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Medida cumpre a decisão judicial contra a postagem feita nos perfis da Secom que tratava como “herói do Brasil” o homem que ordenou a prisão, tortura e execução de brasileiros
Governo Lula faz retratação sobre post da gestão Bolsonaro exaltando Major Curió
A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) publica nesta segunda-feira (12), em todas as suas contas oficiais nas redes sociais, direito de resposta a postagem da gestão de Jair Bolsonaro (PL) que ofende vítimas de Sebastião Rodrigues de Moura (1934-2022), o Major Curió , condenado por tortura durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985).
A medida cumpre a decisão judicial contra a postagem feita nos perfis da Secom em 5 de maio de 2020, que tratava como “herói do Brasil” o homem que ordenou a prisão, tortura e execução de cidadãos brasileiros durante o regime militar, em especial os que atuaram na guerrilha do Araguaia, na região de Tocantins, Pará e Maranhão.
“Não é herói. Nada justifica a tortura, a mais covarde das violências”, diz texto publicado pela Secom nesta segunda-feira. “É com satisfação que fazemos esta reparação histórica”, ressalta.
Em 2020, familiares das vítimas do Major Curió entraram com uma ação na 8ª Vara Cível Federal de São Paulo contra a União e o torturador Sebastião Rodrigues Moura, exigindo na Justiça o direito de resposta. A gestão Bolsonaro recorreu.
Agora, a Secom terá que reproduzir o seguinte texto: “O governo brasileiro, na atuação contra a guerrilha do Araguaia, violou os Direitos Humanos, praticou torturas e homicídios, sendo condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por tais fatos. Um dos participantes destas violações foi o Major Curió e, portanto, nunca poderá ser chamado de herói. A Secom retifica a divulgação ilegal que fez sobre o tema, em respeito ao direito à verdade e à memória.”
Documentos revelados por Curió, em 2009, confirmam que o Exército Brasileiro executou 41 pessoas durante a Guerrilha do Araguaia , ocorrida entre 1972 e 1975.
Até então, a versão oficial apontava que 25 guerrilheiros foram mortos pelo exército durante a batalha. Os documentos do major Curió desmentem a versão ao registrarem que dos 67 integrantes do movimento de resistência, 41 foram presos, torturados e mortos. Apenas adolescentes teriam sido poupados pelos militares.
O arquivo do major Curió apresenta detalhes sobre a política de extermínio comandada durante os governos de Emílio Garrastazu Medici e Ernesto Geisel, período que corresponde aos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil.
Curió liderou tropas contra forças do Estado e o “comunismo”
Filho de uma lavadeira e um barbeiro de São Sebastião do Paraíso, no Sul de Minas, Curió ganhou o apelido no tempo de estudante no colégio militar e lutador de boxe amador em Fortaleza (CE). Era uma referência às rinhas de pássaro da capital cearense. Personalizou como poucos a geração militar do pós-guerra que tinha como paradigma na carreira a atuação dos pracinhas na Itália.
Após se formar na Academia Militar das Agulhas Negras, Curió atuou no interior paulista e paranaense. À frente do batalhão de Francisco Beltrão, pôs sua tropa, em 1957, a favor dos posseiros do município de Capitão Leônidas Marques, que travavam uma guerra sangrenta com as forças enviadas pelo governador Moysés Lupion.
Ao ser informado do golpe contra o presidente João Goulart, em abril de 1964, seguiu para a cidade natal, onde promoveu um insólito julgamento dos “comunistas” locais. Um primo dele foi condenado à prisão, causando um racha na família. Era tempo de guerra fria e do avanço dos tratores do Brasil Grande na Amazônia.
Curió era agente do Centro de Inteligência do Exército, o antigo CIE, quando passou a atuar contra movimentos armados de oposição ao regime. Em 1972, o general Milton Tavares, chefe do órgão, organizou um plano de infiltração no Bico do Papagaio, região do sul do Pará e norte de Goiás, hoje Tocantins. Buscava informações para uma ofensiva final contra uma guerrilha organizada pelo PCdoB, dissidência do antigo PCB.
