Edição n° 13 - março/2016
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nº 13 /2016
Novo CPC regulamenta a cooperação jurídica internacional
Novo Código de Processo Civil (CPC), que passou a vigorar em 18 de março, traz mudanças para a cooperação
jurídica internacional, regulamentando a utilização dos procedimentos da carta rogatória e do auxílio direto
Foto: Flickr.com
Por Ricardo Andrade Saadi*
Cada país exerce sua própria soberania. A despeito disso, o processo de globalização, intensificado desde a década de 80, trouxe maior interdependência dos Estados para a consecução de seus objetivos sociais, econômicos e jurídicos. Hoje, a cooperação internacional se faz necessária em todos os campos da atividade humana.
Ainda assim, as decisões judiciais proferidas pelos magistrados brasileiros ou de cada país somente são válidas no respectivo território nacional. Dessa forma, para que a Justiça possa ser efetivamente aplicada, a cooperação jurídica internacional se faz necessária tanto para obter auxílio de outra nação, como para o Brasil prestar colaboração1.
O pedido de cooperação jurídica internacional é recebido no Brasil pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE), nos casos baseados em promessa de reciprocidade, ou pela autoridade central, quando baseado em acordos bilaterais ou multilaterais de que o Brasil seja parte. Salvo designação diversa, essa função é exercida pelo Ministério da Justiça (MJ). Vale ressaltar, porém, que com a edição da Portaria Interministerial nº 501/2012 pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério das Relações Exteriores, mesmo os pedidos recebidos pelo MRE devem ser redirecionados ao MJ.
No dia 18 de março de 2016, entrou em vigor o novo Código de Processo Civil (CPC). Dentre muitas novidades, o diploma legal abordou, pela primeira vez, a questão da cooperação jurídica internacional, apontando princípios que devem ser observados, definindo o Ministério da Justiça como autoridade central, salvo designação diversa, e regulamentando a utilização dos procedimentos da carta rogatória e do auxílio direto.
De acordo com o novo CPC, após recebido o pedido de cooperação jurídica internacional de autoridades estrangeiras, o mesmo pode ser cumprido no Brasil de duas formas: através do procedimento do auxílio direto ou através do procedimento da carta rogatória. Pouco importa a designação escrita no papel, mas sim a natureza do pedido de auxílio para a definição do procedimento a ser adotado pelas autoridades nacionais.
Os artigos 28 e seguintes do novo CPC indicam que o procedimento do auxílio direto deve ser adotado sempre que a medida solicitada não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil. Poderão ser cumpridos pelo procedimento do auxílio direto pedidos que tiverem por objeto a obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso, a colheita de provas ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.
Após receber o pedido de cooperação jurídica internacional, o Ministério da Justiça, como autoridade central, deve exercer juízo de admissibilidade e, posteriormente, encaminhá-lo para a Advocacia Geral da União (AGU)2 para que essa requeira em juízo a medida solicitada. A AGU fará a solicitação ao Poder Judiciário, que o analisará como se fosse um processo brasileiro. Nos casos processados como auxílio direto, o Poder Judiciário não deve exercer mero juízo de delibação, mas sim análise de mérito. Neste caso, o país solicitante, a fim de obter cooperação do Brasil, sujeita-se a uma decisão de mérito da Justiça brasileira.
Por sua vez, o procedimento da carta rogatória está previsto no artigo 36 do novo CPC. Ele deverá ser adotado quando o pedido de cooperação jurídica internacional decorrer de uma decisão de autoridade jurisdicional estrangeira que deva ser submetida a juízo de delibação no Brasil. O pedido deve ser encaminhado ao STJ para que esse exerça o juízo de delibação, verificando a legalidade do ato, bem como a existência de eventual ofensa à ordem pública, à soberania nacional ou à dignidade da pessoa humana. É vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira. Nada existindo a opor ao cumprimento da solicitação de cooperação, o STJ concede o exequatur e envia os autos para o efetivo cumprimento pelo juízo federal de primeira instância competente.
