Contexto histórico
No período colonial, as terras do país pertenciam à Coroa Portuguesa e sua transferência a particulares era realizada por meio das denominadas sesmarias. Somente em setembro de 1850, com a promulgação da Lei de Terras, surge uma legislação sobre o tema. A Constituição de 1891 atribuiu as terras devolutas aos estados, restando reservadas à União somente aquelas que fossem necessárias à defesa nacional. Com isso, diversificou- se a legislação sobre a aquisição de terras públicas e cada estado passou a dispor de lei própria, adequada às suas peculiaridades, porém em grande parte semelhantes à Lei de Terras de 1850.
Em 1934 foi outorgada nova Constituição, dispondo que o direito de propriedade não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo. Era a primeira vez que uma Constituição brasileira declarava que a propriedade não era um direito absoluto. Já em 1937, outra Constituição foi outorgada, garantindo o direito de propriedade, cujo conteúdo e limites seriam definidos em leis.
Nesse período, o governo Vargas promoveu a “Marcha para o Oeste”, buscando a integração nacional através da ocupação de grandes “espaços vazios” das regiões Norte e Centro-Oeste do país. Essa política expansionista foi formada por um conjunto de ações governamentais que incluíam a implantação de colônias agrícolas em terras devolutas e a implantação de infraestrutura necessária para o desenvolvimento econômico, como estradas, aeroportos, hospitais e escolas. Porém, esses “espaços vazios” muitas vezes eram grandes extensões de terras já ocupadas por indígenas, comunidades tradicionais e pequenos posseiros. Assim, muitas vezes essa ocupação resultou em conflitos e insegurança em relação aos direitos de propriedade.
No início da década de 1970, o governo militar passou a incentivar a ocupação da Amazônia por meio de projetos de colonização, partindo do princípio de que a ocupação da região Norte seria a solução para a diminuição dos conflitos no campo, ao passo em que fomentava a proteção do território e a soberania nacional. Assim, em 1970, foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com a missão de implementar a política de ocupação da Amazônia. Antes de instalar os projetos de colonização, o Incra deveria promover a discriminação das terras devolutas federais, reconhecer as posses legítimas e reincorporar ao patrimônio da União as terras ilegalmente ocupadas.
O processo discriminatório de terras devolutas O processo discriminatório de terras devolutas consiste na identificação e separação das terras públicas das terras particulares. No âmbito da União, ele é disciplinado pela Lei nº 6.383/1976, sendo o Incra o órgão responsável pela discriminação e arrecadação de terras devolutas federais, bem como pela promoção do registro no Cartório de Registro de Imóveis, em nome próprio ou da União. Inicialmente, é criada uma comissão especial e determina-se a área a ser discriminada por meio de alguns critérios, como presumível presença de terra devoluta, áreas de tensão social e áreas contíguas àquelas já discriminadas. A comissão especial procede então ao levantamento do perímetro da área, das ocupações e das propriedades particulares e, concluído o levantamento de todas as informações necessárias, os interessados são convocados a apresentarem seus títulos, documentos e demais informações pertinentes, via edital e/ou notificação. De posse dessa documentação, a comissão procede a sua análise. Também pode ser proposta uma ação discriminatória judicial, caso os interessados não atendam a convocação por edital ou por notificação. Havendo dúvidas sobre a legitimidade do título, a procuradoria jurídica do Incra deve analisar o documento e iniciar ação de cancelamento do registro. As ocupações passíveis de regularização recebem a licença de ocupação e tem preferência na aquisição de terras públicas de até 100 hectares. As propriedades com títulos regulares são excluídas do processo. Após essa etapa, as terras devolutas discriminadas são demarcadas e registradas no Cartório de Registro de Imóveis, em nome da União – tratam-se das glebas públicas federais. |
Diversos projetos de colonização foram implantados ao longo das grandes rodovias federais na Amazônia, como foi o caso dos assentamentos ao longo da rodovia BR-163, ligando Cuiabá à Santarém, e da BR-230, a Transamazônica.
Com o fim do regime militar, um novo período democrático se iniciou em 1985 e uma nova constituição foi promulgada. A Constituição Federal de 1988, em vigor até os dias de hoje, determina que a destinação de terras públicas e devolutas deve ser compatibilizada com a política agrícola e com o Plano Nacional de Reforma Agrária e prevê a desapropriação por interesse social. A partir da promulgação da Constituição de 1988, surgiu também um novo arcabouço legal, com normas sobre registro e cadastro de imóveis rurais, direitos sobre o uso da terra e com a criação de regras para conservação ambiental, reforma agrária, destinação de terras públicas e regularização fundiária.
De acordo com a base Cartos, do Incra, 121,30 milhões de hectares estão registrados como glebas públicas federais rurais, dos quais 116,57 milhões (ou 99%) encontram-se na região da Amazônia Legal. Desse total, 67,5 milhões de hectares já se encontram destinados, restando, portanto, outros 53,8 milhões de hectares a destinar.