Apresentação
Dentre as tantas características marcantes do Brasil, sua diversidade é, certamente, uma das que mais se destacam: do ponto de vista ambiental, é composto por diferentes ecossistemas, em distintos estágios de conservação; sob o aspecto social, também é um complexo de diferentes grupos humanos, com territorialidades próprias e, por vezes, conflitantes entre si. Do ponto de vista econômico, testemunha processos produtivos em constante mudança e, em relação ao espectro político, é marcado por um entrelaçamento de interesses de diferenciados segmentos, nas esferas nacional, regional e local.
No entanto, é importante tratar essa diferenciação interna das diversas regiões do País como uma potencialidade, e não como um problema. Quando da formulação de soluções aos problemas nacionais, é preciso considerar como grande potencial brasileiro sua diversidade regional, com potencialidades latentes a serem apoiadas em cada lugar. E, nesse contexto, o Estado adquire papel fundamental para dinamizar o território, sem agredir suas identidades e estimulando ações articuladas a partir de uma visão estratégica em escala nacional, evitando-se a intensificação das desigualdades nacionais.
Nesse cenário, emerge como essencial uma visão estratégica do território nacional para a articulação política e para objetivar metas de crescimento econômico e de combate à desigualdade social, aliada à conservação dos recursos naturais. Deve haver não apenas uma conexão entre a elaboração e a execução de um plano nacional e de planos de desenvolvimento regional e planejamento territorial, pela União, e de planos estaduais e municipais, mas também em relação à atuação dos entes federados na proteção do meio ambiente e na promoção do desenvolvimento e da integração social.
Essa visão estratégica tem como elemento central uma preocupação com a retomada do território enquanto quadro ativo de integração do arcabouço produtivo, social e ambiental. Esse resgate busca também, ao se estabelecer o território como base das demandas sociais, superar a visão setorial e tornar mais fácil a compreensão das causas dos problemas a serem enfrentados e a priorização das ações a serem implementadas.
No que se refere ao planejamento governamental como um todo, há uma série de instrumentos e iniciativas em andamento que guardam significativas possibilidades de impactar positivamente a dinâmica socioprodutiva do País, contribuindo para a redução das desigualdades intra e inter-regionais.
O planejamento ambiental territorial, especificamente, apresenta relações essenciais não somente com o desenvolvimento regional, mas também com o desenvolvimento do País, de forma mais ampla. Enquanto condiciona e expressa o desenvolvimento histórico do País, seu desdobramento e redefinição exigem horizontes temporais que não se esgotam no curto prazo. Além disso, como instrumento de regulação das tendências de distribuição de atividades produtivas e equipamentos, diante de objetivos estratégicos e, ainda, como produto de articulação institucional e de negociações entre atores significativos, o planejamento ambiental territorial, na medida em que oferece subsídios para enfrentar graves problemas sociais, pode servir de base à própria legitimação do Estado.
Nesse contexto, o zoneamento ecológico-econômico (ZEE), instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente regulamentado pelo decreto nº 4.297/2002, tem sido utilizado pelo poder público com projetos realizados em diversas escalas de trabalho e em frações do território nacional. Municípios, estados da federação e órgãos federais têm executado ZEEs e avançado na conexão entre os produtos gerados e os instrumentos de políticas públicas, com o objetivo de efetivar ações de planejamento ambiental territorial.
Em linhas gerais, o ZEE tem como objetivo viabilizar o desenvolvimento sustentável a partir da compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a proteção ambiental. Para tanto, parte do diagnóstico dos meios físico, socioeconômico e jurídico-institucional e do estabelecimento de cenários exploratórios para a proposição de diretrizes legais e programáticas para cada unidade territorial identificada, estabelecendo, inclusive, ações voltadas à mitigação ou correção de impactos ambientais danosos porventura ocorridos.
De fato, dadas as especificidades econômicas, sociais, ambientais e culturais existentes, as vulnerabilidades e as potencialidades também são distintas, e, consequentemente, o padrão de desenvolvimento não pode ser uniforme. Uma característica do ZEE é justamente valorizar essas particularidades, que se traduzem no estabelecimento de alternativas de uso e gestão que oportunizam as vantagens competitivas do território.
Tal como exposto no decreto federal nº 4.297/2002:
Art. 2º O ZEE, instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população.
Art. 3º O ZEE tem por objetivo geral organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente, utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas.
Parágrafo único. O ZEE, na distribuição espacial das atividades econômicas, levará em conta a importância ecológica, as limitações e as fragilidades dos ecossistemas, estabelecendo vedações, restrições e alternativas de exploração do território e determinando, quando for o caso, inclusive a relocalização de atividades incompatíveis com suas diretrizes gerais.
Ou seja, o ZEE busca contribuir para racionalizar o uso e a gestão do território, reduzindo as ações predatórias e apontando as atividades mais adaptadas às particularidades de cada região, melhorando a capacidade de percepção das inter-relações entre os diversos componentes da realidade e, por conseguinte, elevando a eficácia e efetividade dos planos, programas e políticas, públicos e privados, que incidem sobre um determinado território, espacializando-os de acordo com as especificidades observadas.
Contudo, a conciliação dos objetivos do desenvolvimento com os da conservação ambiental requer ainda uma profunda reformulação do modo e dos meios aplicados nos processos de decisão dos agentes públicos e privados. Não basta estabelecer um rigoroso planejamento e ordenamento territorial, concebido segundo os objetivos da conservação ambiental, do desenvolvimento econômico e da justiça social, se isso não for acompanhado da criação e do fortalecimento de novas condições institucionais e financeiras que concorram para sua implementação, com uma integração horizontal, vertical e temporal das diversas ações que atuam num dado território.