Edição n° 02 - abril/2015
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nº 2 / 2015
Inclusão de regras sobre Cooperação Jurídica Internacional no novo CPC: o novo sistema harmônico brasileiro
Por Nadia de Araujo*
O dia 17 de março de 2015 marca o início do transcurso da vacatio legis do novo Código de Processo Civil (“Novo CPC”), com a publicação da Lei n. 13.105/2015, que entrará em vigor no próximo ano. Entre as inúmeras mudanças que promove na seara processual do ordenamento jurídico brasileiro, é de se destacar a inclusão de um capítulo especialmente dedicado à Cooperação Jurídica Internacional (“CJI”).
O Novo CPC tem o mérito de consolidar os princípios e regras aplicáveis à CJI, que antes contavam apenas com as parcas disposições da Resolução n. 9/05 , e algumas regras no CPC, além do conjunto das decisões judiciais daquele tribunal.
O Brasil possui um largo histórico de atuação na CJI, com regras específicas desde a época do Império, tendo sido o Aviso n. 1, de 1847, um marco na normativa a esse respeito. Naquela época, as comunicações passivas eram controladas pelo Poder Executivo, o que perdurou até meados da República. Somente com a Constituição de 1934 essa função passou a ser do Poder Judiciário, tendo sido concentrada no Supremo Tribunal Federal. Com a Emenda Constitucional n. 45/04, a competência foi transferida ao Superior Tribunal de Justiça, que este ano completa dez anos na função.
Durante todo esse tempo, a CJI careceu de um conjunto de normas harmônicas e integradas, pois as existentes se encontravam dispersas em diversas leis, regulamentos, tratados, resoluções e regimentos.
Agora, com um capítulo mais detalhado no Novo CPC, solidifica-se o trato da matéria, não só para os tribunais, como também para o Poder Executivo e as partes interessadas. Mais importante: é estabelecido um rol de princípios gerais a guiar os julgadores e os operados de direito.
No nosso entender, a par do que dispõe o Art. 26 do Novo CPC sobre as regras da CJI, em matéria na qual os tratados tem um papel preponderante no seu dia-a-dia, reveste-se ainda mais de significado o disposto no Art. 13 do novo diploma legal: o estabelecimento de uma ressalva expressa para que sejam respeitados os tratados dos quais o Brasil faz parte, em estrita consonância com o que dispõe a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969.
Esta convenção, que já está em vigor em 114 países, é o ápice a que chegaram os países sobre o entendimento de suas obrigações internacionais. Apesar de ter sido finalizada em 1969, somente em 2009 entrou em vigor no país (Decreto n. 7.030/2009). Pois bem, a citada convenção tem uma regra expressa que se coaduna com o disposto no Art. 13 do Novo CPC: a de que um país não pode escusar-se de cumprir um tratado por força de disposição de seu direito interno.
Explica-se: se o país se comprometeu no plano internacional, após o procedimento de internalização do tratado - no caso brasileiro através de sua aceitação pelo Legislativo, por aprovação em um Decreto Legislativo, e pelo Executivo, com a entrada em vigor determinada no Decreto de Promulgação, não pode posteriormente se desobrigar por um ato de caráter interno, em flagrante desrespeito à palavra que empenhou no plano internacional. Desta forma, nada mais cristalino do que a compreensão de que o Art. 13 do Novo CPC representa o estabelecimento de um novo patamar para os tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, e que esse patamar melhor se descortina na área da CJI.
Também se consolida o papel do órgão principal que cuida da CJI: cabe ao Ministério da Justiça, através do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, órgão da Secretaria Nacional de Justiça, exercer o papel de autoridade central, seja através de designação específica nos tratados dos quais o Brasil faz parte ou, na sua ausência, em virtude agora do Art. 26, §4ºdo Novo CPC.
