Antecedentes
Na Amazônia Legal, pode-se afirmar que, de modo geral, o processo histórico de ocupação de seu espaço impactou severamente o meio natural, indicando a necessidade de modificação do padrão produtivo que permita a ampliação e distribuição equitativa dos benefícios econômicos e sociais alcançados e, ao mesmo tempo, afaste o risco de comprometimento irreversível da capacidade de suporte dos ecossistemas.
No esforço de entender a complexa realidade da Amazônia contemporânea, torna-se necessário trabalhar com uma concepção ampliada de espaço geográfico, de modo a desvendar, por detrás de cada situação configurada na diversidade atual desse vasto espaço regional, a verdadeira natureza do processo histórico em curso.
Nesse contexto, refletir sobre a configuração atual da região, em seus componentes econômico, social e ambiental, é, antes de tudo, rediscutir o processo de ocupação do vasto território amazônico nos últimos anos, processo esse que teve – e ainda tem – sua dinâmica interna apoiada em forte mediação do Estado, por meio do qual o território foi reavaliado continuamente, passando do vazio a ser conquistado a foco de atração de agentes sociais com interesses distintos, que acabaram por transformar direta ou indiretamente a realidade social preexistente, potencializando antigos e gestando novos conflitos.
Criando terras indígenas, unidades de conservação, abrindo estradas, assentando colonos, distribuindo incentivos fiscais e financeiros, construindo hidrelétricas, atraindo indústrias e acelerando a urbanização, enfim, valorizando diferenciadamente o espaço regional, o papel do Estado está na raiz da questão ambiental na Amazônia, questão essa que se desdobra em tantas quantas foram as Amazônias construídas nos últimos quarenta anos.
Com efeito, a abertura da rodovia Belém-Brasília sinaliza o momento da ruptura do isolamento do Norte do País, representando não ainda o momento de integração nacionalista característico do período posterior, mas a afirmação do desenvolvimento econômico exigido por um novo Brasil que crescia cinqüenta anos em cinco.
A construção dessa via de penetração levou a uma aceleração da expansão de frentes camponesas seguindo a rodovia e, em direção ao Araguaia e ao Xingu, começando a sinalizar sensíveis alterações na parte oriental da Amazônia. Estas, contudo, só se interiorizaram com maior intensidade uma década depois, com a abertura da Transamazônica e da Cuiabá-Santarém e com os projetos de colonização oficial planejados ao longo da primeira e atrelados à Política de Integração Nacional (PIN).
Além da abertura dessas grandes vias de penetração, a expansão da fronteira agrícola, promovida por incentivos públicos, colaborou para uma mudança substantiva no perfil do desenvolvimento socioeconômico da região, carregando consigo as contradições do modelo de desenvolvimento já observado em outras partes do Brasil, quais sejam, melhoria das condições gerais de vida e de acesso à saúde, porém com aumento na desigualdade social e suas consequências, inclusive sobre populações que já residiam na região.
Os projetos de colonização do Incra em Rondônia e no Acre constituem um outro momento relevante de intervenção federal direta na ocupação do espaço amazônico, ao tentar promover o assentamento de pequenos produtores expulsos pela modernização do campo no sul do País e que se deslocaram, maciçamente, pelo corredor formado pela rodovia Cuiabá-Porto Velho.
Se a disputa pela terra constitui um dos aspectos mais polêmicos no processo de transfiguração deste recorte espacial, o uso do solo ocupa, certamente, um papel de destaque no decorrer desse processo. A reprodução nessa região de padrões de uso agrícola desenvolvidos em outros segmentos do território nacional, com domínios ecológicos distintos, demonstrou ao longo do tempo ser um dos mais graves erros cometidos.
Com efeito, apontada ainda na década de 1960 como o elemento indutor da ocupação produtiva da fronteira amazônica, a atividade pecuária, implantada em grande parte de forma extensiva e com uma perspectiva meramente especulativa da terra, revelou-se um dos fatores responsáveis não só pela devastação de extensas áreas de floresta, como também pela acelerada degradação dos solos e, portanto, pela crescente insustentabilidade ecológica e econômica destes.
Dessa forma, como consequência da progressiva articulação ao espaço extra-regional, intensificou-se a desestruturação das atividades econômicas tradicionais, secularmente adaptadas ao ambiente amazônico, num movimento de contínua mobilidade populacional.
