Notícias Evento on-line abordou as ameaças à Constituição de 1988, os riscos proporcionados pela desinformação e o papel dos militares, entre outros temas Luta deve ser contínua, defendem especialistas da UFMG no ‘Dia da democracia’ Compartilhe: Compartilhe por Facebook Compartilhe por Twitter Compartilhe por LinkedIn Compartilhe por WhatsApp link para Copiar para área de transferência Publicado em 06/10/2023 10h26 Mesa reuniu professores da UFMG para debater a defesa da democracia Imagem: Captura de tela Há exatos 35 anos, era promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil. Chamada de "Constituição Cidadã", o documento foi elaborado pela Assembleia Nacional Constituinte presidida pelo deputado Ulysses Guimarães e inaugurou nova ordem democrática e novo arcabouço jurídico-institucional no país, com ampliação das liberdades civis e dos direitos e garantias individuais. A Carta trouxe cláusulas inovadoras, como o direito de voto aos analfabetos e aos jovens de 16 a 17 anos, e o estabelecimento dos direitos trabalhistas, como a redução da jornada semanal de 48 para 44 horas, o seguro-desemprego e as férias remuneradas acrescidas de um terço do salário. Para lembrar o aniversário da Constituição de 1988, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), juntamente com outras entidades científicas e da sociedade civil, instituiu o Dia de luta pela democracia brasileira. Em comemoração à data, a UFMG realizou na manhã de hoje, 5, amesa-redonda 35 anos de constituição cidadã: UFMG em defesa da democracia. No evento, professores e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento da Universidade afirmaram que a defesa do regime democrático no país é uma luta constante. "Não devemos nos esquecer de tudo que passamos no período da ditadura. Se, nos anos seguintes à promulgação da Constituição de 1988, o Brasil viveu um momento de redemocratização, nos últimos anos estamos sob ataques às instituições democráticas, como aqueles ocorridos em 8 de janeiro. Daí a importância de ensinarmos às novas gerações, àquelas que não viram a ditadura, a importância de defendermos a democracia", afirmou a reitora Sandra Regina Goulart Almeida na fala de abertura da mesa. O professor da Faculdade de Direito Marco Antônio Sousa Alves, destacou que a promulgação da Constituição de 1988 foi um marco para o país porque simbolizou uma conquista e um pacto nacional de respeito aos direitos fundamentais. Para ele, a sociedade precisa, a todo momento, questionar-se sobre a validade atual desse pacto, uma vez que os ataques de 8 de janeiro mostraram que uma concepção conservadora está crescendo e tensionando o que havia sido estabelecido na Constituição. Marco Antônio: Constituição de 1988 foi um marco Imagem: Captura de tela Marco Sousa Alves exemplificou seu ponto de vista citando a obra Como as democracias morrem, de Daniel Ziblatt e Steven Levitsky. No livro, os autores afirmam que a polarização extrema ajuda a destruir regimes democráticos, chamando a atenção para a importância de se respeitar, além da letra da Constituição, o seu 'espírito'. "A política da separação vive às custas dessa polarização. Sofremos ameaças constantes de que o projeto de um país para todos seja substituído por um novo ideal baseado em uma cruzada moral. Aquilo que é visto por certos grupos como valores da família, de Deus e dos bons costumes, em vez de salvaguardar uma ordem legal baseada em garantias fundamentais, visa à defesa de privilégios daqueles que se veem como 'cidadãos de bem'. A democracia está em constante construção, mas a constituição deve resistir", disse. O perigo da desinformaçãoA professora do Departamento de Comunicação Social Geane Alzamora explicou como a desinformação é prejudicial para os regimes democráticos. Segundo ela, o exercício da cidadania na contemporaneidade é impactado pelas condições desiguais de acesso às tecnologias de informação, sem as quais a participação social é comprometida na atual sociedade altamente midiatizada. Geane: desinformação é inimiga Imagem: Captura de tela "Nossa vida é permeada pelas lógicas algorítmicas das mídias digitais e pela circulação intensa de conteúdos, que é impulsionada pelos algoritmos e pelo ativismo social. Esse cenário favorece a manipulação ideológica das ações em rede por aqueles que participam do processo comunicacional sem compreender a lógica de seu funcionamento", explicou. A professora afirmou que é necessário assegurar que uma ampla parcela da sociedade tenha competência digital para o uso dos meios de comunicação, além de conhecimento para avaliar criticamente a