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Subtração de menores: saiba como os pais devem agir diante dessa situação
** Reportagem especial por Vanessa Aquino
Quando um relacionamento conjugal termina e há filhos, uma série de questões entra em jogo, visando, sobretudo, o bem-estar das crianças. O desafio aumenta quando o relacionamento envolve pessoas de nacionalidades diferentes. É preciso decidir quem ficará com a guarda dos menores de idade e em qual país. Sempre a melhor saída é a conciliação, mas, nos casos em que não há acordo, o futuro será decidido por um juiz.
Nesse caso, pode ser que um dos pais não receba autorização para se mudar com a criança ou adolescente para outro país e acaba tomando a atitude de levar o menor sem permissão ou mesmo conhecimento do outro genitor. Mas esse ato, na maioria dos casos, é configurado como subtração de menor. Sendo assim, o pai ou à mãe que ficou sem o menor, pode acionar a autoridade responsável pela cooperação internacional em seu país e requisitar o retorno da criança.
Para proteger a criança subtraída do local de sua residência habitual por um dos seus genitores, sem a autorização do outro, foi criada a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade da Haia (Holanda), em 25 de outubro de 1980 – ou simplesmente Convenção da Haia de 1980. O Brasil é signatário da Convenção, promulgada no país por meio do Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000 . No âmbito da América Latina, também foi criada a Convenção Interamericana sobre a Restituição Internacional de Menores, adotada em Montevidéu, em 15 de julho de 1989, e promulgada no Brasil por meio do Decreto n. 1.212, em 3 de agosto de 1994.
Ambas as Convenções têm como objetivo assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente menores de 16 anos vítimas de subtração e garantir o retorno ao país em que residiam, para que ali possam, então, ser resolvidas as questões relativas à sua guarda e direito de visitas.
De acordo com a Autoridade Central Administrativa Federal para Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes (ACAF), vinculada ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senajus/MJSP), apesar dos avanços já constatados no cumprimento das referidas convenções, a ausência de conciliação entre os pais sobre o local de residência da criança, levando ao ajuizamento de ações que se prolongam no tempo, afetam aquele que subitamente se vê privado do convívio com um de seus genitores, permanecendo, muitas vezes, afastado da rotina escolar ou em situação de risco.
Segundo o desembargador do TRF da 2ª Região e Coordenador Nacional da Rede brasileira de Juízes de Enlace para a Convenção da Haia de subtração internacional de crianças, Guilherme Calmon, atualmente, o principal desafio para assegurar o cumprimento da convenção é a conscientização das autoridades envolvidas no tema da subtração internacional de crianças sobre a necessidade de maior agilidade e efetividade nas medidas tendentes à proteção das crianças com o retorno destas ao Estado da residência habitual.
Calmon lembra que toda criança tem direito a ser protegida em todos os direitos fundamentais, inclusive quanto ao retorno seguro para sua residência habitual. Assim, quando ela é transferida ou retida ilicitamente em outro Estado que não o de sua residência habitual, deve-se inicialmente localizar a criança e o adulto que praticou a transferência ou retenção e, assim, adotar medidas para evitar que a subtração se perpetue. E, uma vez obtido acordo ou determinação judicial de retorno da criança, é fundamental que o retorno seja acompanhado de pessoa conhecida pela criança para garantir segurança e tranquilidade.
Cooperação internacional
A Convenção da Haia estabeleceu que os Estados-Partes devem cooperar entre si para restituir ao país de residência habitual toda e qualquer criança que tenha sido objeto de retenção ou transferência internacional ilícitas, isto é, quando há violação do direito de guarda de um dos genitores ou de qualquer outra pessoa ou instituição responsável pelo menor.
A partir do trabalho conjunto dos países, a cooperação jurídica internacional visa, então, impedir, por exemplo, que um simples transpor de fronteiras ou a permanência irregular em território estrangeiro torne determinado indivíduo inacessível ao Poder Judiciário. Para fazer frente aos desafios próprios de um mundo globalizado, é crescente o esforço dos sujeitos de Direito Internacional no sentido de celebrarem tratados que sirvam de base jurídica para a prestação de auxílio jurídico recíproco.
Além disso, para que haja consenso entre os sistemas judiciários dos países envolvidos, Calmon explica que há um trabalho concentrado de capacitação de profissionais – mediadores, psicólogos, assistentes sociais, advogados e juízes – para emprego de métodos e técnicas voltadas para a resolução consensual do conflito, via mediação, conciliação e negociação.
Autoridades centrais
Os pedidos de cooperação jurídica internacional formulados com base no Tratado de 1980 devem tramitar por meio de Autoridades Centrais, indicadas por cada Estado-Parte. A autoridade central, então, é o órgão designado pelo Estado para efetuar o trâmite de pedidos de auxílio, tanto na modalidade ativa quanto passiva. Isso proporciona o estreitamento das relações entre os países e simplifica a comunicação, acelerando a tramitação desses pedidos.
De acordo com a Coordenadora-Geral da ACAF, Fernanda Santos, o trabalho é realizado com dois tipos de pedidos de cooperação internacional: os ativos, quando o Brasil envia o pedido de retorno ou visitas para as autoridades centrais estrangeiras; e os casos passivos, quando a ACAF recebe esses pedidos das autoridades centrais de outros países.
Nesse sentido, segundo ela, a ACAF se comunica diretamente com os genitores abandonados somente nos casos ativos, quando o pai ou a mãe que apresenta o pedido está no Brasil. Nesses casos, a situação descrita pelo requerente é analisada e, caso se adeque aos critérios da Convenção, é feita a orientação sobre os documentos necessários para envio do pedido. A documentação é analisada e enviada para a autoridade central do país estrangeiro.
Já nos casos passivos, as autoridades centrais estrangeiras enviam os pedidos, que são analisados pela ACAF, no Brasil. Caso o paradeiro da criança seja desconhecido, a ACAF solicitará o apoio da Polícia Federal, representante da Interpol no Brasil, para sua localização. O genitor requerido recebe uma carta de notificação sobre a instauração do caso e é consultado sobre a possibilidade de solução amigável. Quando não é possível acordo, o caso é enviado para a Advocacia-Geral da União (AGU) para análise e judicialização perante a Vara Federal competente.
Nesse contexto, a AGU não representa diretamente os genitores requerentes que residem no exterior, mas representa a União Federal para a correta aplicação do tratado internacional pelo Brasil. Assim, os casos são acompanhados até o desfecho pela ACAF, que está sempre em contato com as congêneres estrangeiras para atualizar sobre os andamentos processuais.
Além da cooperação com as Autoridades Centrais dos outros países, a ACAF tem um importante papel de articulação e coordenação dos órgãos nacionais durante o planejamento e execução do retorno dos menores, em cumprimento às decisões judiciais.