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Unicamp concede título de Dr. Honoris Causa a Paulo Sérgio Pinheiro
A Unicamp concedeu, na última terça-feira (11), o título de Doutor Honoris Causa ao advogado, doutor em Ciência Política e professor Paulo Sérgio Pinheiro. Integrante de comissões nacionais de Direitos Humanos, Pinheiro atuou em instâncias da ONU (Organização das Nações Unidas) contra violações de direitos humanos em diversas partes do mundo. F oi reconhecido como autor dos princípios de restituição de moradia e propriedade para refugiados e deslocados internamente criado pela ONU, num procedimento que ficou conhecido como “Pinheiro Principles”.
Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro é o 31º homenageado com o título de Dr. Honoris Causa pela Unicamp. Na lista, estão os professores Paulo Freire e Antonio Candido, o poeta Mário Quintana, o economista Celso Furtado, os religiosos Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Pedro Casaldáliga e o arquiteto Oscar Niemeyer.
A iniciativa para a concessão do título partiu do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, onde Pinheiro atuou por cerca de 15 anos.
Os autores do parecer da proposta foram os professores Francisco Foot Hardman, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e Armando Boito Jr e Angela Araújo do IFCH. Os professores Luiz Gonzaga Belluzo, do Instituto de Economia (IE), Maria Victoria Benevides, da Faculdade de Educação (FE), e Sérgio Adorno, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), formaram a comissão de especialistas que referendou a proposta.
Numa cerimônia que contou com a presença de colegas, ex-alunos e familiares, realizada na sala do Conselho Universitário (Consu), Foot disse acreditar não ter sido um acaso a Unicamp entregar um título tão importante num momento em que a democracia volta a estar ameaçada no Brasil.
“Acredito que não seja fortuito o momento gravíssimo em que nos reunimos para homenagear um dos mais respeitáveis professores que a Unicamp teve. Um dos batalhadores mais reconhecidos no plano nacional e internacional pelos direitos humanos, como parte indissociável da luta democrática, da luta social e da luta socioambiental”, disse Foot, que integrou a primeira turma de alunos do professor Paulo Sérgio Pinheiro.
“Sinta-se em casa”, disse Foot, dirigindo-se a Pinheiro. “Esta foi, é, e sempre será a sua casa. O título que, unanimemente, em todas as instâncias, a Unicamp lhe concede aqui, e agora, não é apenas uma homenagem justa a um dos seus fundadores mais ilustres. É o reconhecimento e a reafirmação da universidade pública com aquela coragem da verdade que deve guiar toda a ação educativa, digna de seu nome e de seus caminhos”, acrescentou.
“A coragem da verdade é a defesa incondicional do compromisso com os deserdados de todo o planeta; com os refugiados e deslocados internos que batem, sofregamente, à nossa porta. Coragem que, hoje, urgentemente, não se separa da defesa incondicional do nosso planeta terra e de todas as formas de vida e ecossistemas que nele ainda se abrigam”, afirmou.
O professor Foot lembrou o período da ditadura militar, quando, ainda estudante, foi orientado por Pinheiro. Lembrou também como a universidade resistiu naquela época, e fez um alerta: “O mar, de novo, não está para peixe”. “Nossa alegria e esperança têm que acumular energias e elos solidários, no corpo coletivo da nação, para resistir, derrotar e superar um dos mais violentos, autoritários e desumanos desgovernos que nossa instável república vem a conhecer”, afirmou Foot.
Na primeira metade da década de 1980, Paulo Sérgio Pinheiro participou da constituição da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos (CTV), que se transformou numa importante instância de luta pelo fortalecimento dos direitos humanos e no combate às ações repressivas do Estado.
A partir de 2018, envolveu-se com a fundação da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns. Ele atuou junto à ONU, na investigação da situação dos direitos humanos em Burundi, Síria, Timor-Leste e Myanmar.
Trabalhou, ainda, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos entre 2003 e 2011 e integrou a Comissão Nacional da Verdade entre 2012 e 2014.
Para a filósofa e professora da USP Marilena Chauí, a honraria se justifica por dois grandes motivos. Primeiro, pela importância de Pinheiro no processo de instalação do IFCH. Depois, pelo seu trabalho na defesa dos direitos humanos e na criação da Comissão da Verdade, formada para apurar as graves violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado no período de 1946 e 1988.
“Foi importantíssimo o papel que desempenhou nesse país ao trazer à luz a verdade sobre o que aconteceu na ditadura. Além disso, nos representa internacionalmente na ONU e em outros organismos internacionais, de forma que a homenagem para Paulo Sérgio é uma homenagem às humanidades”, disse Chauí.
Segundo a filósofa, o título entregue a Pinheiro tem um raro senso de oportunidade. “Esse é um momento em que o Brasil corre risco de efetivamente ter um governo de estilo fascista e miliciano, que abomina os direitos humanos e pratica a violência”, disse ela.
“Então, trazer o defensor dos direitos humanos, o criador da Comissão da Verdade, o nosso representante dos direitos humanos na ONU, parece mais que uma homenagem. É uma resposta que a Unicamp dá a riscos que nos querem fazer correr”, finalizou ela.
Figura decisiva na criação do IFCH
O ex-reitor da Unicamp Carlos Vogt lembrou que a homenagem tem um forte caráter político institucional, mas que, para ele, também se reveste de um traço pessoal importante. “Nós viemos para cá (Unicamp) como pioneiros. Nos conhecemos em Paris, quando Paulo estava lá fazendo sua pós-graduação”, contou o professor Vogt.