Importante destacar que a Presidência da República vetou o artigo 35 do novo CPC. Referido dispositivo indicava a utilização do procedimento da carta rogatória para o cumprimento de pedido de cooperação entre órgão jurisdicional brasileiro e órgão jurisdicional estrangeiro para prática de ato de citação, intimação, notificação judicial, colheita de provas, obtenção de informações e cumprimento de decisão interlocutória, sempre que o ato estrangeiro constituísse decisão a ser executada no Brasil. O dispositivo foi vetado, uma vez que o mesmo poderia levar ao entendimento de que determinados atos somente poderiam ser praticados por meio da carta rogatória, o que afetaria a celeridade e a efetividade da cooperação jurídica internacional, ao impor excessiva restrição à utilização do auxílio direto.
A inserção do tema cooperação jurídica internacional no novo Código de Processo Civil reflete a importância que o referido tema possui no mundo atual, onde os países dependem, cada vez mais, do auxílio das demais nações para a consecução de seus objetivos. Vale ressaltar, porém, que a regulamentação trazida pelo novo CPC ainda é tímida e superficial, havendo a necessidade da edição de uma lei de cooperação jurídica internacional completa, detalhando os procedimentos a serem adotados nos pedidos ativos e nos pedidos passivos, além de indicar os princípios que devem ser seguidos na matéria.
1 Quando a solicitação de auxílio parte de autoridades nacionais, temos a cooperação ativa; quando o auxílio parte de autoridades estrangeiras, a cooperação é denominada passiva. Os pedidos de cooperação jurídica internacional devem ser cumpridos de acordo com a legislação do país requerido.
2 Nos casos em que o Ministério Público for designado autoridade central, a própria instituição requererá em juízo a medida solicitada.
* Ricardo Andrade Saadi é Diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional Justiça e Cidadania do Ministério da Justiça e Delegado de Polícia Federal.
Transmissão espontânea de informações:
mecanismo proativo de cooperação jurídica internacional
Foto: Flickr.com
As possibilidades de cooperação jurídica internacional em matéria penal e a adoção de instrumentos eficazes e céleres de compartilhamento de documentos e informações entre as autoridades competentes dos países têm sido objeto de sensibilização por parte da comunidade jurídica internacional, especialmente entre os setores que atuam e que necessitam de medidas de auxílio jurídico entre os Estados.
Dentro desse contexto de modernização e aprimoramento sobre o assunto, as denominadas “informações espontâneas” vêm sendo utilizadas com crescente frequência como instrumento jurídico regular e ágil de colaboração.
A transmissão de informações espontâneas ocorre quando as autoridades competentes de um país, detentoras de determinado documento ou informação de interesse de outro país, não aguardam que as autoridades deste solicitem essas informações, mas, sim, encaminham-nas espontaneamente, mesmo sem o país interessado ter realizado uma solicitação prévia de auxílio jurídico internacional. Tal procedimento pode ter especial utilidade quando as autoridades do país detentor das informações têm consciência de que seu conteúdo seja potencialmente relevante e útil como prova em investigações ou processos criminais em outro país.
Como se pode perceber pela sistemática de seu funcionamento, não é forçoso afirmar que esse mecanismo jurídico consiste em uma das formas mais características do que representa a expressão “cooperação jurídica internacional”, encaixando-se perfeitamente como aplicação prática da intenção de colaboração e solidariedade entre os países, na medida em que um Estado preocupa-se com o outro, prestando informações relevantes por sua própria iniciativa, mesmo sem ser instado a tanto.
