração, poderiam evoluir para tornar o país um rentável vendedor de hidrogênio para o mercado interno e para a exportação. O hidrogênio, competitivo com a gasolina brasileira, medido nas rodas de um automóvel de célula de combustível, seria equivalente a vender energia hidrelétrica por até R$0,30/kWh. As receitas resultantes poderiam limpar os balanços das altamente pressionadas empresas de energia do Brasil, permitindo preços de atacado mais baixos, e também financiar o desenvolvimento, reduzir paulatinamente as importações de petróleo, e reforçar a balança comercial. UM tema correlato de pesquisa e desenvolvimento de interesse específico para o Brasil, relativamente a outros países, seriam as células de combustível que funcionam diretamente com etanol.
§ Aumentar o padrão de vida em áreas rurais pobres, fornecendo eletricidade junto com equipamento eficiente, barato, para iluminação, refrigeração, tratamento de água, etc. A eletricidade é essencial para permitir o desenvolvimento econômico rural. Muitas vezes, no entanto, a eletrificação rural eletrificação é insustentável, i.e., ela se baseia em tecnologias altamente poluentes e impõe custos insuportáveis de combustível aos clientes. Uma alternativa para o modelo tradicional é basear-se em recursos renováveis tais como energia eólia ou solar onde possível, e to juntar a tecnologia de geração com tecnologia de uso final muito eficiente para essas necessidades essenciais, tais como iluminação, refrigeração, purificação de água, etc. O uso eficiente permite sistemas de fornecimento renováveis menores e mais baratos para atender às comunidades rurais, e reduz a fatura de combustível com relação aos sistemas convencionais, permitindo reduzir ou eliminar os subsídios aos combustíveis sem aumentar as faturas. Como o pouco lucrativo serviço rural não é atraente para recentemente privatizadas empresas de distribuição, é necessária uma nova empresa para prestar serviços rurais de energia. Uma possibilidade é criar empresas privadas de serviços de energia, para que os vendedores compitam para a concessão para proporcionar suprimento de energia e equipamento de uso final, subsidiado segundo a necessidade para servir cada área rural.
O Brasil está sentado em cima de cinco minas de ouro em grande medida desconhecidas - suas ricas mas inexploradas reservas de "megawatts," seus abundantes recursos eólios e de biomassa, suas barragens hidrelétricas conversíveis em hidrogênio, seus dotados engenheiros e criadores, e sua dinâmica cultura empresarial. Combinando adequadamente esses elementos com políticas públicas que orientem e não andem a passo de tartaruga, e que recompensem os objetivos sociais, e não seu oposto, poder-se-ia ir rapidamente no sentido de dar a todos os brasileiros, finalmente, as sociedade justa e próspera que merecem.
Análise da contribuição para o seminário Diálogos por um Brasil Sustentável sobre texto Energia Limpa para um Brasil Sustentável, de Joel Swisher
Celio Bermann
Assessor para o Meio Ambiente do MME e coordenador do tema Energia - Projeto Brasil Sustentável e Democrático
O texto elaborado pelos autores Joel N. Swisher e Amory Lovins, do Rocky Mountain Institute é extremamente oportuno, pela qualidade das propostas apresentadas e pela pertinência em apontar o Planejamento Integrado de Recursos - PIR como um instrumento capaz de assegurar o consumo energético em bases ambientalmente sustentáveis.
A adoção da noção do menor custo (least cost), para a expansão da oferta de energia baseada no gerenciamento da demanda encontrou no contexto energético brasileiro uma vigorosa possibilidade de avanço, infelizmente abortada a partir de 1995 com o processo de privatização das empresas elétricas de distribuição e geração, e com a desverticalização do setor elétrico brasileiro.
A desverticalização das empresas elétricas, provocando a separação das atividades de geração, transmissão e distribuição de eletricidade, tornou mais difícil a adoção de programas de conservação.
O cálculo do kW evitado encontrava maiores possibilidades de sensibilização e de sucesso quando a geração e a distribuição de energia elétrica se encontravam sob gestão de uma só empresa. Este cálculo indica que o custo incorrido com medidas de conservação (p.ex., gerenciamento pelo lado da demanda; substituição por equipamentos mais eficientes; entre outros...) pode ser menor que o custo de ampliação da oferta (construção de novas plantas de geração). Algumas empresas do setor elétrico brasileiro já estavam incorporando alguns instrumentos do Planejamento Integrado de Recursos (PIR) quando o processo de privatização praticamente desarticulou as possibilidades de sucesso desse tipo de iniciativas, na medida em que no novo contexto, as empresas de distribuição de eletricidade não possuem nenhuma motivação para a implementação de programas de conservação.