“Nos conhecemos e viemos praticamente na mesma ocasião, no segundo semestre de 1971. Aqui, convivemos como fundadores e pioneiros do IFCH. Nós convivemos nas lutas acadêmicas, institucionais e políticas da época e permanecemos amigos até hoje”, resumiu.
O professor e historiador norte-americano Michael McDonald Hall lembrou a contribuição de Pinheiro à Unicamp. “Ele conseguiu para a Unicamp o Arquivo Edgard Leuenroth; organizou uma série de eventos importantes e tentou abrir o instituto ao mundo com visitantes, palestrantes e dando cursos. Além disso, foi uma figura decisiva na criação do IFCH”, disse Hall, a quem Pinheiro chama de “amigo”.
Fundado em 1974, o AEL conta com mais de 4,5 mil livros, além de periódicos, folhetos, fitas de vídeo e microfilmes com materiais referentes ao mundo do trabalho, direitos humanos, violência, democracia, crimes de tortura no Brasil e na América Latina, além de artigos, periódicos, relatórios para agências governamentais e organizações internacionais. O AEL figura hoje como o mais importante centro de pesquisa e documentação social da América Latina. Entre os anos de 2010 e 2013, Pinheiro doou ao Arquivo o seu próprio acervo.
Sintetizar uma vida de trabalho e luta
A professora Andrea Galvão, diretora do IFCH, disse que homenagens como essa permitem à Universidade realizar um balanço, reconstituir a memória e sintetizar uma vida inteira de trabalho e luta.
“No caso de Paulo Sérgio, uma vida de intelectual público e ativista, cujas contribuições transcendem as fronteiras da ciência política, da universidade e as próprias fronteiras nacionais”, disse ela.
Segundo a diretora, “é sintomático” que o professor Paulo Sérgio tenha iniciado sua vida na Unicamp em 1971, no período mais duro da ditadura militar, e que esteja sendo homenageado agora, quando a democracia brasileira se encontra mais uma vez ameaçada.
“Ao longo desses 50 anos, Paulo Sérgio se dedicou à compreensão da classe operária no Brasil; do papel da sociedade civil na política, das várias facetas do autoritarismo, dos limites da consolidação democrática, da violência do Estado, especialmente das polícias. Foram temas variados, mas que têm como fio condutor a construção de uma sociedade justa, igualitária e democrática”, afirmou a diretora.
Olhando para o mundo
O reitor da Unicamp, professor Antonio Meirelles, contou que seu primeiro contato pessoal com o Paulo Sérgio Pinheiro foi justamente no dia da entrega do título. “É uma honra para a Unicamp, num momento tão importante para nosso país, fazer essa homenagem ao professor Paulo Sérgio Pinheiro”, disse.
Segundo o reitor, Pinheiro é um intelectual que trabalha olhando para o mundo.
“Quando a gente vê a história do professor, e o papel que ele desempenhou num grande conjunto de atividades, seja na questão dos direitos humanos, no combate à violência, nas lutas em favor dos refugiados, percebemos a forte relação que ele sempre teve com o mundo fora da universidade”, disse.
“São intelectuais que falam para o mundo e que orientam a nossa sociedade. E, nos dias de hoje, precisamos retomar essa inspiração”, finalizou.
Democracia e os direitos humanos
Durante a cerimônia, Paulo Sérgio Pinheiro permaneceu de máscara, prática imposta pela pandemia da covid-19, que, por precaução, preferiu manter. Emocionado, agradeceu o apoio da mulher, Ana Luiza, dos filhos André, Marina e Daniela, e dos netos, Mateus e Sofia, todos presentes na solenidade.
Pinheiro lembrou sua trajetória na França, onde ingressou na graduação em Sociologia do Institut d´Études Politiques de Paris (Sciences Po). Fez doutorado em Estudos Políticos na Universidade Paris 1 – Pantheon Sorbonne, defendendo a tese La fin de la Première République au Bresil: crise politique et révolution .
Relembrou o convite que recebeu de André Villalobos, na época coordenador-geral da Unicamp, e lembrou que, na Universidade, dedicou especial atenção a dois temas: democracia e os direitos humanos.
O professor comentou os avanços alcançados pela Constituição de 1988, mas ressaltou os retrocessos que surgiram a partir de 2016.
Segundo ele, a partir desse período, não apenas se eliminaram as garantias constitucionais dos gastos sociais com educação e saúde, como foram abandonadas as agendas fundamentais para a proteção dos negros, dos povos indígenas, das crianças, das mulheres, das pessoas LGBTIA+. “Esse desmonte de direitos agrediu e agride, diretamente, os valores da democracia”, disse.
Para ele, “o resultado concreto foi um crescente estado de mal estar social, que se traduziu no desemprego, na redução da massa salarial, no crescente número de excluídos, na volta da fome nas periferias, no aumento da violência em todas as suas expressões, no crescimento do machismo, homofobia e na retórica fascista que inunda as redes sociais”.
Pinheiro lembra ainda que foram restringidos espaços de participação da sociedade civil nas esferas de decisão do governo e identificou um cerco às universidades. “As universidades no Brasil, especialmente as federais, continuam submetidas a um cerco político, policial e ideológico”, sustenta.
Paulo Sérgio Pinheiro diz que é preciso abrir espaços para o que chamou de “refundação da democracia” e chamou a universidade a cumprir um papel de protagonismo nesse processo.
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