O instituto da transmissão de informações espontâneas encontra-se expressamente previsto nos tratados internacionais mais recentes sobre auxílio jurídico em matéria penal. A título exemplificativo, o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da Confederação Helvética (Decreto nº 6.974, de 07 de outubro de 2009), em seu art. 29, prevê tal mecanismo da seguinte forma: “Por intermédio das Autoridades Centrais, e nos limites de seu direito interno, as autoridades competentes de cada Estado Contratante podem, sem que um pedido tenha sido apresentado neste sentido, trocar informações e meios de prova envolvendo fatos penalmente puníveis, se avaliarem que esse encaminhamento pode permitir ao outro Estado Contratante: a) apresentar um pedido de cooperação jurídica nos termos do presente Tratado; b) iniciar procedimento penal; e c) ou facilitar o desenvolvimento de uma investigação penal em curso”.
Ademais, esse instituto jurídico está disposto não somente em acordos bilaterais, mas também em acordos multilaterais sobre o tema, dentre os quais está a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006), que em seu art. 46 (4) regula o tema das informações espontâneas, prescrevendo que “sem menosprezo à legislação interna, as autoridades competentes de um Estado Parte poderão, sem que se lhes solicite previamente, transmitir informação relativa a questões penais a uma autoridade competente de outro Estado Parte se creem que essa informação poderia ajudar a autoridade a empreender ou concluir com êxito indagações e processos penais ou poderia dar lugar a uma petição formulada por este último Estado Parte de acordo com a presente Convenção.”
Outra característica extremamente benéfica da transmissão de informações espontâneas encontra-se na proatividade do país que fornece as informações, fato que colabora com a celeridade do funcionamento da assistência jurídica internacional e, por conseguinte, com a própria eficiência do combate ao crime organizado transnacional ou daqueles delitos que, por determinado motivo, ultrapassam as fronteiras de um país.
No Brasil, é possível citar dois relevantes casos de cooperação jurídica internacional envolvendo procedimentos penais que apuravam atos de corrupção, cujo início foi provocado justamente por informações espontâneas fornecidas pelas autoridades suíças, com base na lei interna daquele país sobre assistência jurídica internacional. Trata-se da investigação criminal relacionada ao desvio de dinheiro público nas obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, ocorrido ainda nos anos 90; e da denominada Operação Anaconda, que desmantelou um esquema organizado de vendas de sentenças judiciais, deflagrada no ano de 2003.
Em ambos os casos, a Suíça detectou movimentações financeiras suspeitas por parte dos investigados e iniciou investigação por lavagem de dinheiro naquele país. Além disso, conscientes da nacionalidade brasileira e das notícias de atos de corrupção praticados pelos mesmos envolvidos no Brasil, as autoridades suíças não aguardaram receber um pedido de cooperação jurídica brasileiro para fornecer essas provas, mas, sim, atuando com iniciativa própria, encaminharam espontaneamente às autoridades brasileiras os elementos de prova existentes à época naquele país. Tal fato permitiu o uso legal dessas provas no Brasil com maior rapidez, reforçando as investigações sobre corrupção, crime este que era o principal delito antecedente à lavagem de dinheiro. Se não fosse a utilização regular e oportuna das informações espontâneas no início desses importantes casos, talvez a repatriação do montante aproximado de US$ 25 milhões, decorrentes dos crimes praticados no Brasil e mantidos na Suíça pelos criminosos, não tivesse ocorrido até hoje.
Por se tratar de um instrumento de cooperação jurídica internacional, as informações espontâneas devem ser utilizadas com a observância de regras procedimentais previstas nos próprios acordos internacionais. Destaca-se a necessidade de que a transmissão seja realizada por intermédio das Autoridades Centrais designadas por cada um dos países envolvidos, a fim de que as informações possam ser regularmente utilizadas em investigações ou processos penais no outro país.