O modelo de cooperação através de autoridades centrais foi introduzido no período pós-guerra, quando foi instituída na Convenção sobre cobrança de alimentos da ONU, de 1956. No entanto, o seu desenvolvimento e disseminação podem ser creditados à Conferência da Haia de Direito Internacional Privado. Com efeito, também nos anos cinquenta do século passado institucionalizou-se o trabalho da Conferência, através do estabelecimento de um Secretariado permanente, a partir de 1951. Já nos anos sessenta, iniciou a Conferência a instituir em suas convenções a figura da autoridade central para os atos de cooperação jurídica internacional e aos poucos foi desenvolvendo e aprofundando o modus operandi dessas entidades. (veja-se a Convenção da Haia Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros de 1961, ainda não em vigor no Brasil, mas atualmente tramitando no Congresso Nacional com essa finalidade). Agora, o Novo CPC traz logo ao início do Capitulo II, no Art. 26, a regra de que a CJI observará a existência de autoridade central para a recepção e transmissão dos pedidos (item IV), e que esse papel cabe ao Ministério da Justiça.
A entrada em vigor do novo diploma legal ajudará na consolidação da atuação do DRCI na CJI na esfera tanto cível quanto penal, pois são regras de caráter geral e que se aplicam às duas áreas, até que a área penal tenha um diploma inteiramente dedicado às suas questões específicas.
* Nadia Araújo é Mestre em Direito Comparado pela George Washington University (1983) e Doutora em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (1996). Professora Associada da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Ex-Procuradora de Justiça do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro.
Caso Operação Anaconda: um marco na cooperação jurídica e na recuperação de ativos no Brasil
No mês de abril de 2015, as autoridades brasileiras, por intermédio do DRCI, obtiveram junto às autoridades suíças, a repatriação de mais de R$ 60.000.000,00 que estavam bloqueados em bancos suíços, relacionados a crimes apurados no âmbito da “Operação Anaconda”, deflagrada pela Polícia Federal no ano de 2003, que desmantelou uma organização criminosa especializada em venda de sentenças judiciais e que praticavam crimes de corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
No caso concreto, ainda no ano de 2003, em virtude de movimentações financeiras consideradas suspeitas, as autoridades suíças, baseadas em um processo suíço que também apurava a prática de lavagem de dinheiro, bloquearam montantes naquele país, mantidos em contas bancárias abertas em nome de empresas off shore vinculadas a um dos investigados, comunicando tal fato às autoridades brasileiras.
Desde então, a investigação criminal e o consequente processo penal gerou uma série de pedidos de cooperação jurídica internacional entre ambos os países, sendo que em 2008 as autoridades suíças sinalizaram que, caso no Brasil houvesse uma sentença penal condenatória transitada em julgado, os valores poderiam ser restituídos ao Brasil.
Assim, a solicitação brasileira de repatriação ainda dependia do trânsito em julgado da sentença penal condenatória no processo penal em trâmite no Brasil, a qual veio a ocorrer em 2012, momento em que o réu João Carlos da Rocha Mattos foi condenado definitivamente por corrupção passiva.
Após a transmissão formal à Suíça da notícia do trânsito em julgado do processo no Brasil e levando em conta que os valores já estavam bloqueados com base em uma investigação conduzida na Suíça, após solicitação brasileira intermediada pelo DRCI, a Autoridade Central suíça celebrou e assinou um acordo de divisão bens, denominado de asset sharing agreement. No referido acordo, ficou registrado que as investigações suíças realmente constataram que os valores bloqueados na Suíça são oriundos de atos de corrupção praticados no Brasil e por isso a quantia foi devolvida em sua integralidade.
Desta forma, a Operação Anaconda representa um marco na recuperação de valores decorrentes de crimes praticados no Brasil e que foram remetidos para o exterior, pois apesar te ter sido baseada no processo conduzido na Suíça, foi o primeiro caso em que a repatriação dos ativos somente pôde ser efetivamente viabilizada com o advento do trânsito em julgado da decisão condenatória do processo penal brasileiro, requisito comumente exigido pelos países estrangeiros para restituírem montantes bloqueados, permitindo o retorno dos valores em sua integralidade e reforçando, como exemplo prático, a necessidade de um processo penal mais célere e eficiente.
