Notícias
Prontuário da vida política do líder trabalhista faz parte dos arquivos aos quais Zero Hora teve acesso com exclusividade, em 2005, um ano após sua morte. Não há registros de quando ele obteve esse material, muito menos de quem os repassou
Documentos guardados no baú de Leonel Brizola revelam que ele foi espionado pela ditadura durante 20 anos
Um prontuário da vida política do ex-governador Leonel Brizola, elaborado pelos órgãos de investigação e repressão, repousava numa estante do apartamento da Avenida Atlântica, em Copacabana, no Rio de Janeiro, quando Zero Hora esteve lá, em 2005. São documentos originais e cópias autenticadas — com carimbos de secreto, confidencial e reservado — que trazem um detalhado histórico da atuação de Brizola, da partida para o exílio, em 1964, até o fim do regime militar (1985).
ZH esteve no apartamento um ano depois da morte do trabalhista, quando a família permitiu que a reportagem tivesse acesso, com exclusividade, aos arquivos que ele guardou ao longo da vida. Composto por documentos, cartas, fotos, diplomas, objetos, jornais, revistas, livros e fitas, o acervo contempla praticamente todas as fases da vida pública e privada do ex-governador. Em 2005, foi publicada a série "O Baú de Brizola".
Com timbres do Centro de Informações do Exército (Ciex), do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa), do Serviço Nacional de Informações (SNI) e do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, o prontuário informa sobre as atividades conspiratórias do ex-governador.
Em 9 de fevereiro de 1965, Brizola era retratado num informe do SNI da seguinte forma: "O sr. Leonel Brizola mora num bem montado apartamento no centro de Montevidéu. Recebe diariamente muitas pessoas e quase sempre o assunto é contrarrevolução. O líder é Brizola. Quase não se fala em Jango (o ex-presidente João Goulart)".
À medida que avançava a organização da luta armada, os relatórios e pedidos de informação aumentavam. As tratativas de Brizola com o governo de Fidel Castro eram esmiuçadas, como mostra um documento de 16 de março de 1967:
"Leonel Brizola, no correr dos últimos dois anos, conseguiu treinar em Havana e infiltrar de volta no Brasil cerca de 120 homens que se acham espalhados pelos Estados da Guanabara, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e também no Estado do Rio".
As informações obtidas pelos militares indicavam que Brizola considerava a possibilidade de obter cooperação de extremistas bolivianos:
"Ao que se sabe, 90% do grupo de Brizola já se encontraria em território brasileiro, estando os 10% restantes ainda no Uruguai. Nos próximos seis meses a maior parte destes regressaria ao Brasil, permanecendo no Uruguai apenas o número de elementos indispensável para manter abertos os canais de comunicações. Com a possível cooperação de extremistas bolivianos, Brizola está examinando a possibilidade de instalação de um centro de treinamento de guerrilheiros no Acre".
Não há registros do ano em que Brizola obteve esse lote de documentos, muito menos de quem os repassou. É possível que tenha tido acesso aos papéis durante um de seus dois mandatos de governador do Rio.
Alerta soou em 1977
A expulsão de Leonel Brizola do Uruguai, em 1977, fez tocar o alarme nos órgãos de investigação e repressão da ditadura militar. Pedido de coleta de dados sobre antigos membros do PTB no Brasil e relatórios sobre as atividades em Nova York, onde o ex-governador se asilou inicialmente, e na Europa, para onde se mudou depois, mostram a preocupação dos militares com o retorno do inimigo.
"Antigos membros do extinto PTB e correligionários de Leonel Brizola estão em vias de desencadear no Rio Grande do Sul, principalmente em Porto Alegre, uma campanha pelo regresso do marginado. Pensam em sensibilizar o meio estudantil e o setor jovem do MDB e em atrair para o seu projeto algumas organizações religiosas, que fariam uma 'campanha telefônica' sobre o Congresso Nacional pedindo a volta de Brizola", diz documento datado de 21 de novembro de 1978, expedido pela 5ª Região Policial, de Cruz Alta.