Ademais, as informações a serem fornecidas devem ser obtidas e produzidas de acordo com as leis internas do país que as produziu. Assim, por exemplo, caso as autoridades brasileiras entendam necessário enviar por sua própria iniciativa a outro país conteúdo de quebras de sigilo bancário ou outras informações acobertadas pelo sigilo judicial no Brasil, deve-se obter previamente uma autorização judicial brasileira para tanto, sob pena de tais elementos de prova não terem validade no outro país, uma vez que foram obtidos, em sua origem, em desacordo com as leis do país que as encaminhou.
Tendo em vista as características positivas e úteis da transmissão espontânea de informações e a necessidade de observância de regras relacionadas ao tema, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) vem realizando orientações relacionadas ao tema junto aos órgãos nacionais que atuam com cooperação jurídica internacional, a fim de fomentar a correta utilização de tal mecanismo.
Guia da Rede Mundial de Prestação de Alimentos é tema de teleconferência
Foto: hcchasiapacificweek2015.org
O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) participou, no dia 15 de março de 2016, de Teleconferência para apresentação do Guia “Resources for Working International Cases”, disponível no sítio eletrônico Child Support Worldwide.
A apresentação foi feita pelo Dr. Thomas Meysen, Diretor do Instituto Alemão de Serviços Humanitários e de Direito de Família, órgão responsável pela iniciativa da Rede Mundial de Prestação de Alimentos, fundada como resultado da Conferência ocorrida em Heidelberg, Alemanha, em março de 2013. Participaram da Conferência organismos internacionais, como a União Europeia, a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (HCCH), o Ministério da Justiça alemão e diversos países, inclusive o Brasil, representado pelo DRCI e pelas Professoras Nadia de Araujo e Inez Lopes.
O Guia coleciona informações relevantes para a prestação internacional de alimentos, divididas nas categorias de “Países”, “Redes e Organizações Internacionais” e “Ferramentas”. Ao acessar a página dedicada a cada país, podem ser obtidas informações sobre a sua legislação doméstica, tratados, jurisprudência e outras, em grande parte fornecidas pelos próprios países. No caso do Brasil, por exemplo, a maior parte das informações foi enviada pelo DRCI. Já quando se acessa o item “Redes e Organizações Internacionais”, estão disponíveis informações gerais e outras específicas sobre a prestação internacional de alimentos, além de outros links de interesse. O item “Caixa de Ferramentas”, por sua vez, traz uma coleção de websites de dicionários multilíngues, enciclopédias e outras ferramentas úteis para a prestação de alimentos no âmbito transnacional.
A apresentação do Guia ocorreu no âmbito das teleconferências mensais do Subcomitê Internacional da National Child Support Enforcement Association, de que o DRCI participa regularmente, junto aos membros do Escritório Permanente da HCCH e de autoridades federais, estaduais e provinciais dos Estados Unidos da América (EUA) e do Canadá, além de representantes de Alemanha, Austrália, Finlândia, Israel, Itália, México, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido e Suíça.
Criada há trinta anos, nos EUA, a NCSEA (www.ncsea.org), por meio da sua Rede (NCSEA Connect), interliga os responsáveis pela prestação internacional de alimentos para crianças participantes do Subcomitê Internacional. Desde 2003, a NCSEA é considerada oficialmente uma entidade observadora pela HCCH, oferecendo consultoria para a negociação e para a implementação da Convenção da Haia sobre Alimentos (2007).
A participação do DRCI na Rede confere maior celeridade e efetividade à tramitação dos pedidos de alimentos que envolvem o Brasil como país requerido ou requerente. Além disso, a troca constante de informações – seja na rotina diária, por meio das teleconferências mensais ou em reuniões internacionais realizadas pela NCSEA – serve para consolidar a cooperação jurídica em matéria de alimentos junto às autoridades centrais de outros países e reforçar a atuação do Brasil na HCCH, o mais importante foro sobre direito internacional privado do mundo.