As duas primeiras campanhas militares com tropas convencionais, entre abril e setembro de 1972, foram derrotadas pelo grupo de cerca de 100 guerrilheiros – uma parte formada por estudantes universitários e militantes das grandes cidades e outra, por moradores arregimentados.
Curió infiltrou agentes no combate à Guerrilha do Araguaia
O CIE entregou a Curió a chefia em campo da Operação Sucuri. O agente fez um mapa com registros dos locais de movimentação do “povo da mata” ou “paulistas”, como os guerrilheiros eram conhecidos pela população ribeirinha e sertaneja. Para isso, infiltrou homens pelo Araguaia que se passavam por barqueiros, donos de bodega, garimpeiros e pequenos agricultores.
A partir das informações coletadas pela Sucuri, os generais Emílio Garrastazu Médici, que ocupava a Presidência da República, Orlando Geisel, a pasta do Exército, e Milton Tavares, do CIE, puseram em prática a terceira e última campanha contra a guerrilha. Desta vez, os militares enviados ao Araguaia eram apenas homens formados em guerra na selva. Por anos, a cúpula das Forças Armadas disse que os guerrilheiros morreram em combates na terceira e decisiva campanha. Não foi isso que ocorreu.
Em 1982, Médici afirmou que Curió “sabia de muita coisa”. Foi o suficiente para se criar na opinião pública uma expectativa sobre a abertura do arquivo pessoal do agente, que poderia trazer informações sobre execuções de guerrilheiros nas prisões. Até ali, a cúpula das Forças Armadas dizia que fez apenas manobras na região. Depois, insistiu que só havia matado adversários em combates na mata.
Major Curió controlou o garimpo de Serra Pelada
A ditadura começou a morrer no final dos anos 1970, mas Curió permaneceu na Amazônia. Em 1980, a poucos quilômetros da área dos combates à guerrilha, foi descoberta uma mina de ouro. Serra Pelada atraiu milhares de homens em busca de riqueza. Curió ocupou o garimpo e passou a controlar a vida e o trabalho dos “formigas”. Os garimpeiros tiveram de entregar suas armas ao Exército e só podiam vender o que retiraram de lá num posto da Caixa Econômica Federal instalado no local.
As mulheres foram proibidas de entrar no garimpo. Um grupo delas resolveu criar a Vila do Trinta, no quilômetro 30 da rodovia que ligava Marabá a Carajás. Surgiu o povoado de Curionópolis.
A história do garimpo chegou em 1982 aos cinemas. O filme “Os Trapalhões na Serra Pelada”, Curió foi interpretado por Renato Aragão.
Curió foi eleito deputado federal com apoio de militares
Para diminuir o poder do agente na região epicentro de conflitos sociais e agrários, o então presidente João Figueiredo determinou que Curió se candidatasse nas eleições daquele ano a deputado federal. Foi eleito e ainda catapultou campanhas de aliados do governo. Nas previsões do general, uma vez em Brasília, o agente perderia força política na massa de garimpeiros.
Em 1984, o deputado Curió, do PDS governista, chefiou o maior levante da história contemporânea da Amazônia. Garimpeiros fizeram barricadas em todos os acessos ao sul do Pará e ao Projeto Carajás para protestar contra o fechamento de Serra Pelada e o controle da Vale na mina.
Curió voltou à cena política em 1990 quando gravou e revelou uma conversa por telefone com o empresário Paulo César Farias, o PC, que detalhava doações para a campanha do então presidente Fernando Collor. Três anos depois, foi acusado pelo homicídio do menor Laércio Xavier da Silva e lesão corporal de Leonardo Xavier, jovens infratores, em uma chácara em Sobradinho, no Distrito Federal. Ele alegou que, ao prestar socorro, não tinha intenção de matar. Foi absolvido em 2009 pelo Tribunal do Júri. Tanto a acusação como a defesa trataram o caso como um julgamento da atuação do agente no Araguaia. (Com Estadão Conteúdo )
Fonte: O Tempo, 12/06/2023