“ Sem esclarecer os crimes da Ditadura Militar, não alcançaremos uma democracia plena e sólida em nosso país ”. A afirmativa é do pernambucano Edival Cajá, um dos últimos presos políticos liberados pela ditadura após a lei da anistia, e expressa a centralidade das discussões que irão nortear o “ 8° Encontro de Comitês e Comissões pela Memória, Verdade e Justiça do Norte e Nordeste ”. A abertura dos debates ocorre no dia 28 de agosto, data de aniversário dos 44 anos da Lei da Anistia, na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em Recife.
Fruto de um amplo movimento da sociedade brasileira, em especial de vítimas da ditadura e seus familiares, que exigiam a libertação dos presos e a volta dos exilados políticos, a Lei de Anistia foi sancionada em 28 de agosto de 1979 pelo último presidente do regime militar, João Batista Figueiredo. Mas, após 44 anos, ainda é alvo de questionamentos de setores da população brasileira que veem no dispositivo uma fonte de impunidade para os agentes da ditadura e uma violação à legislação internacional de direitos humanos.
“ Nossa expectativa é de somar força no sentido de criar a justiça de transição no Brasil. Já está provado que nos países em que se aplicou a justiça de transição, aquela sociedade é menos violenta do que onde reinou a impunidade, é o caso do Brasil ”, avalia Cajá, coordenador do 8° Encontro de Comitês e Comissões do Norte-Nordeste.
O primeiro dia de encontro contará uma mensagem de saudação em vídeo de Adolfo Pérez Esquivel, ativista argentino de direitos humanos e laureado com o Prêmio Nobel da Paz em 1980. A programação segue até o dia 29 de agosto e será encerrada com a leitura da Carta de Recife, que será enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na presença do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Sílvio Almeida.
A expectativa é de que no encontro seja aprovada uma carta que exija do Estado a volta da comissão especial de mortos e desaparecidos responsável pela busca e identificação das pessoas mortas e desaparecidas durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985).
“ É uma reivindicação dos movimentos do nosso país por memória, verdade e justiça ”.
Edival Cajá, presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa e membro do Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário
O documento reforça um manifesto lançado no último dia 26 de junho, data internacionalmente dedicada ao combate à tortura, em que familiares e vítimas da violência de Estado cobram do presidente Lula a assinatura e publicação no Diário Oficial de um decreto encaminhado há mais de cinco meses ao Palácio do Planalto pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania pelo retorno dos trabalhos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
“ Uma outra expectativa é aumentar o grau de sensibilidade através da troca de experiência, da luta de cada comitê nos Estados acerca da criação e manutenção dos memoriais da democracia, que foi recomendado pela Comissão Nacional da Anistia para guardar, preservar os documentos das comissões da memória, verdade, justiça nos Estados ”, pontua Cajá.
Coordenador da oitava edição do Encontro em Recife, Cajá é presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa e membro do Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário. “ Há trinta anos existe o Centro Cultural Manoel Lisboa que foi organizado com a finalidade de discutir a questão da memória, da verdade, da justiça e recuperar os restos mortais de Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra, Manoel Aleixo e Amaro Félix. Então há trinta anos nós estamos nessa caminhada. Já conseguimos parte de destes objetivos. E os demais nós estamos ainda no seu encalço”, explica.
Durante os dois dias de debate estará na centralidade dos debates, a reconstrução de políticas públicas voltadas à Memória, Verdade, Justiça e Reparação e o reconhecimento de graves violações de direitos humanos, como o genocídio do povo indígena, o racismo estrutural e o extermínio da juventude negra e favelada.
Com a presença já confirmada dos estados da Bahia, de Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, o encontro quer “ tentar sensibilizar o Governo Federal a criar um órgão de estado que possa cumprir as 29 resoluções da Comissão Nacional da Verdade, entre elas está a desmilitarização da Polícia Militar que é responsável pelo encarceramento dos pobres, negros da periferia das grandes cidades do nosso país ”, considera Cajá.
A programação completa está em fase de conclusão e será divulgada em breve.
Fonte: Saiba Mais Agência de Reportagem, 20/08/2023