O tema da prestação internacional de alimentos é prioritário para o DRCI, já que 40% dos casos de cooperação em matéria civil que tramita envolvem pensão alimentícia, o que representa, mensalmente, centenas de pedidos com esta finalidade. Com a expectativa de adesão do Brasil à Convenção da Haia sobre Alimentos (2007), aumentam as responsabilidades do Departamento, que terá, como Autoridade Central, o desafio de implementar com sucesso o novo tratado, adotando, sempre que cabíveis, as boas práticas já em funcionamento em outros países.
Adaptabilidade da cooperação jurídica internacional em matéria penal: a solução para a nova realidade global
Foto: Flickr.com
O mundo globalizado, com a circulação de recursos, de mercadorias e, sobretudo, de pessoas, gerou e potencializou conflitos (tais como o tráfico ilícito de migrantes; o tráfico de pessoas; o tráfico de entorpecentes; e outras formas de crimes transnacionais), o aumento da criminalidade transnacional, bem como o incremento no contingente de migrantes ao redor do mundo. Por essa razão, a repressão penal, por intermédio da cooperação, é uma realidade em quase todos os países e atrai a atenção de organismos internacionais.
Entre os mecanismos existentes de cooperação jurídica internacional em matéria penal, o instituto da extradição mostra-se como uma ferramenta eficaz, haja vista que permite a entrega ao Estado estrangeiro de indivíduos que cometeram alguma infração naquele território e evadiram-se para outro Estado em busca da impunidade.
Sob tal parâmetro, após a solicitação de extradição passar por análises administrativa e judicial, com a anuência do Estado requerido, o indivíduo retornará ao país requerente para responder a processos-crime (extradição instrutória) ou para cumprimento de pena (extradição executória).
Por sua vez, o instituto da transferência de pessoas condenadas é uma medida que visa beneficiar o estrangeiro que está cumprindo pena em outro país, possibilitando o cumprimento do restante da pena em seu país de nacionalidade, próximo de seus familiares e compatriotas, facilitando a sua reintegração ao meio social.
Diversamente da extradição, a transferência só ocorre após sentença condenatória transitada em julgado e depende da vontade expressa do preso em cumprir o restante da pena em seu país de nacionalidade. Na transferência de pessoas condenadas não há uma lei penal carente de efetividade, o que existe é a composição de interesses entre dois Estados e o indivíduo que cumpre a pena.
Os institutos da transferência de pessoas condenadas e da extradição, isoladamente, não conseguem abarcar todas as hipóteses de cooperação jurídica internacional surgidas no contexto atual.
Podemos citar, por exemplo, a possibilidade de um nacional de um país cometer um crime neste país e se evadir para outro e lá cometer um novo crime. O primeiro país solicitará a extradição do foragido ao segundo país, que caso defira o pedido, a entrega do extraditando será diferida, uma vez que o reclamado deverá cumprir antes as pendências criminais junto ao país em que agora se encontra.
No presente exemplo, a solução mais célere para reduzir o tempo de espera para efetiva entrega do extraditando ao seu país de origem seria a combinar os institutos de extradição e de transferência de pessoas condenadas.
Caso o foragido deseje retornar para seu país de origem, ele tem a prerrogativa de solicitar transferência para sua terra natal, a fim de terminar de cumprir a pena que lhe foi imposta pelo segundo país e, além disso, ser extraditado simultaneamente àquele território. Ressalte-se que a manifestação de vontade do preso é imprescindível para a efetivação da medida de transferência.
No Brasil, a associação destes institutos já está sendo aplicada e os resultados dos trabalhos comprovam a efetividade dessas medidas, proporcionando não só uma economia procedimental e de custos, coibindo a impunidade e permitindo uma real ressocialização do apenado junto a seu meio social pátrio.
Dessa forma, é possível perceber que a utilização simbiótica dos institutos da extradição e da transferência de pessoas condenadas mostra-se imprescindível para o combate à criminalidade transnacional. Isso requer adaptação e modernização dos institutos já existentes com ferramentas mais céleres e eficazes que acompanhem a evolução da cooperação internacional em matéria penal e sirvam como base aos especialistas nas matérias.