informação que recebe, reproduz e compartilha. "Precisamos de políticas públicas que favoreçam o exercício da cidadania em uma sociedade permeada por modalidades sofisticadas de distorções e manipulações ideológicas de informações. A sociedade da desinformação não é democrática nem se baseia no livre exercício da cidadania. Daí a importância do letramento digital e da regulamentação das plataformas para que a democracia não seja impactada pela lógica mercadológica dos algoritmos das redes sociais", argumentou. O professor Marco Antônio também apontou a importância da regulamentação das plataformas digitais, uma vez que esses locais podem favorecer a divulgação de desinformação e de discursos de ódio que ameaçam a democracia. "O problema da desinformação não surgiu agora, mas as novas tecnologias de comunicação e informação conferiram nova dimensão a ele. Embora a liberdade de expressão seja um pilar democrata, ela não é ilimitada, e ambientes desregulados são ameaças a direitos fundamentais e à democracia." O conhecimento e o papel dos militares na democraciaOs professores da Fafich, Ernesto Perini (Filosofia) e Lucas Rezende (Ciência Política), abordaram questões filosóficas e sociais que permeiam os debates acerca da democracia. Perini centrou sua fala no modo como o funcionamento de ações coletivas depende da compreensão comum do mundo pelos membros da coletividade. Segundo ele, para que a democracia prospere é necessário que "as pessoas conheçam os mecanismos que garantem o seu funcionamento." Perini acrescentou que existe uma crise relacionada à distribuição desse conhecimento, e ela está assentada em três dimensões. "Primeiramente, a informação circula de modo desregulado na internet. Em segundo lugar, o crescimento da desigualdade também possibilita o desequilíbrio da produção de conteúdo. Finalmente, a extrema direita tem explorado a desconfiança e o ódio, se colocando como ponto de convergência de diferentes tipos de negação epistêmicos e morais." Lucas Rezende questionou papel dos militares em governos democráticosImagem: Captura de tela O professor Lucas Rezende, por sua vez, abordou a função desempenhada pelos militares na democracia brasileira. Ele explicou que o artigo 142 da Constituição, que versa sobre o papel das Forças Armadas no país, não foi debatido com o cuidado necessário. Lucas explicou que, quando a Constituição foi escrita, o Brasil passava por uma espécie de "ressaca" da anistia ocorrida após a ditadura militar. "Nossa anistia foi conduzida e tutelada pelos militares. Isso deixou cicatrizes no nosso processo de democratização e de estruturação da sociedade, pois não houve punição aos crimes cometidos pelos militares. Diferentemente de países que enfrentaram governos autoritários, como a Argentina, nós não tivemos um processo para responsabilizar quem operou a ruptura democrática em nome do Estado." Para Rezende, o controle civil dos militares, algo que nunca ocorreu no Brasil, é muito importante em um regime democrático. "Jamais conseguimos implementar um controle civil de fato. Os nossos militares têm uma cultura institucional de participação política que foi mantida ao longo do tempo. Defesa nacional não é atribuição somente dos militares, mas, sim, da sociedade como um todo, incluindo o parlamento e a academia. O controle civil dos militares não é pauta da direita ou da esquerda, mas da democracia." Formação cidadãCarlos Alberto Ávila e Fábia Lima, professores da Fafich vinculados ao Programa UFMG de Formação Cidadã, falaram sobre as ações que a UFMG tem mantido em prol da defesa da democracia. Fábia Lima, que também é diretora do Centro de Comunicação (Cedecom) da UFMG, listou alguns dos projetos e ações da Universidade que fazem parte de acordos firmados com diversas entidades. "Estamos atuando há um ano, desde que celebramos a parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do Programa de Combate à Desinformação. Nossa comunidade se engajou de forma potente nesse programa institucional que reitera o compromisso da UFMG com a defesa da democracia. Neste ano, já realizamos a primeira jornada do Programa com cerca de 20 projetos", contou. Outras ações citadas pela diretora do Cedecom estão associados à organização de uma jornada itinerante com os projetos, para que eles sejam conhecidos pela sociedade, além da criação de uma Formação Transversal destinada ao debate dessa temática. Outras informações sobre o Programa UFMG de formação cidadã em defesa da democracia estão disponíveis na página do Programa. Dia de luta pela democracia celebra a promulgação da Constituição de 1988