Redes de Cooperação
Alimentos |CPLP | IberRede | Rede GROOVE | REMJA | RRAG | StAR-Interpol
A construção de um pedido de cooperação internacional exige o conhecimento acerca de eventual marco normativo que regule a relação entre os países envolvidos: seja um acordo bilateral; seja um tratado multilateral, de alcance regional, hemisférico ou global. Nem sempre, contudo, o acesso a esses tratados é simples. Os motivos são diversos.
A multiplicação de foros e de tratados internacionais a regularem as mais diversas matérias tem gerado uma pluralidade de marcos normativos da prática da cooperação internacional. Esse cenário decorre dos avanços observados na internacionalização de temas que até então eram tratados isoladamente, mas passam a requerer maior coordenação se seu enfrentamento exigir a atuação de jurisdições estrangeiras. Ao mesmo tempo em que o aumento dos instrumentos regulatórios confere maior segurança às relações internacionais, essa multiplicidade de acordos dificulta o dever dos países de conhecer não só a matéria de cada um desses tratados, mas também suas constantes atualizações de conteúdo, os eventuais protocolos adicionais e, ainda, a lista de países que a eles aderiram. O manejo desses múltiplos instrumentos normativos constitui desafio permanente de todos os profissionais que lidam com a cooperação internacional.
Somam às dificuldades o desconhecimento sobre o ordenamento jurídico e processual vigente alhures; a carência de informação sobre quais são as autoridades estrangeiras competentes para tratar de temas específicos, e como acessá-las; além das barreiras naturalmente impostas pelas diferenças linguísticas.
Esses desafios são potencializados pela crescente demanda pelo aprimoramento da cooperação internacional, o que tem provocado países e organizações internacionais a desenvolverem alternativas necessárias à celeridade da tramitação e à efetividade do cumprimento dos pedidos de auxílio. Nesse contexto, as organizações internacionais constituem importantes foros de reunião dos Estados e têm desenvolvido um trabalho essencial para criar iniciativas complementares aos tradicionais métodos de cooperação jurídica internacional, com o escopo de favorecer a comunicação direta e acessível entre os países: a criação de redes de cooperação internacional.
As redes de cooperação internacional podem ser definidas como grupos que permitem a comunicação entre pontos de contato dos países por elas abrangidos. Os pontos de contato são designados pelas autoridades centrais responsáveis pela cooperação jurídica, pelo Poder Judiciário, pelos Ministérios Públicos e por outras autoridades envolvidas na cooperação internacional. Além de coordenar a atuação nacional, os pontos de contato também intermedeiam o processo da cooperação. A atuação, no entanto, não se reveste de caráter burocrático, mas se pauta pela troca de informações e pela realização de contatos informais. Com o objetivo de fortalecer a relação entre eles, são promovidos encontros periódicos entre os pontos de contato dessas redes.
A reunião de pontos de contato é elemento comum e definidor das redes que, ademais, organizam-se da forma que melhor lhes pareça para superar os obstáculos que se impõem à cooperação internacional entre os países que delas fazem parte. Por isso, cada rede apresenta um perfil muito próprio, mas usualmente se constitui sob espaços virtuais nos quais se propõe a (1) compilar a documentação normativa potencialmente útil à regulação das relações entre os países que a compõem; (2) disponibilizar dicas importantes sobre o manejo dos instrumentos normativos; (3) manter atualizados os textos dos tratados, bem como a lista dos países aderentes; (4) promover cursos de capacitação e especialização de profissionais que lidam com a cooperação internacional; (5) informar os canais de contato das autoridades competentes por temas específicos em cada um dos países; e (6) disponibilizar informações sobre o sistema jurídico e a legislação doméstica aplicável nos países.