Outro documento, do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Porto Alegre, datado de 8 de fevereiro de 1978, registra: "Subversivos brasileiros de diversas organizações vêm se reunindo há algum tempo na Europa para tratar da viabilidade de uma 'união' entre as mesmas. Preliminarmente foram estabelecidos grupos de coordenação para tarefas de propaganda na Europa e de contatos e ligações junto aos meios estudantil, religioso e operariado no Brasil".
O Ministério Público Militar do Distrito Federal, a pedido do então ministro da Justiça, Armando Falcão, fez um levantamento em fevereiro de 1978 sobre as condenações judiciais de Brizola por subversão. Brizola retornou ao Brasil em setembro de 1979, amparado pela Lei da Anistia. Mesmo com a redemocratização, os passos do líder trabalhista continuaram sendo vigiados até o fim do regime, em 1985. Participação em reuniões partidárias e em congressos de estudantes, discursos e até mudanças de endereço estão registradas no prontuário.
Os documentos produzidos pelo regime militar obtidos por Brizola merecem algumas observações do ex-governador. Em um dos papéis, com o timbre do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa), Brizola escreve: "Atenção. A direita trabalhando com suas mentiras e métodos de sempre!"
Trechos de documentos encontrados
"Entre todos que, no Uruguai, acompanham o assunto, é pacífico — e não poderia ser de outra maneira — que Brizola e Jango preparam-se, sem preocupação de tempo, para a revanche e, para tanto, se articulam".
- Informe 100/67, do Centro de Informações do Exército (Ciex), de 16 de março de 1967:
"No momento, Brizola está enviando para Havana apenas elementos escolhidos pelas condições especiais que possuem para exercer funções de chefia. Esses elementos terão em Cuba treinamento de comando, constituindo um quadro especial identificado pela sigla 'GG'. Desse quadro possivelmente fará parte o ex-cabo Anselmo".
- Informe do Ciex, de março de 1967:
"Há novos indícios de uma campanha de agitação que, inclusive, digo, incluiria atos de terrorismo e sabotagem, poderá abranger todas as capitais do Nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e algumas cidades das proximidades com a fronteira com o Uruguai".
- Pedido de investigação do Ciex para o Dops do Estado da Guanabara, em 26 de janeiro de 1968:
"Brizola organizou um 'Livro de Ouro' que visa a angariar contribuições de brasileiros para auxílio a asilados e exilados. Essa ideia foi adotada com o objetivo de aliviar a carga que os asilados ricos, como ele próprio e João Goulart, têm tido que suportar prestando assistência a seus adeptos menos favorecidos".
- Informe nº 21 da 6ª Divisão de Exército, Rio Grande, 8 de agosto de 1978:
"Está em estudo um esquema visando a volta de todos os 'presos políticos brasileiros' banidos do país. Aqueles elementos deverão se organizar de tal forma que retornem ao Brasil ao mesmo tempo (...) Dentro desse aspecto, Leonel Brizola, Manoel da Conceição, entre outros, já estariam se movimentando junto aos trabalhadores de Portugal e Suécia, e, inclusive, aperfeiçoando-se em novas técnicas de 'movimento de massas'".
- Informe nº 230 do I Exército, de 15 de maio de 1981:
"O presidente do Partido Democrático Trabalhista, senhor Leonel Brizola, instalou o seu escritório e/ou residência à Av. Atlântica, nº 3210, 7º andar".
- Relatório periódico de informações nº10/Cisa/82:
"Leonel Brizola, após 1964, foi condenado em 7 processos, todos por subversão, a penas que somaram 42 anos. Resumindo: Leonel Brizola, em agosto de 1979, quando foi anistiado, estava condenado a penas que atingiam o total de 26 anos de reclusão".