Manaus (AM)
– Moralmente indignos e ilegais. Com essas palavras, o Ministério Público Federal (MPF) selou o destino de nomes que devem ser retirados de prédios públicos da Universidade Federal do Acre (Ufac). Trata-se de uma lista de 20 pessoas ligadas à ditadura civil-militar brasileira que batizam salas, blocos e até o campus universitário. Na lista, está o ex-reitor da universidade Áulio Gélio Alves de Souza, que esteve à frente da instituição por 13 anos (de 1970 a 1983).
Era 27 de agosto de 1982, quando Áulio Souza decidiu batizar o campus da Ufac com o seu próprio nome. Ao longo de sua gestão, próceres locais da ditadura passaram a ganhar placas pela instituição. O ex-reitor, apadrinhado de Jorge Kalume, um político paraense e primeiro governador ungido pelo regime militar de 1964, colocou ainda seu nome em um dos blocos, onde funcionou o curso de Engenharia. Ao longo de sua gestão à frente da universidade, que nasceu Unacre e foi federalizada em 1974, Áulio Souza foi denunciado por perseguir e demitir servidores que criticavam a ditadura ou sua atuação como reitor.
Áulio também seria “intimamente alinhado aos militares e ao regime, com íntima colaboração ao
status quo
daquele tempo”, acrescenta o parecer do MPF. Na época, dos 20 homenageados, 15 estavam vivos, incluindo o reitor. A auto-homenagem burla a Lei Federal Nº 6.454/1977, que proíbe esse tipo de exaltação a pessoas ainda vivas.
A grande maioria das pessoas homenageadas foi filiada à Arena, partido de apoio de sustentação da ditadura, e posteriormente ao PDS, agremiação que abrigou os apoiadores do regime militar já no processo de abertura democrática. Muitos dos presentes na lista exerceram cargos eletivos e apoiaram no Congresso e na Assembleia Legislativa do Acre a ditadura e os seus procedimentos arbitrários. Políticos que ocuparam o cargo de governador biônico se destacam: Geraldo Gurgel de Mesquita (governador biônico de 1975 a 1979); Kalume (1966/1971); Francisco Wanderley Dantas (1971/1975); e Joaquim Falcão Macedo (1979/1983). Eles também se tornaram parlamentares durante o regime militar.
Os militares Jarbas Passarinho e Mário Andreazza, que ocuparam vários cargos no primeiro escalão federal entre 1964 e 1985, Sérgio Mário Pasquali, Augusto Cézar Sá da Rocha Maia (chefe do Ministério do Interior no governo João Figueiredo e presidente da Sudeco); Euclydes de Figueiredo (udenista e pai do ex-presidente general João Figueiredo); Rubem Carlos Ludwig (ministro da Educação e chefe da Casa Militar no governo de João Figueiredo); e José Guiomard dos Santos (também senador
entre
1963 e 1983) também têm seus nomes estampados em placas de homenagem pelo campus da Ufac.
Completam a lista Zaqueu Machado de Almeida
(secretário de Agricultura no governo de Wanderley Dantas); Félix Bestene Neto, médico e político, ex-deputado estadual. Edilberto Parigot de Souza Filho, professor da Ufac era informante do SNI no Acre, conforme relatório deste órgão de espionagem da própria ditadura sob guarda do Arquivo Nacional, diz parecer do MPF; João de Mendonça Furtado, presidente da Federação das Indústrias do Amazonas nos anos 1960 e 1970, foi prefeito-tampão de Manaus em 1982; e Joaquim Pessoa Igrejas Lopes, coronel do Exército foi nomeado para a presidência da Suframa (1983/1985) que financiou a construção de vários blocos na Ufac. Omar Sabino de Paula foi reitor da Ufac entre 1983 e 1984, mas antes ocupou o cargo de vice-governador nomeado (1975/1979) e em 1978 assumiu uma vaga de deputado federal, como suplente. Edmundo Pinto de Almeida Neto foi vereador nos anos de 1970.
Agentes secretos do SNI
O parecer do MPF indica que os homenageados durante a ditadura chegaram a atuar como agentes secretos do SNI, o órgão de vigilância estatal a serviço da ditadura, no Acre. Apesar da documentação que confirma a lista de apoiadores do regime militar, as denúncias acabavam por ser enfraquecidas diante da ausência de investigações feitas pela Comissão Nacional da Verdade – o que ocorreu em outros Estados brasileiros. “O que reiteramos é o comprometimento político e ideológico dessas pessoas com a ditadura.”
Hoje vivendo em Brasília, o ex-reitor da Ufac Áulio Souza está com 94 anos e tem dificuldade em se comunicar. À reportagem, o filho do ex-reitor, o servidor público Arthur Souza, comentou a decisão. “É uma atitude natural. Foi uma recomendação do Ministério Público, que foi acatada pelo Conselho de uma forma até esperada. Se o Ministério Público está recomendando, é natural que o Conselho acate”, diz Arthur.
“A questão que nos interessa é que existe uma coisa que está feita (referindo-se ao trabalho do pai). A comunidade universitária tem todo o direito de reavaliar os nomes dos prédios e atuar de uma maneira a preservar a instituição e atualizar, de repente, se alguém não está alinhado, não pertence ou não representa a comunidade universitária. A vida é assim. Isso não nos atinge de uma maneira direta porque o que o meu pai tinha que fazer, ele fez e está lá. É isso”, explica Arthur.
É graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário Nilton Lins. Tem MBA executivo em Gestão de pessoas e coaching, pelas Faculdades Idaam. Com 18 anos de experiência profissional, atuou por veículos como Jornal A Crítica, Correio Amazonense, Jornal do Commercio e Zero Hora (RS). Na televisão trabalhou na TV A Crítica, Rede TV! Manaus, e na rádio A Crítica, como comentarista. É o vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo de 2015, com a reportagem “Chute no Preconceito”.