Uma evidência da ausência de mecanismos de mercado no sentido de viabilizar financeiramente práticas de economia de energia, é o papel central assumido pelo órgão regulador, a Agência Nacional de Energia Elétrica-ANEEL, com vistas a assegurar que medidas efetivas de conservação de energia estão sendo implementadas no nosso país. A Resolução no 242 da Aneel, de 24/julho/1998, é uma evidência nesse sentido, ao definir a obrigatoriedade de 1% da receita operacional anual (RA) das empresas de distribuição de eletricidade ser destinada "ao desenvolvimento de ações com o objetivo de incrementar a eficiência no uso e na oferta de energia elétrica". Desse total, um mínimo de 0,25% da receita operacional anual de cada distribuidora de eletricidade deveria ser aplicado em ações que ampliassem a eficiência dos usos finais de energia elétrica. Entretanto, a própria agência está encontrando dificuldades para identificar a natureza dos programas apresentados pelas empresas. Muitos destes programas não passam de simples projetos de substituição de lâmpadas com preços sobrevalorizados, no intuito de alcançar ou se aproximar mais fácilmente dos valores correspondentes a 1% do faturamento impostos através de um instrumento de regulação. Se considerarmos os valores expressivos destes recursos, cerca de R$ 300 milhões (ou cerca de 120 milhões de dólares) por ano, as oportunidades de implementação de programas efetivos de conservação encontram dificuldades na medida em que não existem mecanismos de controle social sobre a aplicação destes recursos.
Outra importante questão se refere a noção da hidreletricidade, apontada pelos autores como sendo uma alternativa de suprimento energético renovável.
A energia elétrica obtida a partir do aproveitamento do potencial hidráulico de um determinado trecho de um rio, via-de-regra assegurado através da construção de uma barragem e da consequente formação de um reservatório, tem sido considerada uma alternativa energética renovável.
Entretanto, é com frequência que empreendimentos hidrelétricos têm se revelado insustentáveis, no cenário internacional e particularmente no Brasil.
Este carácter insustentável pode ser estabelecido a partir de critérios que identificam os problemas físico-químico-biológicos decorrentes da implantação e operação de uma usina hidrelétrica, e da sua interação com as características ambientais do seu "locus" de construção (p.ex., alteração do regime hidrológico; assoreamento; emissões de gases estufa a partir da decomposição orgânica no reservatório; entre outros...).
Critérios que se estendem aos aspectos sociais, particularmente com relação às populações ribeirinhas atingidas pelas obras, e invariavelmente desconsideradas frente à perspectiva da perda irreversível das suas condições de produção e reprodução social, determinada pela formação do reservatório.
As possibilidades de expansão da capacidade hidrelétrica a ser instalada no Brasil encontra muitos problemas. Praticamente 2/3 (63,6%) deste potencial encontra-se localizado na Região Amazônica, principalmente nos rios Tocantins, Araguaia, Xingú e Tapajós. As consequências sociais e ambientais da possibilidade de implantação dos empreendimentos hidrelétricos previstos na região, envolvendo questões como as relacionadas com reservatórios em terras indígenas ou a manutenção da biodiversidade, exigem atenção e cuidados muito além da retórica dos documentos oficiais.
Ainda, também é significativo o potencial hidroelétrico a aproveitar localizado nas bacias dos rios Paraná e Uruguai, representando cerca de 20% do total. Nestas regiões do sul do país, caracterizadas por uma elevada densidade populacional, notadamente nas áreas rurais, há que se considerar a existência de um grande número de pequenas propriedades agrícolas que hoje garantem condições de subsistência de uma população rural constituída por proprietários, arrendatários, meeiros, assalariados e posseiros. O processo de "deslocamento compulsório" destas populações ribeirinhas para a formação dos reservatórios dos empreendimentos hidrelétricos previstos também exige toda a atenção e cuidados, para que não se reproduzam os problemas verificados no passado recente. Com frequência, a construção de uma usina hidrelétrica representou para estas populações a destruição de seus projetos de vida, impondo sua expulsão da terra sem apresentar compensações que pudessem, ao menos, assegurar a manutenção de suas condições de reprodução num mesmo nível daquele que se verificava antes da implantação do empreendimento.
Questões como estas foram examinadas pela Comissão Mundial de Barragens, criada em abril/1997 para uma avaliação das barragens construídas no mundo. Composta por 12 membros, a CMB envolveu a participação de representantes da indústria de equipamentos, representantes de governos, acadêmicos, ambientalistas e lideranças de movimentos sociais. O Relatório Final "Barragens e Desenvolvimento - uma nova estrutura para o processo de decisão" foi elaborado a partir da construção de um consenso, considerando os diversos atores sociais envolvidos. Entretanto, a aplicação das diretrizes da CMB tem encontrado no Brasil dificuldades para sua implemntação.
O Brasil possue características geográficas e hidrológicas que favorecem o emprego da energia hidroelétrica. Entretanto, os aspectos aqui apontados não podem ser desconsiderados.
O processo de privatização do setor energético poderia contribuir para romper o quadro anterior que o caracterizava como um setor submisso à importância econômica e política dos grupos financeiros envolvendo empreiteiras, empresas fabricantes de bens e equipamentos, empresas de serviços - desde a consultoria até a terceirização - revelando esta articulação de interesses que, com frequência, também representou fraudes, super-faturamentos de obras e serviços, e atos de corrupção, sempre apontados mas dificilmente apurados.
Todavia, a ausência de um maior controle social no processo de privatização parece apenas contribuir para a manutenção das desigualdades e ampliação da exclusão.