Ministério da Justiça e Defensoria Pública da União aprimoram
procedimentos de Acesso Internacional à Justiça
Com o objetivo de aprimorar os procedimentos para acesso internacional à Justiça, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça – DRCI/SNJ e a Defensoria Pública da União – DPU se reuniram em Brasília para intercambiar informações e preparar Portaria Conjunta estabelecendo os procedimentos para a tramitação dos pedidos entre os dois órgãos.
A Convenção da Haia sobre o Acesso Internacional à Justiça, promulgada pelo Decreto 8.343, de 13 de novembro de 2014, prevê apoio aos brasileiros em 27 países em questões judiciais, nas mesmas condições concedidas aos nacionais e residentes pelos seus governos locais. Ao mesmo tempo, os estrangeiros receberão o mesmo tratamento no Brasil.
“Fomos designados como Autoridade Central para a Convenção da Haia de Acesso Internacional à Justiça e, portanto, somos incumbidos, além de tramitar os pedidos, de difundir amplamente esse novo instrumento para a garantia do acesso à justiça ao maior número de cidadãos que dele necessitem”, comenta Beto Vasconcelos, Secretário Nacional de Justiça.
“A intenção é otimizar a formulação do pedido de cooperação jurídica, a fim de que apresente todos os pré-requisitos definidos pela Convenção da Haia para viabilizar o atendimento pelas autoridades estrangeiras da forma mais célere possível”, explica Ricardo Saadi, Diretor do DRCI/SNJ. Acredita-se que a Convenção possibilitará cada vez mais pedidos de cooperação jurídica, tanto de brasileiros que buscam direitos no exterior, quanto de estrangeiros em relação ao Brasil.
O papel da autoridade central consagrado pelo novo Código de
Processo Civil
Com o advento do novo Código de Processo Civil (CPC), a prática da cooperação jurídica internacional na área cível, o papel da autoridade central e o auxílio direto passam a ser regulados no ordenamento jurídico interno. Anteriormente, a matéria estava disciplinada apenas pela Portaria Interministerial nº 501, de 2012, do Ministério da Justiça e do Ministério das Relações Exteriores e pela Emenda Regimental nº 18, de 2014, do Superior Tribunal de Justiça.
Desta forma, o novo diploma legal vem consolidar muitas das funções exercidas pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, autoridade central brasileira, tais como a tramitação dos pedidos ativos e passivos de cooperação, a concessão de autenticidade aos documentos que os instruem e de suas respectivas traduções; a comunicação direta entre autoridades centrais e a adoção das providências necessárias ao cumprimento do pedido de auxílio direto que dispensar a prática de atos jurisdicionais.
Ademais, todas as disposições que tratam destas atribuições seguiram o previsto no modelo de acordo de cooperação jurídica internacional em matéria civil adotado pelo país e estão presentes em diversos instrumentos internacionais em que o Estado brasileiro é parte. Como exemplo, podemos citar os acordos bilaterais na área firmados com a Argentina (Decreto nº 1.560, de 18 de julho de 1995), a França (Decreto nº 3.598, de 12 de setembro de 2000) e o Uruguai (Decreto nº 1.850, de 10 de abril de 1996).
Acrescenta-se que em 2004 foi criada comissão especial pelo Ministério da Justiça para elaborar Anteprojeto de Lei de Cooperação Jurídica Internacional, que encerrou seus trabalhos antes que o texto proposto fosse encaminhado ao Congresso Nacional. Entretanto, o Anteprojeto mencionado subsidiou a elaboração do capítulo referente à matéria no novo CPC . Além disso, no final do ano passado, o DRCI assumiu esta atividade sob a responsabilidade da Coordenação-Geral de Cooperação Jurídica Internacional (CGCI) e elaborou nova proposição que está sendo analisada por diversos agentes públicos e representantes da Academia.
Com a vigência do novo CPC em 2016, abre-se a oportunidade para que o Anteprojeto elaborado pelo Departamento venha a disciplinar mais detalhadamente a prática da cooperação jurídica internacional no Brasil.