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É um ‘ato magnífico para reabilitação e reinserção política', definiu a viúva, Maria Ester Cristelli, durante cerimônia de descerramento de placa realizada na Face
Familiares se emocionam com homenagem a João Drumond, ex-aluno da UFMG morto pela ditadura
Ainda nos anos 1960, a família de João Batista Franco Drumond, dirigente do PCdoB, passou a viver na clandestinidade, perseguida pelo regime militar. Ele foi assassinado em 1976, nas dependências do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). A partir de então, esposa e filhas se exilaram no exterior.
“Sem retorno, perdeu-se muito do que seria a reinserção política e familiar na história do Brasil”, declarou a viúva, Maria Ester Cristelli Drumond, durante a cerimônia de descerramento de placa em homenagem ao militante, ocorrida na manhã desta sexta-feira , dia 1º de setembro, na Faculdade de Ciências Econômicas (Face), onde João Batista Drumond se formou em Economia. Em sua avaliação, a homenagem ao ex-aluno carrega um sentido especial. “Ela nos toca imensamente e é uma resposta magnífica para a reabilitação que almejamos", afirmou Maria Ester.
Como relatou a viúva, ela e as filhas foram impedidas de comparecer ao enterro de João Batista "e até de conversar, em segurança, sobre o fato". Segundo Maria Ester, as filhas tampouco puderam conhecer o verdadeiro nome do pai.
“Os órgãos de repressão proibiram a divulgação do horário e do local do sepultamento, que foi realizado na calada da noite, com caixão fechado. O atestado de óbito continha uma versão falsa da morte, por atropelamento, amplamente divulgada pela imprensa e corrigida, definitivamente, em 2014”, lembrou a viúva, em pronunciamento emocionado.
Maria Ester descreveu fatos relacionados, segundo ela, com “a significação ética da homenagem”. Entre eles, o episódio em que seu Neto Marcos, então com 11 anos, falou com colegas de classe sobre a história do avô, que foi torturado e morreu na prisão. “Os colegas, pensando que se tratava de lorotas, deram gargalhadas, o que fez Marcos ficar surpreso e desapontado. A professora optou por conversar com ele à parte, explicando como tudo aquilo poderia parecer surreal para as outras crianças”, relatou.
Feridas profundas
De acordo com a presidente do Conselho Regional de Economia, Valquíria Assis, o homenageado foi “um defensor apaixonado da democracia e da igualdade". “Seus anos nessa escola foram dedicados à luta por um país mais justo. Hoje, ao descerrar uma placa em sua memória, não apenas honramos seu legado, mas também reafirmamos nosso compromisso com os direitos humanos, com a memória histórica e com a luta contínua pela justiça e pela liberdade. Ele representa a crença inabalável nos valores fundamentais que sustentam uma sociedade democrática”, disse.
Para o presidente do Sindicato dos Economistas, Breno Leandro Corrêa, “é impossível falar de João Batista Drumond sem detacar sua luta por um Brasil de oportunidades para todos, em que a justiça e os direitos humanos prevalecem sobre a opressão”.
“Em um cenário adverso, ele não se acovardou. Usou sua expertise como economista para denunciar as injustiças, desigualdades e os abusos que sufocavam nosso país. Voz animada que não se curvou diante da tirania, ousou sonhar com um futuro mais justo e democrático. A brutalidade com que sua vida foi interrompida é um triste lembrete das profundas feridas que a ditadura militar deixou em nossa sociedade”, discursou.
Enfrentamento ao reacionarismo
O Diretório Acadêmico (DA) da Face foi, recentemente, rebatizado com o nome de João Batista Drumond. Para a diretora da unidade, Kely Paiva, o ato foi uma forma de reafirmar o compromisso da faculdade com a memória, a verdade e a justiça. “Inclusive, na luta pela responsabilização dos militares anistiados, provenientes dos porões dos quais Bolsonaro também nasceu. O ato de hoje também é um enfrentamento ao reacionarismo”, acrescentou, falando em nome do DA.
O ex-deputado federal Aldo Arantes, que sobreviveu à Chacina da Lapa, episódio que vitimou João Batista Drumond e outros militantes, parabenizou a UFMG pela homenagem aos colegas. “É muito simbólico. A defesa dos direitos humanos tem estreita relação com a luta pela democracia”, disse.
A reitora Sandra Regina Goulart Almeida enfatizou que a UFMG “recusa a cegueira e o esquecimento que tende a recair sobre fatos históricos e cotidianos do passado”. Em seu entendimento, o tributo a João Batista Drumond alinha-se com a missão da Universidade de “não deixar o passado ser esquecido, exigir uma análise crítica do presente e, principalmente, pensar no futuro”.
Representante da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), Maria Emília da Silva reiterou que os atos realizados na Semana da Anistia “resgatam a memória daqueles que se sacrificaram pela democracia”. “É preciso lembrar para não esquecer jamais”, pontuou.
O assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do MDHC, Nilmário Miranda, afirmou, sobre a democracia brasileira, que “destruí-la é fácil e rápido”. “Por sua vez, a instrução é difícil e lenta. E tem que ser sólido, para que nunca mais aconteça.”
Trajetória
Nascido em 1942, em Varginha, João Drumond estudou Economia na UFMG de 1961 a 1966. Antes de se tornar ativista e dirigente do PCdoB, ele presidiu o Diretório Acadêmico da UFMG (1964-1965) e foi um dos organizadores do 27º e do 28º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Integrou também a Ação Popular (AP), a partir de 1963, a Ação Popular Marxista-Leninista (APML), em 1969, e o Comitê Político, em 1971.
Julgado pela Justiça Militar, João Batista Franco Drumond teve seus direitos políticos cassados e foi condenado a 14 anos de prisão. No dia 15 de dezembro de 1976, ele foi preso após sair de uma reunião do PCdoB, na região da Lapa, em São Paulo.
Os relatos sobre sua morte eram contraditórios. Confrontos com agentes de órgãos de segurança, tiroteios e atropelamento foram causas indicadas por diferentes órgãos do Estado. Em 1993, a família de João Batista moveu uma ação contra a União e, após análise dos documentos, a Justiça Federal descobriu que Drumond ele faleceu na sede do DOI-Codi, em 16 de dezembro de 1976. A decisão foi a primeira a atribuir aos agentes da ditadura a responsabilidade pela chamada Chacina da Lapa.