Essas mudanças refletem-se no desencadeamento de um progressivo processo de comprometimento dos recursos naturais locais, basicamente em função do ritmo e da extensão com que se processaram as novas formas de ocupação, associadas a recentes empreendimentos implantados. A pressão dessa ocupação projeta-se além dos espaços diretamente afetados por ela, em um contexto de apropriação especulativa e de reserva futura que transmite um amplo espectro de incerteza quanto ao futuro dessa vasta extensão do território brasileiro.
Colocada atualmente no centro do debate mundial sobre conservação ambiental e mudança do clima, a compreensão da Amazônia Legal exige, assim, uma visão integrada de uma realidade que, historicamente forjada na integração do homem com a natureza, só poderá ser entendida dentro dessa relação.
Tudo isso deixa patente a urgência da revisão do conceito de organização do espaço geográfico e das bases conceituais e metodológicas que a referenciam. Necessitam-se de análises das concepções regionais e locais quanto ao ordenamento do território, com vistas a se adotar princípios comuns que tenham particularmente como fim uma melhor definição de estratégias territoriais e de planejamento a serem adotadas. Nesta perspectiva, há que se revalorizar a percepção horizontal do território com todas as suas contradições e jogos de forças.
No início dos anos 1980 foi instituída a Política Nacional de Meio Ambiente (lei federal nº 6.938/1981), com o objetivo de promover a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, e que estabeleceu, entre seus instrumentos, o zoneamento ambiental, regulamentado pelo decreto federal nº 4.297/2002, que o denominou de zoneamento ecológico-econômico (ZEE).
Foram desenvolvidos trabalhos na área de diagnósticos integrados e zoneamentos. Estes trabalhos foram conduzidos, inicialmente, pela equipe do RADAMBRASIL, um megaprojeto iniciado nos anos 1970 para mapear sistematicamente o País, incluindo uma avaliação do potencial dos recursos naturais da região amazônica. Desse esforço foi gerada uma coletânea de mapas temáticos e relatórios, com base em imagens de radar, que conjugada ao documento Termo de Referência para uma Proposta de Zoneamento Ecológico-Econômico do Brasil, produzido pelo IBGE em 1986, podem ser considerados os primeiros esforços de ZEE mais consistentes no País.
Em 1995 foi elaborado o "Diagnóstico Ambiental da Amazônia Legal", contendo um relatório, um banco de dados e um conjunto de mapas temáticos digitalizados, na escala de 1:2.500.000 (base cartográfica, geologia, geomorfologia, vegetação, pedologia, socioeconomia, uso da terra, biodiversidade e antropismo), que poderiam ser cruzados com o banco de dados. Em 1997, atendendo à demanda dos estados amazônicos, foi publicado o "Detalhamento da Metodologia para Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico pelos Estados da Amazônia Legal", elaborado pelo Laboratório de Gestão Territorial da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LAGET/UFRJ).
Outro passo importante no sentido de se elaborar o Macrozoneamento Ecológico-Econômico (MacroZEE) da Amazônia Legla foi dado a partir do Mapa Integrado dos ZEEs dos estados da Amazônia Legal, formulado entre 2004 e 2005, por meio de uma parceria entre o MMA, o Consórcio ZEE Brasil e os estados da região. O reconhecimento das diferenças entre as escalas e situações dos diversos ZEEs nos estados demanda um sistema cuja normatização deverá incorporar cada produto, negociado com cada executor, segundo uma finalidade e uma função específica para a gestão do território.
Ainda assim, fez-se necessária a elaboração de um MacroZEE da Amazônia Legal que proporcione uma visão integrada da realidade socioambiental, econômica e territorial da região, capaz de oferecer um conjunto de estratégias e recomendações voltadas para ampliar a sustentabilidade das políticas, programas e projetos de desenvolvimento em curso na Amazônia, a partir de uma abordagem multiescalar que considere as diversas experiências de planejamento e ordenamento territorial já existentes.
Trata-se, em suma, de executar um MacroZEE que possibilite subsidiar estratégias de desenvolvimento regional e nacional, visando a compatibilização entre interesses econômicos e a melhoria da qualidade de vida das populações, com conservação e administração responsáveis dos recursos naturais, a partir do conceito de sustentabilidade.