Dentre os pedidos mais frequentes tramitados pelas redes, merecem destaque (1) o exame preliminar de pedidos de auxílio; (2) dicas de interesse e informações práticas sobre como melhor encaminhar pedido específico de cooperação internacional; (3) confirmação de endereço para comunicação de atos processuais; (4) confirmação de recebimento de documentação enviada; (5) pedidos urgentes de complementação de informações; (6) informações sobre o andamento de pedidos encaminhados (diligência e cumprimento); (7) arranjos para a participação de autoridades do Estado Requerente em diligências; e, finalmente, (8) pedidos de remarcação de audiências. Em suma, as redes de cooperação jurídica internacional têm como objetivo facilitar e acelerar a cooperação entre os Estados que as integram, prover informações jurídicas e práticas para as autoridades nacionais e auxiliá-las na formulação de solicitações de auxílio.
É possível, ademais, identificar princípios convergentes sobre os quais se estruturam as redes de cooperação. Dentre eles, salientamos a informalidade, a complementaridade, a horizontalidade e a flexibilidade. As redes, como espaços de reunião entre pontos de contato, assumem a informalidade que caracteriza a comunicação entre eles. Com efeito, as informações tramitadas pelas redes, uma vez que usualmente não se destinam a compor autos de processos, lançam mão da informalidade para adiantar a comunicação de informações e solucionar problemas urgentes, a despeito das vias formais que poderão, posteriormente, revestir os atos processuais. Isso porque as redes atuam com caráter complementar, ou seja, o auxílio por elas prestado não substitui, a princípio, os trâmites formais cabíveis às autoridades competentes. Ao contrário, a complementaridade permite conferir a tais atos a efetividade que o decurso de tempo próprio das formalidades poderia mitigar.
As redes de cooperação também são horizontais e flexíveis. São horizontais porque não há hierarquia entre os pontos de contato. A legitimidade para indicá-los é titulada pelos países e, como tais, podem se comunicar diretamente com qualquer outro ponto de contato. Essa liberdade para indicação confere flexibilidade à rede, uma vez que cada Estado é livre para ponderar, entre seus servidores que lidam com a cooperação internacional, aqueles que, por seu cargo e conhecimento, estejam melhor preparados e disponíveis para exercer as funções que lhes cabem na condição de pontos de contato.
Em resumo, as redes de cooperação internacional visam facilitar o trabalho dos órgãos nacionais encarregados de promover a cooperação, disponibilizando-lhes informações atualizadas e acessíveis em tempo real sobre normas - nacionais ou internacionais – de interesse, bem como promover o contato direto entre especialistas, que podem dirimir dúvidas, quando necessário. A propósito, esse serviço de consultoria, prestado pelos profissionais que se constituem como pontos de contato nas referidas redes, além de possibilitar a solução de problemas individuais concretos, geram um efeito colateral salutar, ao permitir à rede de cooperação mapear disfunções mais freqüentes e identificar mecanismos práticos para oferecer soluções comuns a esses problemas. Ilustra o exemplo a recorrente dificuldade manifestada por operadores do direito pela ausência de familiaridade com a redação de um pedido de cooperação. Em resposta ao problema, redes de cooperação propuseram a organização de grupos de trabalho para redação de modelos de formulários para facilitar a redação desses pedidos.
As redes são comumente criadas no âmbito de organizações regionais, paralelamente ou em conseqüência de acordos multilaterais de auxílio jurídico mútuo. Registro pioneiro nesse sentido é a Rede Judiciária Europeia (EJN), criada em 1998 em decorrência do Plano de Ação para o Combate ao Crime Organizado, adotado pelo Conselho Europeu no ano anterior. O Brasil é atualmente parte das seguintes redes de cooperação jurídica internacional: a Rede de Cooperação Jurídica e Judiciária Internacional dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a Rede Ibero-americana de Cooperação Jurídica Internacional (IberRede), a Rede Hemisférica de Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal da OEA, a Rede de Cooperação Jurídica Hemisférica em Matéria de Família e Infância da OEA. Além dessas, somos parte de duas redes de cooperação dedicadas à recuperação de ativos: a Rede de Recuperação de Ativos do GAFISUD – RRAG e a Plataforma Pontos Focais de Recuperação de Ativos StAR-Interpol.