Japão e Brasil celebram acordo sobre
transferência de pessoas condenadas
Foto: bsbcapital.com.br
A inserção internacional do Brasil, que se faz notar pelo crescente fluxo de pessoas e de bens pelas fronteiras nacionais, tem demandado esforço para articulação de extensa rede de cooperação jurídica internacional. A celebração de acordos ilustra esse esforço em aplicar as diretrizes mais avançadas de que se vale a comunidade internacional para assegurar o pleno acesso à justiça, garantir a eficácia das decisões judiciais e promover os direitos fundamentais dos indivíduos, sobretudo daqueles em situações de vulnerabilidade.
É nesse contexto que Japão e Brasil negociaram acordo de cooperação internacional que permitirá a transferência de pessoas condenadas entre ambos os países. Após finalizado o processo de negociação, o tratado foi assinado em Tóquio, pelo Embaixador do Brasil no Japão e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão. Posteriormente, a Presidência da República submeteu o texto do tratado ao Congresso Nacional, que o aprovou por meio do Decreto Legislativo nº 259/2015. O acordo entrou em vigor em fevereiro deste ano, o que beneficiará cerca de 400 brasileiros que atualmente cumprem pena no Japão e que poderão se valer do tratado para requerer o cumprimento do restante da sanção no Brasil.
A execução de sentenças penais condenatórias deve priorizar a reabilitação e a reintegração do condenado à comunidade. A transferência de pessoas encarceradas, a fim de que cumpram a sanção no país de origem, é medida consistente com a ressocialização pretendida. O cumprimento de pena privativa de liberdade em país estrangeiro, distante dos vínculos com familiares e amigos, é medida não recomendada, uma vez que o sentenciado tem acesso dificultado a apoio social e de subsistência com que poderia contar caso estivesse mais próximo de seu círculo social, o que lhe proporcionaria melhores condições de reintegração.
Com efeito, o fomento à transferência de pessoas condenadas é ratificada pelo direito internacional dos direitos humanos. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê que o regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação normal dos prisioneiros (artigo 10, parágrafo 3). A orientação é ratificada pelas Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, adotadas pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes.
O acordo bilateral negociado com o Japão está em sintonia com as diretrizes internacionais e se aplicará aos interessados que tenham sido definitivamente condenados por ação ou omissão que constitua crime na legislação de ambos os países. O caráter humanitário do tratado favorece a reinserção de pessoas condenadas e observa o respeito aos direitos humanos decorrentes de normas e princípios reconhecidos universalmente.
Em geral, o acordo é aplicado quando, no momento do recebimento da solicitação de transferência, a pessoa condenada tenha, pelo menos, um ano de pena a cumprir ou que essa pena seja por tempo indeterminado. Em que pese a necessidade de vinculação à natureza legal e à duração da pena aplicada na sentença condenatória, após a transferência, a continuidade da execução da pena será regida pelo país que recebeu seu nacional. Ou seja, fatores como as condições de cumprimento da pena, a possibilidade de redução do tempo de reclusão e de concessão de liberdade condicional são avaliados nos termos da legislação do país para onde a pessoa foi transferida.
Todos os pedidos de transferência formulados com base no acordo serão tramitados pela autoridade central que, no caso brasileiro, é exercida pelo Ministério da Justiça. A figura da autoridade central para lidar com as solicitações de auxílio internacional indubitavelmente torna os procedimentos mais céleres, menos custosos e mais efetivos. O exercício dessa competência inspirou as autoridades centrais brasileira e japonesa a negociar medidas de divulgação aos apenados que lhes informem sobre o direito de solicitar a transferência. Além disso, foram negociados formulários que registram a solicitação e a concordância com os trâmites que tornarão possível o retorno para o país onde a pessoa se desenvolveu e onde encontrará relações afetivas que favorecem a reintegração social.